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Naufrágio na Ilha de Cotijuba: familiares e sobreviventes aguardam por justiça após dois anos

A próxima movimentação no processo judicial do caso está marcada para o dia 1º de outubro, às 9h, no Fórum Criminal de Belém, quando acontecerá a audiência de instrução e julgamento do comandante da lancha “Dona Lourdes II”

Saul Anjos

Há dois anos os familiares, amigos e sobreviventes do naufrágio registrado nas proximidades da Ilha de Cotijuba, ocorrido no dia 8 de setembro de 2022 e que resultou na morte de 24 pessoas, aguardam por justiça. A próxima movimentação no processo judicial do caso está marcada para o dia 1º de outubro, às 9h, no Fórum Criminal de Belém. Na ocasião, está prevista a audiência de instrução e julgamento do comandante da lancha “Dona Lourdes II”, embarcação envolvida no episódio e onde estavam 87 pessoas. De acordo com o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), ele responde a 24 homicídios, além de 62 tentativas de homicídio e encontra-se em cumprimento de medidas cautelares, inclusive com monitoramento eletrônico. 

image A imagem mostra Monica Seabra, de 44 anos, que no naufrágio perdeu a irmã, Brenda, 35, e a sobrinha, Lívia Vitória Seabra, de apenas 2 anos. ()

No naufrágio, Monica Seabra, 44 anos, perdeu a irmã, Brenda, 35, e a sobrinha, Lívia Vitória Seabra, de apenas 2 anos. Os pais dela, Raimundo Serra e Diva Seabra, também estavam na embarcação e conseguiram escapar com vida, juntamente com outras 63 pessoas. “Estamos na expectativa para que aconteça a audiência de instrução e julgamento. No ano passado estava marcada essa audiência, mas não houve porque não estavam todas as vítimas (no processo)”, conta. Neste domingo (8/9), na Praça da República, em frente ao Teatro da Paz, haverá um ato para lembrar os dois anos de luto pelas 24 pessoas que se foram no naufrágio.

"Foi tudo muito rápido", diz sobrevivente sobre o naufrágio

image A imagem mostra Márcia Ribeiro, de 41 anos, sobrevivente do naufrágio. Ela veste uma camisa com os dizeres "Vidas Marajoaras Importam", e que também tem fotos das 24 vítimas. (Foto: Carmem Helena | O Liberal)

 

Márcia Ribeiro, 41, apesar de ainda chorar bastante ao relembrar o que aconteceu, não sabe explicar como conseguiu sobreviver. Ela estava sentada na frente de Brenda e Lívia, que tentou a todo custo salvar a filha. “Começaram a gritar que estava enchendo. Fizemos força para levantá-la, só que ela ‘sentou’ e virou com o vento e afundou muito rápido. Tinham idosos e crianças dormindo nessa hora. Quando eu tentei sair da lancha, puxei o colete, mas estava engatado e acabei rasgando o meu pé. Muitas pessoas não conseguiram pegar o colete. Lutei muito para sobreviver. Até hoje tenho trauma da travessia ao Marajó”, relata.

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Para lutar por justiça pelos sobreviventes, as vítimas e por melhorias aos transportes que deslocam às regiões marajoaras, foi criado o movimento Vidas Marajoaras Importam. “Para mim, não foi um acidente (o naufrágio) foi um crime. Apesar de toda essa tragédia, o descaso continua. A falta de respeito com os passageiros, as lanchas que estão operando, estão precárias. O descaso continua”, disse José Siqueira, irmão de Ana Lídia da Serra Favacho, outra vítima do naufrágio.

image José Siqueira, irmão de Ana Lídia da Serra Favacho, outra vítima do naufrágio. (Foto: Carmem Helena | O Liberal)

O pescador que se tornou herói 

O pescador José Cardoso Lemos, conhecido pelo apelido de “Zezinho”, salvou 35 pessoas com vida, e resgatou outros nove corpos das águas. Ele estava indo trabalhar quando soube do naufrágio da Dona Lourdes II. Sem pensar duas vezes, desatracou o barco dele e foi ajudar no resgate, mesmo tendo força apenas no lado direito do corpo, por conta dos inúmeros acidentes que sofreu durante a pesca. Dentro da embarcação que utilizava para pescar, Zezinho abrigou o maior número de pessoas e fez duas viagens até a Praia da Saudade, local onde aconteciam os primeiros socorros.

image A imagem mostra o pescador José Cardoso Lemos, conhecido pelo apelido de “Zezinho”, que salvou 35 pessoas com vida, e resgatou outros nove corpos das águas do naufrágio. (Foto: Thiago Gomes | O Liberal)

 

No fim do ano passado, em Londres, ele recebeu uma das premiações de maior prestígio para a comunidade marítima mundial, o Prêmio IMO por Bravura Excepcional no Mar, da Organização Marítima Internacional (IMO). “Me sinto honrado de ter ajudado. Não tem preço que pague. Meu pai, meu pai, irmão, sobrinho e filho também ajudaram (no resgate), mas só eu consegui viajar para receber o prêmio. Nunca imaginei que um pescador simples conheceria Londres”, diz. 

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Dois anos após o naufrágio, Zezinho, que ainda mora em Cotijuba, revela que outros pescadores o acusam de ter se aproveitado da tragédia para conseguir mudar de vida. Ele afirma que agiu apenas para ajudar e nunca teve intenção de ser reconhecido mundialmente. “Minha rotina hoje em dia é pescar. Ganhei um barco da Marinha e uma casa de um empresário. Fico feliz pela mudança na minha vida, mas triste por tantas pessoas terem morrido”, lamenta.

Agradecimentos à população de Cotijuba

Luís Cláudio Alho, outro passageiro que escapou com vida do naufrágio, comenta que, quando a lancha parou, a suspeita era de que ela teria batido em uma pedra. “Liguei para minha sobrinha pedir ajuda, porque estávamos à deriva no mar, que estava muito agitado. Por volta das 7h45, a embarcação afundou. A minha preocupação era com a minha esposa, que não sabe nadar. Deus é muito grande, porque ele mandou um pedaço de pau, onde 12 pessoas conseguiram se segurar. É uma história que muita gente não acredita”, afirma.

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Alho também ressalta que conseguiu ser salvo não por Zezinho, mas por outra pessoa. “Quem nos salvou foi o seu Rafael. Eu queria agradecer ele e também aos moradores de Cotijuba, que fizeram um aparato muito grande para nós. Chegamos sem roupa, sem comida, sem nada e eles (população de Cotijuba) se mobilizaram para nos ajudar”, reconhece.

O que diz a defesa?

Dorivaldo Belém, que atua na defesa do comandante da embarcação, informou que o cliente foi proibido de pilotar embarcações e de ausentar-se de Belém, além do recolhimento domiciliar após as 22h e mais outras medidas cautelares. O advogado assegura que o acusado, assim que “percebeu que o barco estava afundando, saiu dele para alcançar na cobertura os botes salva-vidas, e dos 4 existentes, conseguiu soltar 3, que foram fundamentais para a salvação de muitas pessoas.”. 

Além disso, Dorivaldo conta que o comandante da Dona Lourdes II salvou três mulheres e uma criança pequena. “Algumas pessoas falam que ele saiu do barco, mas foi exatamente o momento que ele foi soltar os botes. Se não houvesse essa ação rápida e corajosa, provavelmente teria-se mais mortes”, alega. 

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Belém diz que a embarcação era vistoriada anualmente e tinha autorização para “navegar na hidrografia paraense, tanto de rios como de travessia da Baía do Guajará”. Sobre a autorização de operação nos trechos por onde a lancha passou antes de afundar, o advogado complementa que a “a proprietária da lancha havia protocolado pedido de autorização para operar no trecho de Camarazinho - Belém - Camarazinho, mas depois de entregar toda a documentação, aguardava a emissão do Alvará”. Porém, segundo ele, “como havia uma grande necessidade de passageiros virem à Belém, daquela localidade, a empresa já vinha operando, há seis meses nesse trecho, com o conhecimento e autorização tácita da ARCON”, a Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará.

Após cinco meses do naufrágio, o içamento da embarcação aconteceu, mas a Marinha do Brasil (MB) disse que o processo de reflutuação havia sido feito de maneira clandestina. Dorivaldo argumenta que “a proprietária (da Dona Lourdes II) pensando que estava autorizada, providenciou o içamento, mas foi fracassado porque a embarcação, muito danificada, afundou de novo”. 

A Redação Integrada de O Liberal procurou a Arcon, a MB, o Ministério Público do Pará e a Agência de Regulação e Controle dos Serviços Públicos de Transporte (Artran), mas não teve resposta de nenhum dos órgãos até o fechamento desta edição.

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