Casas sustentáveis: projeto prevê habitações adaptadas à realidade amazônica
Os pesquisadores visitaram comunidades para criar casas que respeitem as diversidades e tradições locais

Pesquisadores do Pará iniciaram estudos para incluir as características da região Norte em projetos habitacionais, com o objetivo de criar casas saudáveis e sustentáveis a partir das diversidades e tradições locais. A iniciativa teve início após a constatação de que os modelos de moradias trazidos do Centro-Sul brasileiro não condizem com o dia-a-dia da população ribeirinha da Amazônia.
O Projeto “Ribeirizar: ambiência ribeirinha amazônica”, do IFPA campus Belém, busca integrar tecnologias sociais e práticas construtivas tradicionais, além de desenvolver habitações adaptadas às condições culturais, ambientais e socioeconômicas da Amazônia, aos desafios do conforto térmico, da eficiência energética e do saneamento sustentável, alinhando-se aos princípios da promoção da saúde e da inclusão social.
A casa do ribeirinho é abrigo e fonte de sustento. (Projeto Ribeirizar)
“Quando o Governo Federal quer direcionar verbas para a habitação social dessas comunidades, ou grandes empresas querem fazer compensações ambientais e querem construir, eles buscam modelos de projetos prontos do Sul e Sudeste. Esses projetos não condizem com a realidade dos ribeirinhos”, explica a coordenadora do projeto, Eliana Machado Schuber.
De acordo com Eliana, em locais como o Marajó e na Vila da Barca, existem casas onde não é possível pendurar uma rede, pois os modelos de residências são construídos sem atadores, típicos da população Amazônica. Isso acontece pois são trazidos do Centro-Sul brasileiro e têm como base a realidade e o modo de vida das favelas.
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“Isso impacta não só no dia-a-dia dos ribeirinhos, mas também na atividade econômica deles, porque a atividade econômica dos ribeirinhos é exercida dentro de casa. Então a casa do ribeirinho, além de um abrigo, é de onde eles tiram o sustento deles”, ressalta Eliana.
Protótipo de moradia
No projeto, foi possível desenvolver um protótipo de moradia para atender às necessidades cotidianas do ribeirinho amazônico, por meio do trabalho da equipe composta por professores e estudantes dos cursos Técnico em Design de Interiores e da Especialização em Tecnologia Social, Saúde e Ambiente na Amazônia.
A iniciativa trabalha com uma metodologia participativa, para identificar coletivamente os problemas e soluções a partir da escuta das demandas da população, com reuniões comunitárias e visitas de campo. Para desenvolverem o protótipo, foram visitadas as comunidades da Usina Vitória, na Ilha das Onças, e do Porto Ceasa, dentro da região urbana mais distante de Belém.
“As comunidades participaram da criação de croquis e esquemas conceituais, contribuindo diretamente para o desenvolvimento das soluções arquitetônicas. Essa abordagem, além de respeitar os saberes tradicionais, promoveu um diálogo enriquecedor entre conhecimento técnico e práticas locais ", diz Eliana.
Os projetos preliminares incluem a incorporação de elementos tradicionais, como o uso de materiais da floresta e técnicas construtivas adaptadas ao clima amazônico. Para a elaboração da estrutura das casas, os pesquisadores levaram em consideração o modo de vida das populações e a relação com os rios, e incluíram elementos no projeto arquitetônico para atender as expectativas e necessidades dos moradores. Uma veneziana vertical para amenizar o calor e janelas grandes para permitir a ventilação natural por toda a habitação são dois exemplos.
Além disso, as tecnologias sociais de saneamento, reaproveitamento de água da chuva com tratamento para potabilidade e o tanque de evapotranspiração TEVAP para tratamento de esgoto sanitário também foram projetadas.
“Esses elementos foram pensados para criar um ambiente confortável, funcional e esteticamente agradável para a habitação saudável ribeirinha. Nesse contexto, o projeto buscou preservar elementos essenciais dessa arquitetura, ao mesmo tempo em que introduziu soluções voltadas à melhoria das condições de vida e à sustentabilidade”, comenta.
O próximo passo do projeto é a instalação de módulos experimentais, ou seja, três casas-modelo em tamanho real: uma para servir de laboratório multidisciplinar, dentro do IFPA Campus Belém, além de uma em cada comunidade citada. Na Usina Vitória e no Porto Ceasa, devem ter moradores da localidade selecionados para avaliar se o modelo responde às suas necessidades cotidianas.
A coordenadora enfatiza ainda que, apesar de receber bastante apoio do IFPA, não há financiamento para o projeto. Muitas vezes, as visitas foram custeadas por coletas entre professores e estudantes. “Estivemos em Brasília e lá nós percebemos que nós éramos o único projeto que não tinha financiamento de uma grande empresa, porque o olhar para a Amazônia é muito de fora para dentro e a gente está tentando mostrar o de dentro para fora. Nós é quem podemos desenvolver tecnologias que vão sanar os nossos problemas e temos muitos projetos nesse sentido, mas ainda pouco reconhecidos”, afirma Eliana.
*Ayla Ferreira, estagiária de Jornalismo, sob supervisão de Fabiana Batista, coordenadora do Núcleo de Atualidade de oliberal.com
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