Pé-de-Meia: Porto de Moz, no Pará, tem mais gente recebendo benefício do que aluno matriculado
Levantamento do jornal O Estado de São Paulo aponta cidade paraense entre os três municípios onde os dados de matrícula das próprias escolas conflitam com os dados do MEC

O município de Porto de Moz, no Pará, é um dos municípios brasileiros que têm mais beneficiários do Programa do governo federal Pé-de-Meia do que alunos matriculados na rede pública. É o que aponta um levantamento publicado nesta segunda-feira (31) pelo jornal O Estado de São Paulo. Segundo a matéria do Estadão, o problema ocorre também em outras duas cidades brasileiras, localizadas na Bahia e em Minas Gerais. Além disso, o programa contempla também mais de 90% dos alunos de Ensino Médio em pelo menos 15 cidades de cinco estados - e há casos de beneficiários que aparentam ter renda acima da permitida pela regra do programa que paga bolsa para alunos mais carentes.
O programa Pé-de-Meia é uma das principais apostas do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): é um incentivo financeiro-educacional voltado a estudantes matriculados no ensino médio público beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). O programa funciona como uma poupança para promover a permanência e a conclusão escolar de estudantes nessa etapa de ensino.
Números divergentes em Porto de Moz
Porto de Moz fica às margens do rio Xingu, no oeste do Pará, e tem 41 mil habitantes. São 1.687 beneficiários do Pé-de-Meia, que receberam R$ 2,75 milhões em fevereiro, de acordo com os dados do MEC. Segundo os diretores das duas escolas estaduais da cidade, há 1.382 alunos matriculados - ou seja, menos que o número de recebedores do Pé-de-Meia. Procurado, o Ministério da Educação fala em 3.105 alunos de ensino médio na cidade, mais que o dobro do observado pelos diretores.
Na cidade de Porto de Moz, há casos de professoras do ensino fundamental listadas como responsáveis por alunos de menos de 18 anos que receberam o Pé-de-Meia em fevereiro. Uma delas é Ana Claudia Oliveira de Abreu, professora com carga horária de 20 horas semanais e que recebeu R$ 5,3 mil em fevereiro. Outro caso similar é o de Ana Paula do Socorro Pontes Filho, que teve ganhos líquidos de R$ 5,9 mil. No total, são quatro professoras com ganhos líquidos acima de R$ 5 mil na lista do programa.
As professoras foram contratadas no começo deste ano e eram beneficiárias do Bolsa Família até recentemente – o que sugere que eram pessoas de baixa renda. Segundo o Estadão apurou, a exclusão de pessoas que têm um aumento de renda do Cadastro Único (CadÚnico) pode levar vários meses. Enquanto isso não ocorre, os beneficiários continuam recebendo, mesmo sem se enquadrar nos critérios do programa. A redação integrada de O Liberal tenta contato com a Prefeitura de Porto de Moz.
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Sobre o levantamento feito pelo jornal, o MEC afirmou que a responsabilidade pelas informações prestadas é das Secretarias estaduais de Educação. O ministério informou ainda que trabalha com os Estados para corrigir eventuais problemas.
Cenário em Riacho de Santana, na Bahia
Em Riacho de Santana (BA), cidade de 35 mil habitantes localizada a cerca de 500 quilômetros de Salvador, a parcela do Pé-de-Meia de fevereiro foi paga a 1.231 pessoas, segundo dados divulgados pelo MEC. No entanto, segundo o que a direção do único colégio público que atende ao ensino médio na cidade disse ao Estadão, por telefone, há no momento 1.024 alunos matriculados.
Procurada, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia informou que seriam 1.677 alunos. Já o MEC fala em 1.860 no Colégio Estadual Sinésio Costa, que conta com 15 salas de aula.
O benefício foi pago no município baiano a 456 estudantes menores de 18 anos, inscritos no ensino regular; e 775 maiores, que cursam o ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ao todo, os pagamentos em Riacho de Santana somam R$ 1,75 milhão em fevereiro. Segundo o Estadão apurou, a maioria dos problemas e pagamentos indevidos do Pé-de-Meia ocorre na modalidade EJA.
Pé-de-Meia em Natalândia, em Minas Gerais
Em Natalândia (MG), os dados do MEC para o mês de fevereiro registram 326 beneficiários do Pé-de-Meia. Mas, segundo a direção da escola estadual da cidade, são 317 alunos de ensino médio matriculados atualmente. Já o MEC fala em 600 estudantes na Escola Estadual Alvarenga Peixoto, que tem apenas sete salas de aula.
Há outras cidades nas quais o número de beneficiários do Pé-de-Meia em fevereiro passa de 90% dos alunos matriculados. Em Quixabá (PB), são 66 beneficiários do Pé-de-Meia em fevereiro, e 67 alunos matriculados – ou seja, só um a menos. Em Alcântara (MA), cidade que abriga o Centro Espacial de mesmo nome, são 833 beneficiários do Pé-de-Meia e 839 alunos do ensino médio: só seis a menos. Os dados atualizados de matrículas foram fornecidos pelas Secretarias de Educação desses Estados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O MEC afirmou que a cobertura quase integral do Pé-de-Meia nesses casos se deve ao perfil socioeconômico dos municípios. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Quixabá era de 0,622 em 2010, na última vez que o índice foi calculado para o município. O valor é considerado “médio” e põe Quixaba em 30º lugar no ranking do Estado, composto por 223 municipalidades – a média do Estado foi de 0,587. Já Alcântara (MA) aparece no meio do ranking de IDH dos municípios maranhenses. Em 2010, o IDH da cidade era de 0,573 – a média do Estado era de 0,576. Alcântara tinha então o 106º melhor índice dos 217 municípios maranhenses.
Em alguns casos, as Secretarias de Educação estaduais enviam dados errados ao MEC. Na base de registros do Pé-de-Meia para fevereiro, a cidade de Elísio Medrado (BA) aparece com 742 beneficiários do Pé-de-Meia – mas, segundo a direção do colégio estadual da cidade, são só 355 estudantes matriculados, menos da metade. Questionado pela reportagem, o MEC disse inicialmente que a cidade teria 1.145 alunos de ensino médio.
O número é pouco factível: significaria que um em cada oito moradores do município estaria matriculado. Mais tarde, o ministério constatou um erro da Secretaria de Educação baiana, que juntou os alunos de Elísio Medrado com os de Cocos (BA). Na verdade, Elísio Medrado tem 390 alunos e 224 beneficiários do Pé-de-Meia, diz o MEC. “Os números de 2024 tinham estudantes de Elísio e Cocos registrados em Elísio Medrado. Em função disso, os dados da planilha disponível no portal serão atualizados com as informações retificadas pela rede na próxima janela de correção, prevista em lei”, disse a pasta.
Descumprimento do critério de renda
Nessas cidades, também há descumprimento do critério de renda para receber o benefício. O Estadão encontrou servidoras das prefeituras com rendimentos líquidos de mais de R$ 5 mil mensais listados como responsáveis por jovens que receberam o Pé-de-Meia. De acordo com as regras do programa, o benefício só pode ser pago a jovens de famílias com renda mensal de até meio salário mínimo (R$ 759) por pessoa.
Nos dados divulgados pelo MEC, uma das pessoas listadas é Amélia de Souza Oliveira - ela aparece como responsável por um estudante de menos de 18 anos que recebeu R$ 1 mil do Pé-de-Meia em fevereiro. No entanto, Amélia é professora da rede municipal em Riacho de Santana desde 2019, com salário líquido de cerca de R$ 4,3 mil.
Além disso, ela é dona de uma pequena farmácia no centro da cidade baiana, chamada Posto de Medicamentos Santa Clara. Ao Estadão, Amélia confirmou ser mãe de um jovem que recebe o Pé-de-Meia, mas disse que seu filho já é maior de idade, e cursa a etapa na modalidade EJA. Na mesma cidade, também figura como responsável por um jovem menor de 18 anos a professora Nelma de Oliveira Silva Rocha – o aluno recebeu R$ 1 mil em fevereiro. O salário líquido de Nelma é de cerca de R$ 3,8 mil, e não há indicação de que ela tenha recebido o Bolsa Família ou outro programa social, como o Pé-de-Meia exige. O Estadão não conseguiu contato com Nelma (com informações do jornal O Estado de São Paulo).
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