Ausência de acordo com a Rússia no Mar Negro deixa produtores paraenses mais pessimistas
No Pará e no restante do Brasil continua a preocupação especialmente om os fertilizantes
A não renovação, por parte da Rússia, do chamado Acordo do Mar Negro, que permitia a exportação de grãos e fertilizantes em oito portos ucranianos, acendeu uma luz de alerta na economia de diversos países. No Pará, assim como no Brasil, a principal preocupação é com os fertilizantes. O país é o segundo maior importador do planeta e comprou em 2021, antes da guerra, mais de US$ 4 bilhões em fertilizantes da Rússia (US$ 3,5 bi) e da Bielorrússia (US$ 508 milhões), segundo dados da Comex Stat.
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Ao longo dos dois últimos anos o mercado mundial de fertilizantes vem enfrentando muitos desafios, tais como a interrupção da cadeia de suprimentos por falta de produto (devido à pandemia de covid-19), a alta no preço do gás natural, o embargo econômico imposto pela União Europeia e Estados Unidos sobre Bielorrússia (um dos principais fornecedores do Brasil) desde 2021 e, por fim, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Os preços dos principais fertilizantes dispararam até 144% neste período.
Em 2022, em razão do conflito no leste Europeu, a importação de fertilizantes pelo Brasil foi antecipada e o país buscou outros fornecedores, elevando a quantidade de cloreto de potássio adquirida do Canadá, Israel e Alemanha, e reduzindo as compras da Rússia e de Bielorrússia. A quantidade de cloreto de potássio importado pelo Brasil do Canadá somou 4,54 milhões de toneladas em 2022, volume 9,1% maior que o de 2021. Alemanha e Israel enviaram 1,25 milhão de toneladas e 1,1 milhão de toneladas do insumo, com aumentos de 6,3% e de 14,1%, respectivamente, frente a 2021. Por outro lado, a Rússia forneceu 3,1 milhões de toneladas de cloreto de potássio, queda de 13,7% frente ao ano anterior. Bielorrússia foi responsável por fornecer 1,07 milhão de toneladas do insumo, menos da metade (queda de expressivos 55,3%) da quantidade do ano anterior.
O acordo do Mar Negro trouxe uma lufada de positividade ao produtor brasileiro. O mercado se ajustou e os preços dos fertilizantes no início do ano alcançaram patamares anteriores ao início da guerra, com mais de 40% de retração em alguns produtos, como o cloreto de potássio. A estabilidade do setor começava a surgir no horizonte e a depender apenas da subida dos preços das commodities no mercado internacional, quando a repentina decisão do Kremlin em não renovar o acordo balançou tudo novamente.
Impacto da guerra na Ucrânia para o Pará
No Pará, principal produtor agropecuário do Norte do país, com um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 28 bilhões, os produtores de soja, que já mostram insatisfação com a queda no preço da commoditie, que este ano ficou 40% mais barata no mercado, retornam os olhares novamente para o desdobrar do conflito que envolve as principais potências mundiais. Com soja mais barata e fertilizante mais caro, o clima é favorável à incertezas.
“Atualmente o preço dos fertilizantes no Pará caiu, pois ainda estamos sob o efeito do acordo, mas vai essa porta vai fechar. Os fertilizantes russos que aqui chegam não partem destes portos ucranianos, mas o embargo mexe com o mercado e pode ter consequências aqui. E justamente num momento em que o preço das commodities está lá embaixo. No momento, o produtor paraense está tentando pagar as contas, a grande maioria pegou dinheiro emprestado quando o milho e a soja tinham outro preço. Agora ele vai vender, mas não vai lucrar, e ainda corre o risco de uma nova alta dos fertilizantes”, diz Guilherme Minssen, diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa).
Em Paragominas, município que é o principal polo de soja do Nordeste paraense, o anúncio da não renovação do acordo trouxe mais incertezas acerca das próximas safras. Muitos produtores não conseguiram cobrir os custos de produção do ano passado, quando os preços dos fertilizantes disparou. O plantio no Pará, que começa mais tarde do que nos demais estados, entre os meses de novembro e dezembro, tende a premiar o produtor que comprou fertilizantes no primeiro semestre do ano. Poucos.
“O mercado de soja está muito ruim. Compramos fertilizante a um alto preço no ano passado, e agora não conseguimos cobrir os custos de produção, isso está dando problema sério entre os produtores de Paragominas. No início do ano deu uma baixada, mas já está aumentando novamente. Aqui, como plantamos depois dos outros estados, costumamos já pagar mais caro pelo fertilizante, agora mais ainda”, diz Wanderley Ataíde, produtor e presidente da Aprosoja Pará, explicando em números o gasto com fertilizante em sua produção, efeito direto do conflito Rússia-Ucrânia.
“Antes da pandemia, a média que o produtor paraense gastava com fertilizante era de menos de 200 dólares por hectare, agora ultrapassa os 400. Estamos aguardando o que vai acontecer com os preços dos fertilizantes após o fim do acordo. Estamos vendo a soja aumentar o valor um pouco, o que nos anima, mas daí vem novamente essa questão das importações, fica tudo mais desanimador, temos informações de regiões paraenses que vão ficar sem plantar devido aos custos de produção”, diz o produtor paraense.
Baixa ainda não compensa subidas e incertezas
Apesar da queda nos preços dos fertilizantes, a relação de troca – no caso da soja – ainda supera a média histórica dos últimos cinco anos, conforme o pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Mauro Osaki.
“Temos uma queda de mais ou menos 40% no cloreto de potássio no primeiro quadrimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022 e de 34% no MAP”, informa. Por conta desses números, mesmo que o adubo seja o principal componente nos custos do produtor de soja, o especialista não acredita que a instalação da lavoura vá onerar menos o agricultor neste próximo plantio, o que desanima ainda mais o produtor paraense, principalmente o que não comprou adubo aguardando uma valorização da soja.
“A guerra na Ucrânia torna está questão muito incerta. O Brasil está ampliando sua produção agrícola e como tal, precisa de mais fertilizantes. Com o fim do acordo entre ONU e a Rússia para a exportações através do Mar Negro, a situação ganha ares de desabastecimento. Os preços dos fertilizantes deve disparar com repercussão direta nos preços dos produtos agrícolas, com impacto direto na inflação nacional e global”, diz Edir Veiga, doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA). Para o especialista, apesar de ter garantido não comprometer o envio de fertilizantes ao Brasil, os russos possuem dificuldades para abastecer um mercado global.
“A Rússia não tem infraestrutura para suprir a demanda de vários países mega produtores agrícolas, como o Brasil. E o Brasil não tem como ir buscar estes produtos na Rússia e Bielorrússia, sob sanções. Outros países produtores, como Canadá, Chile, possuem uma produção muito insuficiente para atender gigantes como Brasil. A solução estratégica é renegociar os bloqueios econômicos contra a Rússia e encontrar uma solução mediada para a guerra da Ucrânia, solução esta que parece distante”, diz o professor.
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