Belém e Ananindeua devem perder repasses do ICMS em 2023

Enquanto as cidades com populações maiores ficam com taxa menor, municípios que gram mais riqueza, como os mineradores, veem percentual crescer

Elisa Vaz

Os municípios paraenses com maior população, como Belém e Ananindeua, podem perder repasses do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no ano que vem. Um dos principais tributos arrecadados pelos Estados, o ICMS tem parte de seu montante - 25% - distribuído às Prefeituras, conforme previsão da própria Constituição Federal.

Essa transferência, a chamada cota-parte, leva em conta o valor adicionado fiscal (VAF), o que significa que as cidades que mais geram riqueza ao Estado são as que recebem os maiores percentuais de repasses. No caso do Pará, os municípios mineradores, como Parauapebas e Canaã dos Carajás, são os responsáveis por grandes valores e, portanto, devem se beneficiar, enquanto cidades com mais contribuintes perdem percentuais de repasses. A análise é do Sindifisco.

O secretário municipal de planejamento e gestão de Belém, Cláudio Puty, adiantou, durante uma audiência pública sobre a Lei Orçamentária Anual (LOA) realizada na Câmara Municipal de Belém (CMB) na última semana, que o percentual a ser recebido pela capital em 2023 será menor: cairá de 11% para 7%. Considerando que esta é a cidade com a maior população do Estado, o titular da Segep vê enormes perdas para os cofres do município. O Sindifisco ressalta que outras cidades populosas, como Ananindeua, também terão perdas percentuais.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura da capital, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. Porém, o presidente do Sindifisco, Charles Alcântara, afirma que a queda já vem acontecendo há algum tempo, cada vez mais. Ele lembrou que, no primeiro mandato do atual prefeito, Edmilson Rodrigues, na década de 1990, a cota-parte do ICMS na capital era de 33% - ele considera que o ideal seria permanecer em 20%, já que a população de Belém responde por quase 20% do total de moradores do Estado.

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Já a Prefeitura de Ananindeua informou que o percentual ainda não está definido oficialmente e que é preciso aguardar a publicação do decreto estadual que definirá o percentual final da cota-parte para os municípios. Mas o subsecretário municipal de gestão fazendária, Márcio Teixeira Santos, adianta que, segundo índices provisórios, há uma queda do percentual destinado a Ananindeua. Isso, no entanto, não resulta, para o próximo ano, em redução do valor do repasse. "Apesar de haver uma provável redução do percentual, o valor ainda será superior ao do período anterior, porém, essa realidade pode mudar caso haja diminuição da arrecadação de ICMS pelo Estado nos próximos anos", declara.

Embora toda a regulamentação sobre o repasse do tributo aos municípios seja feita pelo Estado, como a definição dos parâmetros para o valor adicionado, o subsecretário diz que defende que o repasse seja realizado observando, de certa forma, o quantitativo populacional dos municípios, como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com Márcio, isso viabilizaria "ainda mais a prestação de serviços à população, que deve ser a grande beneficiada com a arrecadação de tributos, sejam estaduais ou municipais".

A Prefeitura de Parauapebas não atendeu à solicitação da reportagem, mas a de Canaã dos Carajás destacou que, em 2022, o percentual da cota-parte do município foi de 12,6%, mas, para o ano que vem, o planejamento ainda está sendo feito. Uma possível alta, segundo o secretário de finanças da cidade, Alciro Morais, representaria condições para cumprir as obrigações do poder público com a sociedade de Canaã dos Carajás, "a fim de suprir as inúmeras demandas multiplicadas em decorrência da implantação de um grande projeto como o S11D [projeto de mineração da Vale]".

"Apesar do aumento na receita municipal como um todo, a maior parte desta não pode ser usada para quitar despesas como folha de pagamento, por exemplo, em um município como o nosso, que é pequeno. Precisamos aparelhar as diversas frentes de trabalho que precisaram ser criadas e mantidas, a fim de atender à sociedade de forma eficaz, tanto na saúde quanto na assistência social, na educação ou na habitação e segurança. Por todos estes motivos este incremento é estritamente necessário para aparelhar e manter o bom funcionamento dos serviços públicos aqui em nosso município, com a responsabilidade de não esquecer que este possível aumento em nossa receita não é perene, pois em virtude de oscilações nas diferentes variáveis econômicas pode não ser o mesmo daqui a dois anos", expõe o secretário.

O governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), também foi procurado, mas não deu nenhuma informação oficial.

Como funciona

Para se fazer claro, o presidente do Sindifisco, Charles Alcântara, explica que a Constituição distribui competências tributárias. No caso do ICMS, prevê que o Estado tem competência para instituir o tributo e arrecadá-lo, fazendo uma partilha dessa renda, ou seja, 25% do imposto em questão pertence aos municípios, que são "sócios" da arrecadação do ICMS. "Então, embora seja competência do Estado instituir e cobrar, ele não pode tocar em 25% desse valor. Digamos que o Pará arrecade R$ 18 bilhões no ano. Então R$ 4,5 bilhões pertencem aos municípios e devem ser distribuídos entre as 144 cidades", detalha.

O que acontece, no entanto, é que algumas cidades recebem mais repasses, mesmo sem contribuir com a arrecadação da mesma forma que os locais com mais moradores. Isso porque o principal critério de distribuição da cota-parte, segundo Charles, é o chamado valor adicionado, já mencionado na reportagem e que foi estabelecido na década de 1990. Ou seja, entra no cálculo o que os municípios produzem e o que eles adicionam de riqueza ao Estado.

"Alguns anos depois dessa regra veio a Lei Kandir, em 1996. Antes dela toda produção primária e semielaborada era tributada, e a legislação estabeleceu que tudo que vai para exportação não tem incidência de imposto. O que acontece na prática: o minério cresceu e tem grande importância na pauta exportadora do Pará, e esses municípios mineradores geram muito valor adicionado, mas não arrecadam o ICMS. Então o Estado distribui o imposto arrecadado para todos, mas passa um valor muito maior para o município minerador", afirma.

Só que o ICMS incide, principalmente, sobre o consumo, daí o nome: "sobre a circulação de mercadorias e serviços". Portanto, o dinheiro sai do bolso do consumidor e o município que mais arrecada ICMS é o que tem a maior população, que mais consome, como Belém e Ananindeua. Do outro lado, os municípios como Parauapebas e Canaã dos Carajás ficam com uma fatia maior dos repasses, mesmo com uma população ligeiramente menor. A crítica de Charles parte do princípio de que, com mais moradores, Belém, por exemplo, tem grandes demandas por serviços e recursos. Tudo isso é considerado pelo presidente do Sindifisco uma "anomalia grave".

Mudança

O que a entidade defende é que a distribuição do ICMS tenha como critérios principais a população dos municípios e uma relação com o que as cidades contribuem dentro da arrecadação do imposto. "Se 25% pertencem aos municípios, é preciso considerar quanto cada um contribui para a arrecadação, porque é um esforço da população", enfatiza Alcântara.

O recurso transferido para os municípios por meio da cota-parte não são "carimbados", ou seja, não precisam ser gastos com áreas específicas, sem estarem vinculados a uma despesa, mas compõe o orçamento das Prefeituras. Em caso de percentuais menores para municípios com mais pessoas, as perdas seriam "generalizadas", na opinião do presidente do Sindifisco.

"A cidade perde investimentos em saúde, educação, as principais áreas. Por exemplo, considerando a perna de Belém, arredondando para R$ 200 milhões, se 15% é destinado para a saúde, são R$ 30 milhões a menos; se 25% é da educação, são R$ 50 milhões a menos só com essa perda. É menos recurso para saneamento, infraestrutura, pavimentação da cidade".

Em agosto desse ano, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) aprovou um Projeto de Lei (PL) de autoria do Executivo que dispõe sobre a modificação da forma de repasse do ICMS aos municípios. Na mensagem oficial, o governador Helder Barbalho diz que o objetivo é adequar os percentuais de repasse da cota-parte dos municípios às alterações promovidas na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n° 108/20, sendo conferidos novos critérios de distribuição.

Assim, o PL majora de 25% para 35% a fração da cota-parte municipal que é distribuída. O texto ainda prevê que, desses 35%, 10 pontos percentuais agora levarão em consideração indicadores de melhoria de resultados de aprendizagem e de aumento de equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.

Atualmente, segundo a Alepa, a lei estabelece que 75% do total de repasses, ou seja, três quartos dos 25%, corresponde à proporção das operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de cada localidade. Os 25% restantes são divididos da seguinte forma: 7% é distribuído igualmente entre todos os entes locais, 5% com base na população do território, 5% na proporção da superfície territorial e 8% de acordo com critério ecológico. A partir da adequação do PL, a proporção do valor adicionado nas operações circulação de mercadorias e serviços vai passar de 75% para 65%.

Essa mudança passará a valer em 2023. Mas, apesar do percentual maior de transferência, o presidente do Sindifisco diz que "a mudança nos índices de cota-parte é desprezível em termos proporcionais, considerando a distribuição do ICMS entre os 144 municípios paraenses. Em resumo: não produzirá efeito algum nas perdas impostas aos municípios mais populosos, como Belém e Ananindeua, por exemplo, que serão ainda maiores em 2023", argumenta. A reportagem também tentou contato com a Federação dos Municípios do Estado do Pará (Famep) para tratar do assunto, mas não teve retorno.

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