Aos 76 anos, Salomão Larêdo deixa Belém e volta à vila onde nasceu: 'Quero viver poeticamente’
Retorno à Vila do Carmo do Tocantins, em Cametá, marca nova fase na vida e na obra do escritor paraense
O jornalista e escritor paraense Salomão Larêdo anunciou que, no próximo dia 23 de abril, quando completa 76 anos, deixará Belém para voltar a morar na Vila do Carmo do Tocantins, distrito de Cametá, no Baixo Tocantins, no Pará, local onde nasceu e viveu até os três anos de idade. O retorno, segundo ele, representa não apenas um reencontro com suas raízes, mas também um gesto simbólico, em um ano marcado pelos 60 anos de sua trajetória literária.
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Em entrevista ao O Liberal, Salomão disse ver na mudança uma continuidade natural de sua caminhada. “Meu retorno é para viver poeticamente a vida e colaborar com a comunidade de onde sou”, afirmou, acrescentando que vai acompanhando da esposa, Maria Lygia Nassar Larêdo.
Mesmo com a nova rotina, ele garante que não deixará de produzir literatura. Já tem sete títulos em processo de finalização: “Escorre Água”, “Mico Panelão”, “Tocanvia”, “Paíz dos Maparás”, “Rei da Vila”, “República das Mulheres” e “Império da Feitiçaria”, todos com previsão de lançamento pela Larêdo Editora.
Agora mais perto, o autor afirma que a Vila do Carmo, o Baixo Tocantins e a cultura amazônica continuarão sendo sua principal fonte de inspiração. “A natureza, o ser humano, a fala, os sotaques, os dialetos, a sabedoria popular, os costumes dos quilombos, dos povos indígenas, das mulheres e negros. Toda essa diversidade cultural e poética continua me inspirando, sempre”, destacou.
Marcos históricos
O ano de 2025 será especial para o escritor não apenas pelo novo ciclo de vida, mas também por importantes marcos de sua carreira. Há exatos 60 anos, ainda estudante do segundo ano ginasial no Colégio do Carmo, em Belém, foi vencedor de um concurso de redação promovido pelo jornal O Globo e pela Livraria Atenas, do Rio de Janeiro. O prêmio garantiu sua entrada no jornalismo, como aprendiz de redação na Folha do Norte, um dos principais jornais da capital paraense na época.
Também em 65, Salomão fez circular entre os colegas de classe seu primeiro livro manuscrito, O Porquinho, escrito num caderninho preso com arame. Ele ainda celebra os 43 anos de lançamento do livro de poemas “Senhora das Águas" e os 41 anos do romance "Sibele Mendes de Amor e Luta".
Recordar é viver
O autor afirma nunca ter se desligado de suas raízes. Ao relembrar a chegada a Belém, em 61, traça um paralelo com o filme “Rocco e Seus Irmãos", de Luchino Visconti, que retrata a migração interna e os desafios enfrentados por famílias do interior.
“Morei com meus pais e irmãos num casebre de palha na Passagem Umariz, no bairro da Cremação, atolado na lama e infestado de carapanãs. Era uma vida muito difícil. Belém, para mim, é como ‘Roma’, no filme de Fellini: um lugar onde os periféricos são invisíveis”, contou.
Foi justamente essa vivência, nas ruas da periferia, nas festas populares, aparelhagens, procissões e rituais religiosos, que moldou o olhar de cronista e ficcionista de Salomão.
“A convivência com tanta gente pobre e lutadora me ensinou a construir narrativas a partir do cotidiano, do corpo, da fala, da vida que pulsa. É isso que carrego nos meus livros”, disse.
O autor vê sua obra como uma extensão de sua história de vida: o menino da lavoura que encontrou na literatura o espaço para preservar a memória do seu povo. “Venho da roça e trago nas veias a cultura nativa. A ficção é meu estado permanente, é construção de narrativa. Faço texto com o som da floresta, da madeira, da maré, da chuva, com as cores do miriti, com o bagaço do açaí”, reflete.
Despedida com gratidão
Em tom emocionado, Salomão agradece à cidade onde construiu sua vida adulta, sua carreira e seus vínculos com a cultura paraense. “Belém, cidade linda e querida, muito obrigado pela acolhida e convivência. Foram inúmeras conquistas que a Divina Providência e a Virgem de Nazaré me proporcionaram. Te amando, sigo agora para morar neste outro espaço de afeto, carinho, ternura, amor e paz”, finaliza.
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