Dez anos da tragédia na Boate Kiss: paraense Rafael Dias, de 21 anos, estava entre os 242 mortos

Manifestações reúnem familiares, amigos e comunidades pedindo justiça

Eduardo Rocha
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O incêndio da Boate Kiss, ocorrido em 27 de janeiro de 2013, na Cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, resultando na morte de 242 pessoas, entre as quais um paraense, e deixando 636 feridas, completa 10 anos nesta sexta-feira (27). No caso, o estudante Rafael Dias Ferreira, conhecido como Fael, então com 21 anos de idade, prestes a concluir o curso de Biologia. Rafael nasceu em Belém e havia ido morar em Santa Maria a fim de fazer o curso superior. Uma programação na cidade marca a data e terá um momento especial nesta sexta, no sentido de se cobrar justiça no caso que abalou o Brasil inteiro.  

Só que no meio do caminho de Rafael houve o incêndio na Boate Kiss, naquela  madrugada de 27 de janeiro de 2013, ceifando a vida desse jovem. Ele morava com a mãe e padrasto há cerca de 5 anos estava no último ano do curso de Biologia na Universidade Federal da cidade (UFSM). Em 31 de maio de 2013, ele foi homenageado por familiares, amigos e colegas da UFSM, quando, após ter o corpo cremado, teve suas cinzas depositadas junto a mudas de árvores no Jardim Botânico da Universidade Federal de Santa Maria.

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Relembre o caso

Por volta de 2h30 de um domingo, 27 de janeiro de 2013, durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, começou um incêndio na Boate Kiss, na Cidade de Santa Maria. A banda teria utilizado sinalizadores para uma espécia de show pirotécnico. Testemunhas relataram que faíscas de um equipamento "Sputnik" atingiram a espuma da estrutura de isolamento acústico, no teto do estabelecimento. Essa seria a origem do fogo que irrompeu no local e se espalhou em poucos minutos, provocando pânico nas pessoas.

Muitas delas, na festa intitulada "Agromerados", de estudantes da UFSM, não conseguiram, inclusive, chegar até a saída de emergência. Logo depois do incêndio, o Corpo de Bombeiros da região central do Rio Grande do Sul informou que o alvará de funcionamento da boate estava vencido. 

A Boate Kiss, por meio de advogados, pronunciou-se na ocasião, classificando o fato como uma "fatalidade" e que a empresa estava e situação regular.

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Tragédia não é esquecida por familiares e amigos das pessoas falecidas

Na mobilização de familiares e a amigos das pessoas pessoas mortas na tragédia da Boate Kiss, surgiu, então,  Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), que teve entre seus idealizadores e fundadores Adherbal Ferreira. No incêndio, ele perdeu a filha Jennefer Mendes Ferreira, na época com 22 anos de idade. "Eu entendo que foi um  enorme descaso com a vida e uma ganância sem fim", afirma Adherbal.

"Ninguém preso; justiça muito falha, uma pouca vergonha, ato irresponsável e de uma grande magnitude de vítimas; mesmo se fosse uma só pessoa séria horrível, mas são 242, um grande descaso e nos parece ter lado, infelizmente o mais ruim", enfatiza Adherbal Ferreira. 

No entanto, ele não perde a esperança. "A justiça humana é muito falha, terá muitos desdobres, enrolação o tempo irá passar e o desfecho poderá não ser do nosso agrado, mas confio na justiça divina; porém a procura da justiça deve continuar para que não se repita e outras pessoas não venham a sofrer do mesmo modo.  por isso, não ao esquecimento", exclamou.

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Julgamento

Em julgamento com 10 dias de duração, o Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre (RS), condenou, em 10 de dezembro de 2021, 4 réus acusados do incêndio da Boate Kiss, que resultou na morte de 242 pessoas. 

As condenações abrangeram: Elissandro Spohr, sócio da boate: 22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual; Mauro Hoffmann, sócio da boate: 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual; Marcelo de Jesus, vocalista da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual; e Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual. 

No entanto, o Tribunal de Justiça concedeu uma habeas corpus preventivo solicitado por Elisandro Spohr, com teor estendido aos demais condenados. Assim, a execução da pena de quatro anos foi suspensa e nenhum dos acusados foi preso. O Ministério Público anunciou iria recorrer do habeas corpus.

Ainda em dezembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou o habeas corpus em favor dos acusados. Contudo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fiux, ao atender recursos do MPRS, deferiu, também em dezembro de 2021, liminar sustando a possibilidade de soltura em caso de concesão de habeas corpus. 

Naquele mesmo mês, o ministro Dias Toffoli, do STF, negou novo habeas corpus para soltar os quatro réus condenados no julgamento. O magistrado considerou  que as penas impostas aos réus superaram o piso de 15 anos e confirmou a liminar do ministro Luiz Fux, que havia sustado a possibilidade de soltura em caso de concessão do habeas. 

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Anulação

Em 2 de agosto de 2022, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou o julgamento que condenou os 4 réus. Três desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJRS analisaram os recursos. Os advogados dos réus sustentaram que os condenados não tiveram um julgamento justo e que o júri teve falhas. Alegaram que os 4 jurados foram selecionados após o prazo legal.

Na sessão de julgamento exclusivo para analisar os recursos que questionam a sentença do Caso Kiss, por 2 votos a 1, a 1ª Câmara Criminal do TJRS decidiu pela anulação do júri que havia condenado os quatro réus, em 10/12/21. Os réus estavam presos desde dezembro de 2021.

De acordo com o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), além dos 4 denunciados por homicídio doloso (2 sócios da boate Kiss e 2 integrantes da banda), único crime cujos réus são julgados pelo Tribunal do Júri, foram denunciadas outras 19 pessoas, incluindo 10 bombeiros militares, 5 ex-sócios da boate, 2 funcionários deles e 2 sócias formais da casa noturna. 

"Elas (e os 2 sócios já mencionados) foram acusadas pelos crimes de falsidade ideológica, fraude processual, falso testemunho, negligência ou prevaricação; ainda foram denunciadas por falsidade ideológica outras 27 pessoas que assinaram documento dizendo morar a menos de 100 metros da boate, o que não era verdade e foi comprovado em investigação policial; quatro bombeiros foram responsabilizados por improbidade administrativa (3 deles também responderam por crimes militares e estão incluídos nas 19 pessoas já citadas); sendo assim, no caso da tragédia da boate Kiss respondem ou responderam judicialmente em processos movidos pelo Ministério Público gaúcho 51 pessoas; após a anulação do julgamento, o MPRS entrou com recursos para reverter essa decisão e aguarda apreciação", informou o MPRS.

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Defensoria 

A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE) informou nesta quinta-feira (26) que ajuizou uma ação civil pública buscando o ressarcimento por danos materiais aos sobreviventes e familiares e duas medidas cautelares, que tiveram como finalidade assegurar a reserva de patrimônio para garantir pagamentos de eventuais indenizações. 

"Na época do incêndio, a DPE também conseguiu a liberação judicial para que familiares interessados em cremar os corpos dos entes pudessem fazê-lo; a instituição também apoiou e auxiliou na criação da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e disponibilizou uma grande equipe para apoio, acolhimento e auxílio jurídico na época; Atualmente, já houve bastante bloqueio de bens, mas a maioria foi liberado para pagar dívidas trabalhistas, que são preferenciais, Uma das cautelares está em fase de instrução e perícia", repassou a DPE.

Agenda

Organizada pela Associação das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) em conjunto com o Coletivo Kiss: Que Não Se Repita e o Eixo Kiss do Coletivo de Psicanálise de Santa Maria, com apoio da Prefeitura de Santa Maria, uma programação marca os 10 anos do fato. Na noite de quarta, foi realizada uma Intervenção de Colagem de frases e fotografias compondo um caminho da Praça Saldanha Marinho até o prédio onde funcionava a Boate Kiss. Foi agendada para esta quinta, às 21 horas, entre outras atividades e eventos, a exibição do primeiro episódio do Documentário “Boate Kiss — A Tragédia de Santa Maria” (Globoplay), no Auditório do Colégio Marista Santa Maria, e painel com atividades simultâneas para aqueles que não quiserem assistir, na Praça Saldanha Marinho.

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Nesta sexta-feira (27), às 10 horas, sempre na Praça Saldanha Marinho, após a abertura às 10 horas, ocorrerá às 13h45 a soltura de balões. Às 14 horas, será a vez do evento "Mães y Madres: Kiss e Cromañón com Nilda Gomez (Familias Por La Vida – Argentina) e Mães da AVTSM", e, às 15h30, o tema "O Caso Kiss: até quando a justiça vai servir à impunidade?" reunirá Tâmara Soares (advogada que representa a AVTSM no litígio internacional), Paulo Carvalho (pai do Rafael e diretor jurídico da AVTSM) e Pedro Barcellos Júnior (advogado que representa a AVTSM no processo penal). 

Às 17 horas, o tema "Por que prevenção vale a pena?" será abordado por Antonio Berto (pesquisador chefe do Laboratório de Segurança ao fogo e a Explosões no Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT) e Rogério Lin (superintendente da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e membro da Associação Brasileira de Proteção Passiva Contra Incêndio – ABPP). Os jornalistas Daniela Arbex (autora do livro Todo Dia A Mesma Noite: A História Não Contada da Boate Kiss) e Marcelo Canellas (diretor da série Boate Kiss: A Tragédia de Santa Maria) irão abordar "– Por que contar essa história 10 anos depois?", às 20h30.

Às 20 horas de sábado (28), será celebrada missa em homenagem aos 242 jovens, na Basílica Nossa Senhora Medianeira.

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