Rússia x Ucrânia: violação de direitos humanos é o legado de 46 dias de guerra

Professor de relações internacionais destaca os principais pontos de um mês e meio de guerra e fala sobre as perspectivas do conflito

Natália Mello

Com centenas de mortos e mais de 4 milhões de refugiados, neste domingo (10), a Ucrânia completa 46 dias de invasão das tropas russas – a maior crise migratória no continente desde a Segunda Guerra Mundial. O número de vidas ceifadas pela guerra ainda é incerto, mas uma afirmação é assertiva sobre o futuro dos ucranianos: as consequências humanitárias do conflito devem se estender por um longo período. É o que afirma o professor e doutor em relações internacionais, Mário Tito Almeida.

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De acordo com o pesquisador, três pontos importantes devem ser destacados e colocados em perspectiva nesse cenário: 1- a guerra Rússia x Ucrânia incentivou um armamento mundial bem maior do que em outros conflitos, como na Síria, na Somália, no Iêmen, o que fez a indústria bélica a grande vencedora, “a guerra ou a preparação dela consomem esse bem chamado armas”; 2- em um âmbito geopolítico, observa-se a ascensão da China, fortalecida e consolidada como uma das principais economias do mundo, com pretensões de criar hegemonia no pacífico e ao redor do mundo, enquanto os Estados Unidos se desgasta, a partir da utilização das sanções econômicas e o fortalecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para garantir a hegemonia mundial; 3- a questão humanitária, que ele explica a seguir.

“De alguma forma, essa última deixou um rastro de deslocamento humano impressionante, vai deixar uma crise econômica nessas regiões, um aumento da fome. Esse é um dos cenários que infelizmente vai ficar. Mesmo que o conflito continue desse nível, de baixa intensidade, ou piore ou termine, vamos continuar tendo o deslocamento de refugiados de guerra, o fim das famílias, a derrocada da economia na Ucrânia, a violência contra a dignidade da pessoa humana. Esse legado muito ruim já aconteceu e vamos na verdade vivenciar as consequências disso economicamente falando. E a necessidade de reorganização política e de direitos também será uma consequência, em termos de fornecimento de bens e serviços”, explicou Mário.

O professor titular de direito internacional da Universidade Federal do Pará (UFPA) e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) no Rio de Janeiro, Adherbal Meira Mattos, lembra que esse conflito vem acontecendo desde 2014, quando ocorreu a reincorporação da Crimeia ao território russo. A região, antes república ucraniana, foi ocupada por tropas russas – nação com quem tem fortes laços históricos e culturais, dando início ao conflito geopolítico. A área é considerada estratégica militar e politicamente, e a crise aumentou a tensão no extremo Leste da Europa. Adherbal afirma que a invasão, classificada como “guerra de conquista”, é proibida pela Organização das Nações Unidas (ONU).

“O que aconteceu é que a Rússia não está satisfeita com a divisão da União Soviética e quer agrupar, Lituânia, Estônia, mas tudo mudou. E não haverá solução do conflito, porque os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA, China, Reino Unido e Rússia podem vetar um assunto a ser discutido, e como a Rússia faz parte do Conselho, ela vetou. Foi para Assembleia Geral, que reúne os 193 países, e lá não tem veto, mas não tem forma política militar, ela só recomenda que a guerra pare, mas não vai parar”, alerta.

Adherbal se apropria dos conhecimentos do direito internacional para apresentar duas saídas: a primeira seria a aplicação do artigo 51 da carta da ONU, que classifica como legítima defesa a nação que contra-atacar após ser fortemente atacada belicamente – neste caso, a Ucrânia, que integra a organização, poderia ser defendida por outros países sem possibilidade de veto, já que se trataria de legítima defesa individual ou coletiva. O risco é a guerra nuclear entre Rússia e Estados Unidos. A segunda possibilidade já está sendo praticada e abrange aplicar sanções econômicas ao país alvo da medida.

“As sanções estão funcionando, a Rússia necessita exportar gás, petróleo, e os países estão se recusando a comprar, querem enfraquecer a bolsa, os investimentos, as exportações russas. Essa opção ajuda, mas é lenta, enquanto isso, vai morrendo gente. O Putin achou que ia ser mais fácil, mas a estratégia dele não levou em conta as sanções, por isso a guerra está demorando mais. Agora o Tribunal Penal Internacional já foi procurado pelos países contra a Rússia, mas a justiça é lenta, e isso é crime de guerra. As Convenções de Genebra de 1949 sobre guerra e sociedade civil foram desrespeitadas. Acho que infelizmente será um processo lento e não tem previsão para acabar. Houve mediação do Papa, que é muito ouvido nessas horas, ele fez várias tentativas e não conseguiu nada”, finalizou o especialista.

SANÇÕES ECONÔMICAS

  • Bloqueio de bens das empresas russas no exterior e dos oligarcas – inclusive um bilionário russo que tem uma fábrica de fertilizantes no Pará foi atingido pela medida;
  • Exclusão de sete bancos russos do sistema de transações internacional Swift;
  • Diversas empresas multinacionais encerram suas atividades na Rússia
  • Impedimento de fazer negócios com os empresários russos, ou seja, bloqueia o comércio, depois bloqueia os bens e as operações de donos das empresas russas no exterior – empresas, bancos e oligarcas, três bloqueios fundamentais
  • A União europeia quer bloquear os novos investimentos da Rússia e, inclusive, começa a agir contra funcionários russos – diplomatas russos foram desligados de seus países de atuação, ou seja, a medida alcança agentes políticos

LINHA DO TEMPO DO CONFLITO RÚSSIA X UCRÂNIA

Outubro de 2021

  • Em outubro, a Rússia começou a concentrar tropas no Leste da Ucrânia com a justificativa de segurança, principalmente para impedir a entrada da Ucrânia na Organização do Atlântico Norte (Otan)

Dezembro de 2021

  • Putin apresenta à Otan uma lista de exigências de segurança, a principal era a garantia de que a Ucrânia nunca entrasse na Otan e que a aliança reduzisse sua presença militar na Europa Oriental e Central
  • Dias antes de iniciar a invasão, Vladimir Putin reconheceu a independência de duas áreas separatistas pró-Rússia da Ucrânia, as Repúblicas Populares de Donetsk e de Luhansk, localizadas na região de Donbas, a mais próxima da fronteira com a Rússia

24 a 28 de fevereiro de 2022

  • Rússia invade a Ucrânia, atingindo o norte de Kiev a partir de Belarus
  • Em apenas um dia cerca de 100 mil pessoas deixaram suas casas
  • Soldados russos atravessaram suas fronteiras nas regiões leste de Chernihiv, Kharkiv (a segunda maior cidade ucraniana) e Luhansk, e desembarcaram por mar nas cidades de Odessa e Mariupol, no sul
  • Usina nuclear de Chernobyl é tomada por militares russos. Horas após os ataques, milhares de moradores começaram a deixar a capital Kiev
  • Quarto dia de guerra entre Rússia e Ucrânia tem início com grandes explosões em Vasylkiv
  • Alarmes que anunciam ataques aéreos soam nas cidades de Lviv, Rivne, Khmelnytsky e Kamianets-Podilskyi
  • Também houve ataques a Sumy, Mykolaiv, Uman, Khmelnytsky e Zhytomyr
  • Ao menos 137 mortos e mais de 300 feridos em dois primeiros dias de conflito, segundo autoridades ucranianas

1º a 15 de março

  • Cidade de Mariupol é atacada fortemente pelas tropas russas, assim como Aporizhzhia, que também é sede de uma grande usina de energia nuclear
  • ONU aprova resolução que condena os atos de guerra por 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções
  • Corredores para evacuação de civis das cidades ucranianas começam a ser criados
  • Otan decide não intervir
  • Estados Unidos suspendem petróleo russo e Rússia acusa Estados Unidos de financiar armas biológicas na Ucrânia

15 a 31 de março

  • Rússia diz que a Ucrânia é neonazista e que comete genocídio com o próprio povo
  • Ucrânia rejeita a entrega da cidade de Mariupol
  • Massacre na cidade de Bucha deixa mais de 400 mortos; corpos de civis são encontrados espalhados em ruas e em valas
  • Rússia diz que decidiu reduzir drasticamente ataques às cidades de Kiev e Chernigov, no norte da Ucrânia, após cinco semanas de guerra e inúmeras baixas, sendo forçadas a retornar à Rússia e a Belarus para se reorganizar
  • Explosões em Slavutych e novos ataques à região de Luhansk
  • Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, diz que a ‘Rússia estrangula a democracia” com a invasão

1º a 8 de abril

  • Autoridades ucranianas pedem à população que deixe cidades no leste do país, atual foco da guerra promovida pela Rússia
  • 331º Regimento de Paraquedistas da Rússia tem baixas, com destaque para o comandante do regimento, coronel Sergei Sukharev morto em território ucraniano no dia 13 de março
  • Estação de trem lotada é bombardeada no leste da Ucrânia e pelo menos 50 pessoas são mortas
  • ONU afirma que ritmo de saída de refugiados está diminuindo, mas reforça que eles passaram por condições terríveis
  • Membros da ONU votam por suspensão da Rússia do conselho de direitos humanos

Líderes mundiais se posicionam sobre conflito

Brasil – No dia 16, em visita oficial a Moscou, o presidente Jair Bolsonaro esteve com Putin e, em sua fala ao lado do presidente russo, não mencionou a crise diplomática e causou incômodo diplomático ao Brasil

“Senhor presidente, compartilhamos de valores comuns, como a crença em Deus e a defesa da família. Também somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz”.

Estados Unidos – Joe Biden, em comunicado oficial da Casa Branca, disse que o presidente Putin escolheu uma guerra premeditada que vai causar uma perda catastrófica de vidas e sofrimento humano.

“A Rússia sozinha é responsável pelas mortes e pela destruição que este ataque vai causar, e os Estados Unidos e seus aliados vão responder de uma forma unida e decisiva. O mundo vai responsabilizar a Rússia”.

Reino UnidoO primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, se disse chocado com o ataque não provocado da Rússia. Afirmou que Putin escolheu o caminho “do derramamento de sangue e destruição” e que que seria um "erro" retornar às relações normais com a Rússia, mesmo que a invasão da Ucrânia cesse.

FrançaO presidente francês, Emmanuel Macron, disse, recentemente, que não gostaria de dar rótulos ao presidente Putin, e que o objetivo é “parar a guerra que a Rússia lançou na Ucrânia, evitando uma guerra e uma escalada”

ChinaO Ministério das Relações Exteriores da China disse que a Rússia é um país independente e pode tomar suas próprias decisões com base em seus próprios interesses.

O presidente Xi Jinping tem defendido o fim rápido da guerra, mas critica as sanções aplicadas contra a Rússia, e diz que os bloqueios econômicos podem levar a uma crise global

BelarusO presidente Alexander Lukashenko afirmou que poderia ceder tropas para a Rússia na invasão à Ucrânia. Ele disse ainda que Putin está "melhor do que nunca" e que presidente russo é uma pessoa "absolutamente sã e normal"

Venezuela – O presidente da VenezuelaNicolás Maduro, declarou apoio aos movimentos de Putin na Ucrânia, e afirmou que tem “certeza de que a Rússia sairá dessa batalha unida e vitoriosa”

União EuropeiaO mais alto diplomata da União Europeia, Josep Borrell, disse que a Europa vive “o momento mais sombrio desde o fim da segunda guerra mundial”. Chamou a atitude russa de “inaceitável e intolerável”

AlemanhaO chanceler Olaf Scholz qualificou a operação militar russa de uma “violação flagrante” do direito internacional, que provocou um “dia sombrio” em toda a Europa. “A Alemanha condena nos termos mais enérgicos possíveis este ato inescrupuloso do presidente Putin. Nossa solidariedade está com a Ucrânia e seu povo”

JapãoO primeiro-ministro Fumio Kishida disse que o Japão condena fortemente as ações unilaterais da Rússia. “A Rússia cometeu crimes graves contra a humanidade que são crimes de guerra. Vamos cooperar com a comunidade global e impor fortes sanções para interromper novas escaladas [de violência], alcançar um cessar-fogo e parar a invasão”

BélgicaO ministro da Imigração da Bélgica, Sammy Mahdi, disse, em comunicado, que quer a União Europeia pare de emitir vistos para todos os cidadãos russos, incluindo estudantes, trabalhadores e turistas. “No momento, os russos não são bem-vindos aqui”.

IsraelIsrael condenou as ações russas na Ucrânia e pediu às potências mundiais que resolvam a crise rapidamente. “O ataque da Rússia à Ucrânia é uma grave violação da ordem internacional. Israel condena o ataque”.

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