Projeto que prevê punir discriminação contra politicamente expostos beneficiaria 134,9 mil políticos
Especialista diz que medida no país poderia ser um risco a democracia; texto foi para o Senado e aguarda definição da tramitação
Com o retorno das atividades no Senado Federal marcado para o dia 1º de agosto, um dos assuntos que pode entrar no centro das análises trata do projeto que prevê punir discriminação contra pessoas politicamente expostas e quem responde a investigação preliminar ou termo circunstanciado, o Projeto de Lei (PL) 2720/23. Ao todo, o Portal da Transparência mostra 134.998 políticos em exercício no Brasil. Esses seriam beneficiados com a proposta, que foi votada às pressas na Câmara dos Deputados após aprovação do requerimento de urgência feito pela autora da medida, a deputada federal Dani Cunha (União/RJ).
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O PL foi baseado na Resolução 40 de 2021 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), trecho que trata sobre procedimentos bancários para pessoas politicamente expostas. A aprovação do texto pela Câmara foi em junho, quando a urgência da proposta começou a ser discutida às 19h37 e a aprovação aconteceu às 20h13. A medida, em si, foi aprovada às 21h37. Com a matéria indo para o Senado, ainda não há definição sobre a tramitação, ou seja, quais comissões deverão analisar a pauta e quando ela deverá ir a plenário para votação.
Breno Guimarães, advogado e cientista político, explica que foram utilizadas partes da redação original do Coaf para delimitar o PL, criando benefícios para um grupo específico de pessoas por meio de uma barreira jurídica: “Tentam criar tipos penais específicos para a injúria contra atos de pessoas politicamente expostas e seus familiares, a questão de contratação a empregos em empresas privadas e o objetivo principal que era da lei, que é a abertura de contas bancárias, tanto dessas pessoas politicamente expostas, quanto seus parentes e os seus terceiros”.
Abrangência do texto é ampliada ao ser enviado ao Senado
Entretanto, com a pressão pública exercida, o texto do relator, o deputado Claudio Cajado (PP/BA), teve uma diferença entre o que foi apresentado na Câmara e o que foi enviado ao Senado. “A diferença é que ele amplia a ementa, que seria o resumo da lei, porque acredito que a opinião pública exerceu uma pressão, até pela forma rápida com que foi aprovada, e eles ampliaram também a pessoas que estejam respondendo a investigação, termos circunstanciado a inquérito policial ou qualquer outro tipo de procedimento investigatório”, frisa Breno.
“O efeito principal é que passa a ter uma normatização, criando tipos penais, principalmente para pessoas politicamente expostas e seus familiares. Então, a gente acaba pegando o preceito que está na Constituição de que todos são iguais perante a lei e vendo que os parlamentares atuam com projetos de benefícios próprios. De certa forma, a gente não pode deixar de considerar que esse projeto de lei favorece uma classe, uma categoria de pessoas, mas depois em função da pressão da opinião pública, acabaram incluindo outras”, acrescenta o cientista político.
Uma das justificativas de Cajado para o PL seria a criação de igualdade entre políticos e cidadãos comuns. Assim, o especialista aponta que a inclusão de outros grupos no texto pode tornar ele mais amplo. “Já existe esse crime de injúria, calúnia e difamação no Código Penal. Todos são iguais perante a lei, mas eles transformaram isso em uma penalidade mais gravosa, para ficar de dois a quatro anos essa punição. De certa forma, indiretamente, a gente vê que a democracia pode estar sendo tolhida quando a pessoa, o cidadão comum, não puder criticar a conduta de pessoas ligadas a políticos”, afirma.
Impacto
Um levantamento realizado pelo Instituto Liberal mostra que cerca de 14 países possuem regimes em que a crítica a pessoas politicamente expostas é crime. Camboja, Coreia do Norte, Cuba, Congo, Gabão, Irã, Líbia, Nicarágua e Rússia fazem parte da lista. Na opinião do deputado federal Júnior Ferrari (PSD/PA), o PL 2720/23 gera grande impacto na transparência e no combate à corrupção no Brasil. Para ele, que deu parecer contrário na votação em plenário da Câmara, a expectativa é de que o projeto não avance no Senado. “O Brasil possui outras demandas urgentes e prioritárias que podem impactar positivamente na vida das pessoas sem ferir o princípio da igualdade”, alerta o parlamentar.
“A medida atua como uma forma de beneficiar as ditas pessoas politicamente expostas, dando privilégios que o cidadão comum, por exemplo, não possui. No texto aprovado, as instituições financeiras não poderão recusar a abertura de conta-corrente, concessão de crédito ou outro serviço para quem é politicamente exposto, estendido aos seus familiares na linha direta, válido, ainda, para quem for alvo de processo criminal em curso. Ou seja, estamos indo contra o princípio da igualdade, de que todos são iguais perante a lei, com o risco ainda de fragilizar a transparência e o combate à corrupção”, completa o deputado.
Países onde criticar políticos prevê punição (fonte: Instituto Liberal)
- Camboja;
- Correio do Norte;
- Cuba;
- Congo;
- Gabão;
- Irã;
- Líbia;
- Nicarágua;
- Ruanda;
- Rússia;
- Sudão;
- Síria;
- Uganda;
- Venezuela
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