Mães lutam para cuidar dos filhos e manter os estudos; vídeo
Em Belém, Cinthya Oliveira e Lua Lima compartilham suas rotinas e dificuldades para conseguir trabalhar, estudar e ainda cuidar de casa e filho
“A gente precisa sempre abdicar de alguma coisa para ser mãe”, diz Cinthya Oliveira, 37, consultora de vendas e estudante de Educação Física. Quando descobriu que estava grávida do único filho, o Isaac, que hoje tem 3 anos, ela trancou a faculdade. Atualmente, Cinthya sonha em terminar a graduação para começar a trabalhar com o que gosta.
De segunda à sexta, ela sai de casa antes das 7h para trabalhar. Do trabalho, ela vai para faculdade e só retorna ao lar por volta das 22h, na Terra Firme. Ela voltou a estudar quando sentiu segurança para deixar a criança com a avó ou o avô. Entretanto, a luta para conciliar os estudos e a maternidade continuam.
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Isso porque o marido, John Santos, 41, trabalha como agente de portaria das 19h às 7h da manhã, em dias alternados. Portanto, ele precisa sair quando Cinthya ainda está longe de chegar. E sobra para a avó, que nem sempre está disponível para ficar com a criança.
“Minha mãe já tem 73 anos. Ela cansa demais cuidando do neto e muitas vezes não dá conta, pois o Isaac é uma criança muito esperta, ele não pára. Então, quando ela não pode ficar com ele, eu falto aula, não tem outro jeito”, relata Cinthya.
Ela conta que parar de estudar no início era necessário, mas agora, quer fazer de tudo para continuar. “Para mim, foi importante fazer parte do crescimento inicial do meu filho e manter a amamentação até ele querer parar, que foi a recomendação médica que recebi. Hoje, com ele indo à escola, já me sinto em paz em deixá-lo com outra pessoa se for preciso para estudar”, pontua.
Essa é praticamente a mesma situação da jovem Lua Lima, 22, do bairro do Marco. Ela está se formando no curso de pedagogia após passar muito perrengue para ser mãe, esposa e estudante ao mesmo tempo.
“Agora que não tenho mais aulas para assistir, não tenho dificuldades. Mas quando precisava ir à faculdade, era um sufoco. Eu e meu marido fazíamos malabarismos com nossos estudos, escolhendo disciplinas que tornassem possível a ida para a aula em dias alternados, para que quando um tivesse na faculdade, o outro tivesse em casa cuidando do bebê”, conta Lua.
O esposo dela, Arthur Leite, 22, trabalha durante o dia e estuda à noite. O bebê do casal se chama Joaquim e tem apenas 2 anos. Para dar prioridade ao filho, a mãe chegou a faltar tanto que acabou reprovando em uma matéria do curso.
“Antes eu estudava pela manhã, mas Joaquim precisa fazer fonoterapia semanalmente para o desenvolvimento de sua fala, pois ele ainda não fala. Então, obviamente faltava às aulas para levar meu filho ao tratamento. Por conta disso, transferi meu curso para a noite, para tentar dar conta de tudo”, relembra.
Apesar do perrengue com a graduação já ter passado, Lua teme não conseguir dar continuidade nos estudos. Ela tem o objetivo de sair da graduação direto para uma pós, mas para isso, precisa de um plano B para ter onde e com quem deixar Joaquim.
A importância dos estudos
Mesmo com as dificuldades, ambas não pensam em abandonar os estudos. Para Cinthya, é mais que uma realização pessoal, é para dar exemplo ao filho.
“Ser profissional de educação física sempre foi um sonho meu. Já era para eu estar formada, mas engravidei e dei uma pausa no sonho. Mas agora, vou até o final. Preciso ter um emprego melhor para dar um futuro melhor para ele e ser exemplo nos estudos. Se ele não ver o espelho em mim, ele vai ver em quem?”, declara.
“Eu quero levar saúde e bem-estar para as pessoas, ter uma profissão que eu realmente gosto. Penso em dar aula e também ser personal trainer, mas quem sabe até fazer um concurso público para ter estabilidade financeira. Meus pais me ensinaram desde sempre que eu precisava estudar, ser independente e buscar uma melhora de vida e é isso que quero ensinar para o Isaac”, finaliza Cinthya.
Lua também quer dar bom exemplo, mas além disso, quer trilhar um caminho de sucesso profissional. “Eu quero muito continuar estudando, pois nunca consegui trabalhar e nem posso, pois tenho que levar o Joaquim para as terapias durante o dia. Então, como não posso trabalhar, eu quero estudar. Vejo que é a única coisa que eu conseguiria fazer sem atrapalhar o desenvolvimento dele”, pontua.
“Se eu não estudar, quando chegar a hora de trabalhar, como vou concorrer com candidatos que têm experiência no mercado ou cursos de pós, mestrado? Por isso que não posso abrir mão dos meus estudos. Com eles, eu posso chegar no mercado mais preparada e ter chances de ser uma boa mãe e profissional”, finaliza Lua.
Creches noturnas
A deputada estadual Lívia Duarte (PSOL) protocolou na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) o Projeto de Lei 10/2023 que autoriza o funcionamento em horário noturno das creches, pré-escolas e outras instituições de educação infantil conveniadas ao sistema estadual de ensino do Estado. Para ela, o PL atenderia exatamente essas mães que precisam estudar no período noturno.
"O projeto nasce do anseio popular, de quase uma centena de reuniões que nós fizemos com trabalhadoras, sobretudo autônomas e mães solo, que vislumbram estudar durante à noite, mas não têm com quem deixar os filhos em segurança", explica a deputada.
Para Lívia, a criação de creches noturnas não é uma opção e sim, uma necessidade. “Vivemos numa sociedade patriarcal que cabe apenas às mulheres o cuidado materno. No Pará, temos tantas mães solteiras, e muitas delas trabalham durante o dia inteiro. E nós queremos dizer para elas que a mulher não precisa escolher entre ascender socialmente com os estudos ou cuidar dos filhos. Com a creche funcionando à noite, ela não vai mais precisar deixar o mais novo com o mais velho, com o vizinho ou parentes, mas sim, com o Estado que vai assumir o direito do estudo dessa mãe”, defende a parlamentar.
Lívia esclarece que o uso da expressão "creche" não tem aplicação literal, não sendo necessário criar um projeto pedagógico noturno, mas, sim, que sejam criados espaços de assistência a mães e pais que trabalham ou estudam à noite, e seus filhos. Não seria um período de ensino, mas sim um momento para dar assistência social para mulheres e crianças”.
A proposição foi protocolada na Alepa no dia 7 de fevereiro e no dia 28 foi encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ainda deve ser analisada.
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