Dia da Consciência Negra: data para refletir e questionar o racismo estrutural

Para especialistas, a maior conscientização que pode ocorrer é a sociedade entender que racismo é crime e que ele acontece todos os dias

Elisa Vaz
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A luta pela igualdade racial vem sendo travada há muitos séculos, e se intensificou nas últimas décadas. Mesmo assim, quem é engajado nos movimentos sociais enfatiza que brancos e negros não ocupam a mesma posição na sociedade e que as diferenças de classe também são marcadas pela cor da pele. A ascensão social, portanto, é um caminho muito mais longo para as pessoas negras.

Data escolhida para marcar o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro sempre traz muitas reflexões a quem se preocupa com a luta racial. Para o escritor, educador social e empreendedor Preto Michel, a maior conscientização que pode ocorrer é a sociedade entender que racismo é crime e que ele acontece todos os dias. “O significado da data é importante para que as pessoas falem sobre isso e para ressignificar nossas vidas. As pessoas têm que entender a importância de ser negro nesse país. Temos que discutir, celebrar, refletir e questionar o racismo que ainda existe no Brasil”, declara.

O estudioso explica que a data foi escolhida em celebração a Zumbi dos Palmares, que faleceu em 20 de novembro de 1695 e foi um dos maiores líderes negros do país, tendo lutado pela libertação do povo contra o sistema escravista. “Ele foi um líder negro que lutou contra uma opressão em um período muito ruim. Durante muitos anos, ele foi esquecido, não se via a história dele. Ao pegar essa data, além de celebrar a sua vida, também colocamos em destaque vários heróis negros e negras, que foram invisibilizados em um processo de esquecimento feito de propósito pela sociedade racista, que sempre quis fazer com que eles sumissem, para que o povo não tivesse uma referência dos nossos heróis negros e negras”.

Racismo estrutural

No entanto, Preto Michel afirma que não é porque a pauta está em destaque que a sociedade tem se conscientizado mais. Ele acredita que as pessoas só se mobilizem quando algum caso é repercutido pela mídia, mas diz que o racismo ocorre todos os dias, especialmente nas periferias. Um relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança reuniu dados que demonstram como a população negra é a principal vítima da violência no país – os pretos e pardos são 75% dos mortos pela polícia. E entre as vítimas de feminicídio, 61% são mulheres negras. Enquanto a taxa geral de homicídios no Brasil é de 28 pessoas a cada 100 mil habitantes, entre os homens negros de 19 a 24 anos esse número sobe para mais de 200.

O racismo estrutural é muito presente na sociedade, segundo o escritor. Além dos casos de violência, que já se tornaram corriqueiros, há outras situações do dia a dia que demonstram a desigualdade racial no Brasil. “Quando a pessoa sai do elevador porque você entrou, quando você chega em uma empresa com 30 funcionários brancos e só um negro, em trabalhos subalternos, isso é racismo estrutural. Em casos como do George Floyd, nos Estados Unidos, há uma repercussão mundial. As pessoas compartilharam, se mobilizam, mas isso sempre existiu para nós, sofremos todo dia”, conta.

Dentro dos grupos antirracistas, por exemplo, Michel diz que a conscientização é diária, e que os integrantes se propõem a lutar contra o racismo independente da semana e do mês. Os avanços, a partir desta batalha, têm sido notáveis. Para ele, o sistema de cotas é um dos mais importantes, por ter garantido às pessoas negras o direito de ter acesso a um sistema educacional de qualidade, nas universidades, já que, nas periferias, as dificuldades são maiores.

“Temos educação precária, o governo não garante qualidade no ensino público e acabamos trabalhando mais cedo. Já o branco tem todo um aparato para estudar e se preparar da melhor forma possível para o vestibular. Não à toa há mais brancos que negros cursando o ensino superior. O negro e o branco estão em um patamar desigual”, pontua. O escritor ainda diz que esse sistema é importante além das universidades: nos espaços culturais e artísticos e no mercado de trabalho. “Quando se pensou nas cotas, o objetivo era o negro ter mais acesso, é reparação. Há um processo racista e excludente, e por meio das cotas conseguimos um pouco de igualdade”.

Outro avanço alcançado nas últimas décadas, segundo Preto Michel, foi a valorização das pessoas negras com sua identidade. Ele conta que o movimento negro lutou durante muito tempo para que as pessoas se percebessem enquanto pretos e pretas, e diz que a questão da autoidentidade e autovalorização enquanto negros é muito importante. “Muita gente hoje tem estética negra e segue pautas negras, se declarando como pretos. Com essa identificação você percebe que o racismo é latente e cotidiano, e a partir disso cria uma bandeira de luta. Foi para isso que a gente lutou há 25 anos”, diz.

Quanto ao futuro, o maior desafio, na avaliação do estudioso, é que a Justiça brasileira olhe com seriedade para o racismo. Segundo Michel, é muito comum que pessoas acusadas ou denunciadas pelo crime, assim como empresas, não sofram consequências da Justiça, muito embora o racismo seja um crime inafiançável. Além disso, ele espera que a sociedade perceba que trata pessoas negras com indiferença, e que haja mais diálogo. “Não somos inimigos, só queremos dignidade. Os brancos precisam perceber que o racismo só vai acabar quando eles nos respeitarem. Não é vitimismo, porque sofremos preconceito diariamente. Só queremos igualdade”, declara.

Legislação ainda é falha

Pela Constituição Brasileira, racismo é quando ocorre a discriminação da integralidade de uma raça, ou seja, quando há ato discriminatório a um grupo racial de forma geral. Dentro dos crimes raciais, há também a injúria racial, que no Brasil é tipificada no artigo 140 do Código Penal – quando há ofensas voltadas a pessoas racializadas, em que se desqualifica o fenótipo, religiosidade ou algo que esteja ligado à sua etnia e raça. Neste caso, são muito comuns apelidos e designações, considerados injúrias raciais. O crime de racismo tem pena entre um e cinco anos, podendo haver multa, e sem possibilidade de pagar fiança ou responder em liberdade.

Segundo a advogada Darlah Farias, ativista do movimento negro e integrante da Comissão da Mulher e Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção Pará (OAB-PA), a criminalização do racismo é importante, mas não é a ferramenta mais importante nessa luta – até porque não há um histórico de pessoas que tenham sido presas pelo crime, apesar de ocorrer diariamente.

"Não é isso que vai erradicar o racismo no Brasil. Ainda precisamos avançar no sentido de como fazer a aplicabilidade do racismo no país, pouco se aplica a legislação. Isso é resultado de que as pessoas não são incentivadas a denunciar, além de que, quando acontece, o processo judicial não dá em nada. Nossa sociedade é racista, então vamos ter juristas, policiais, delegados, deputados e presidente racistas – consequentemente, a legislação é racista. É uma problemática muito grande, e temos que compreender que somente a legislação não é satisfatória quando falamos em erradicação do racismo. A análise deve ser no pré-crime, na prevenção", enfatiza.

Outro problema, segundo a advogada Darlah Farias, é o encarceramento em massa, questão jurídica que, para ela, resulta de uma "legislação falha, que consegue, de forma estratégica, colocar quem quer na cadeia". "Há uma interpretação livre, isso permite que as discriminações sociais se reproduzam quando vamos interpretar a lei. A política de drogas também é um problema porque são enquadrados o homem negro e a mulher negra pela criminalização de sua raça", diz. De acordo com a ativista, essa problemática começa desde a construção judicial, passando por todo o sistema de Justiça.

Por outro lado, ela também considera a política de cotas um avanço na legislação, que reconhece a desigualdade na sociedade brasileira que recai com "grande potência" sobre a população negra. Para Darlah, no Brasil, a raça indica a classe e a classe indica a raça de uma pessoa. Um exemplo disso é que grande parte das pessoas negras vive em situação de pobreza e vulnerabilidade social.

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