Consulta sobre Ferrogrão deve seguir protocolos indígenas, determina Justiça

Decisão acolhe pedido do MPF que acusa o Governo Federal de não consultar comunidades afetadas

Daleth Oliveira
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A Justiça Federal determinou que os responsáveis pela proposta de construção da ferrovia Ferrogrão, entre os municípios Sinop (MT) e Itaituba (PA), realizem consultas públicas seguindo os protocolos editados pelas comunidades indígenas afetadas pelo projeto, em especial as da etnia Munduruku do alto, médio e baixo Tapajós. A decisão do dia 17 de agosto é uma resposta às denúncias do Ministério Público Federal (MPF).

O MPF relatou à Justiça uma série de violações ao direito dos indígenas à consulta e consentimento livre, prévio e informado, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para o juiz federal Marcelo Garcia Vieira, da Subseção de Itaituba, no oeste paraense, “a realização das consultas às comunidades afetadas pela obra é uma condição prévia e obrigatória para o prosseguimento das discussões sobre a viabilidade socioambiental do empreendimento”.

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As rés são a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a União – por meio da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (SE-SPPI) –  e o consórcio de empresas Estação de Luz Participações. Questionada sobre o processo, a Funai informou que não comenta decisões judiciais. Já a ANTT, disse que foi notificada sobre o assunto e se manifestará perante a Justiça. “Vale lembrar também que o processo de concessão da Ferrogrão encontra-se suspenso por força de decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz a nota.

Até a publicação desta reportagem, a Estação de Luz Participações não se manifestou ao Grupo Liberal.

O descumprimento da decisão acarretará o pagamento pelos réus de multa de R$ 20 mil ao dia.

Violações

Ao avaliar as acusações, o juiz federal considerou a ocorrência de quatro violações específicas. A primeira, a inexistência de consulta às comunidades que a ANTT confessou que serão impactadas. “De acordo com o MPF, a Ferrogrão impacta as comunidades indígenas, o que foi expressamente confessado pela ANTT ao aplicar a Portaria Interministerial nº 060/2015, que sofreriam impactos somente as terras indígenas que se localizam em um raio de até 10 km do eixo da ferrovia e no caso da Ferrogrão, as Terras Indígenas Praia do Mangue e a reserva da Praia do Índio, ambas da etnia Munduruku são abrangidas por esse raio de 10 km, uma vez que estão distantes, respectivamente, 4 km e 7 km de onde passará a ferrovia”, diz na decisão.

Outra violação identificada pelo MPF e acatada pela Justiça seria o fato de o Governo Federal ter considerado liderança indígena uma pessoa que confessadamente não tinha autoridade ou representatividade para responder em nome dos indígenas. Além disso, os órgãos envolvidos teriam realizado, no dia 12 de março de 2020, uma reunião sem qualquer consideração da cultura indígena, em local fora dos territórios indígenas e sem a mediação de tradutores culturais.

Por último, a Justiça considerou ainda que o cumprimento da Convenção 169 teria ocorrido de acordo com a interpretação autônoma da União, em contrariedade à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Segundo a decisão, os documentos apresentados pela União e pela ANTT no processo “indicam apenas protocolos de intenções e contorcionismos narrativos para tentar iludir os incautos da total e completa violação da Convenção OIT nº 169, como se o projeto de traçado da Ferrogrão não devesse ser submetido a consulta e consentimento dos povos indígenas afetados ou somente devesse ser realizado posteriormente aos efeitos decisórios de  soberania nacional ou interesse econômicos, em tudo violador da referida convenção internacional”.

Juiz cita visão etnocêntrica

Uma das claras violações dos direitos indígenas presente nos documentos apresentados pela União, ANTT e Funai está na adoção da cosmovisão majoritária e etnocêntrica de desenvolvimento econômico, diz o juiz federal. Segundo ele, isso está “claramente presente também nas narrativas das defesas, de que a Ferrogrão teria pequeno impacto apenas nas reservas da praia do Índio, em razão do final do seu trecho estar menos de 10 km de seu local, conforme instrução normativa Funai nº 2 de 2015, quando ao revés traria grande benefício econômico regional e nacional”.

Para a Justiça, a garantia de espaços de liberdade e igualdade está acima de supostos benefícios nacionais e suposto pequeno prejuízo a uma minoria, mesmo que estes garantam mais utilidade a todos. Por isso, por meio da consulta e consentimentos livre, prévio e informado, os responsáveis pela ferrovia devem “recolocar os interesses minoritários dos grupos indígenas afetados em posição de igualdade aos interesses nacionais e econômicos regionais, para que possam resolver e compor sobre os impactos verificados, imputando e internalizando as externalidades como consequências a serem suportadas pelo Estado, pela comunidade nacional e pelos empreendedores e não exclusivamente pela minoria afetada”.

Importância da consulta

Em relação a alegações das rés de que a Justiça não poderia ter acolhido os pedidos urgentes do MPF, o juiz federal frisou que é justamente desde a fase de concepção de projeto e nos estudos de viabilidade que devem ser cumpridos os direitos fundamentais indígenas.

A Justiça Federal explica que “o cumprimento das obrigações primárias derivadas da Convenção 169 da OIT no início do procedimento evita maiores danos aos cofres públicos, em caso de espera da instrução processual, tendo em vista que as obras e a fase da implantação já estarão muito mais adiantadas e o retrocesso ou paralisação tardia seriam muito mais custosos para o erário”.

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