CNJ aposenta juiz federal que gravou vídeo questionando urnas eletrônicas
Conselho diz que Eduardo Cubas teve ‘condutas gravíssimas’, ele estava ao lado de Eduardo Bolsonaro na gravação do vídeo
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aposentou compulsoriamente o juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A decisão reabre uma discussão que pode dar fim a uma antiga estratégia de caráter político-eleitoral adotada por magistrados, procuradores e outros servidores públicos que ocupam carreiras estratégicas com poderes especiais.
É que após defender o alijamento de Eduardo Cubas das atividades na magistratura, acusado de “condutas gravíssimas”, o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, indicou que levará “em breve” ao Plenário do Conselho propostas com relação ao tema sobre a chamada “quarentena” para magistrados.
A quarentena é o “isolamento” político imposto ao servidor público por um determinado período para evitar que ele seja favorecido nas urnas caso se candidate a algum cargo eletivo após deixar a função ou mesmo enquanto permanece em atividade.
Eduardo Luiz Rocha Cubas foi punido por conduta político-partidária e “tentativa de intromissão” nas eleições 2018. Ele gravou um vídeo em frente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um mês antes do pleito, ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), questionando o sistema eletrônico de votação. Além disso, pretendia determinar que o Exército recolhesse as urnas usadas no primeiro turno daquelas eleições.
Ficha suja
A decisão do CNJ foi tomada na terça-feira (25) durante a 6ª Sessão Ordinária do CNJ em 2023. A pena imposta ao magistrado é a mais dura prevista na Lei Orgânica da Magistratura. O magistrado seguirá recebendo seus proventos, proporcionais ao tempo de serviço, mas pela lei da ficha limpa, está inelegível por oito anos.
Corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão afirmou que os fatos envolvendo Cubas “gritam” e são “estarrecedores”, “extrapolando em todos os quesitos a violação dos deveres funcionais”.
“É evidente o intuito político do magistrado”, assim como é “evidente que deveria ter uma possibilidade de isso ficar vedado”, afirmou. Para ele, a quarentena inibiria casos de uso da jurisdição para a prática de atos políticos.
“Essa possibilidade do juiz se aposentar, pendurar a toga em um dia e ir, no dia seguinte, para a política disputar a eleição, é que vem gerando algumas dessas distorções que nós acompanhamos estarrecidos. Venho sustentando sobre a necessidade (da quarentena) e talvez o Conselho Nacional de Justiça possa se debruçar sobre algumas regras independentemente do critério legal para a quarentena”, apelou.
Para o conselheiro Vieira de Mello Filho, a quarentena deveria ser de pelo menos cinco anos, para “que magistrados não usem suas togas para fins pessoais, políticos e para descumprir o comando maior da Constituição”. Vieira de Mello Filho destacou que o caso de Cubas “não atinge meros desvios de conduta”, mas “ataca o cerne da Constituição”.
O conselheiro viu na conduta do juiz “desprezo pelas instituições republicanas e ao Judiciário”, ressaltando que o “vilipêndio praticado nas entranhas do Poder tem objetivo de fragilizar instituições em nome de fantasias pessoais, compartilhadas em forma de fake news pelos agressores da democracia” – postura não compatível com a magistratura.
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber destacou o ineditismo do caso, destacando que “sem um Poder Judiciário independente, não há democracia”.
“Sempre penso sobre o que leva uma pessoa a fazer concurso para juiz. Com enorme tristeza acompanho a integra do voto e todas as considerações. E esse tipo de conduta incompatível só pode ensejar que endossemos essa perda de cargo”, disse Weber.
Ela comentou sobre a proposta de Salomão: “(é) hora do CNJ se debruçar sobre o tema”. “Havendo absoluta clareza de todos com relação aos encaminhamentos, parece que as soluções ficam mais fáceis”, indicou.
O caso
O juiz federal, Eduardo Luiz Rocha Cubas, foi investigado por causa do vídeo publicado às vésperas das eleições 2018 – ao lado de Eduardo Bolsonaro e em sintonia com as alegações sem provas do ex-presidente Jair Bolsonaro -, que pedia uma “perícia” das urnas eletrônicas.
A ação do magistrado no caso levou a seu afastamento, pelo CNJ, após a Advocacia-Geral da União (AGU) denunciar que o juiz pretendia conceder uma liminar para o Exército recolher as urnas em seções eleitorais do país para a realização de testes de segurança.
Para o CNJ. houve “interesse pessoal” na condução do processo com a produção de uma “decisão teratológica”. A avaliação do relator do processo, o conselheiro Mauro Martins, é a de que a conduta de Eduardo Luiz Rocha Cubas “contribuiu para que parcela considerável da sociedade passasse a desconfiar das urnas eletrônicas”.
O conselheiro anotou ainda que, nas eleições 2022, a “mesma parcela da sociedade” praticou atos que resultaram nos atos golpistas de 8 de janeiro, quando radicais deixaram um rastro de destruição na Praça dos Três Poderes.
“Ele não pode se manifestar sobre política partidária. A magistratura ou o papel dele como líder de uma associação não dá a ele o direito de se manifestar sobre todo e qualquer assunto, sobretudo sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, um tema que à época gerava intensos debates. Colocou em risco as instituições democráticas, aí incluídas a Justiça eleitoral e a normalidade das eleições”, ponderou o conselheiro em seu voto.
Saiba como votaram os conselheiros do CNJ
Os conselheiro do Conselho Nacional de Justiça acompanharam integralmente o voto do relator, pela aplicação de pena de aposentadoria compulsória no caso. A conselheira Salise Sanchotene destacou que a atuação político partidária do juiz é “inequívoca”, consistindo em “ativismo da forma mais pejorativa”.
A conselheira Jane Granzoto Torres da Silva destacou como a conduta de Cubas não se coaduna com a postura de um magistrado, frisando que “não há como ele permanecer na magistratura”, considerando as “condutas gravíssimas”.
O conselheiro Richard Pae Kim disse que o caso é um “manual do que o juiz não deve fazer na sua carreira”.
Pedido de vagas no STF
Dois anos após os episódios que suscitaram sua aposentadoria, Cubas chegou a oficiar o então presidente Jair Bolsonaro (PL) pedindo “convite público” de interessados à vaga no STF aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello – vaga hoje ocupada pelo ministro Kassio Nunes Marques.
Á época, o magistrado se colocou como primeiro interessado e candidato à vaga no STF, afirmando que “curiosamente” que estudou na mesma escola que Bolsonaro.
Sobre o caso, o juiz Eduardo Cubas disse o seguinte: “ser elegante e não comentar o incomentável é apenas lembrar o ensinamento de Matheus (7:6). Não devemos jogar as pérolas.”.
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