Uso consciente das telas pode beneficiar o desenvolvimento infantil; especialista orienta
No Brasil, cerca de 25 milhões de jovens, entre 9 a 17 anos, são usuárias de internet. Neuropsicólogo fala sobre a importância do equilíbrio e participação ativa dos pais
Em um mundo cada vez mais digital, ficar sem telas nem sempre é possível. No entanto, o uso desses dispositivos pode ser feito de forma mais segura e inteligente, contribuindo positivamente para o desenvolvimento das crianças. Estudos apontam que, com a mediação adequada, a tecnologia pode enriquecer o processo formativo, fortalecer vínculos afetivos e estimular a curiosidade e a pesquisa entre os pequenos.
O governo federal lançou, no dia 11 de março, a publicação "Crianças, Adolescentes e Telas: Guia sobre Uso de Dispositivos Digitais", com o objetivo de criar um ambiente digital mais seguro e equilibrado. O material reúne recomendações para pais, responsáveis e educadores sobre como evitar o uso excessivo das telas e incentivar práticas saudáveis no ambiente digital.
O neuropsicólogo Francisco Guedes, do Centro Integrado Neuroevolução, explica que, quando bem administrada, a tecnologia pode ser um recurso educativo valioso. "O segredo está na qualidade do conteúdo e no papel ativo dos pais na mediação. É importante escolher conteúdos educativos, participar ativamente com a criança e usar a tecnologia como ferramenta complementar, associando o digital a experiências do mundo físico", afirma o especialista.
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De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, 93% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet no Brasil, o que representa cerca de 25 milhões de pessoas. O levantamento também revela que 23% desse público acessou a internet pela primeira vez até os 6 anos de idade, um aumento significativo em relação a 2015, quando esse percentual era de 11%.
Tempo de tela ativo e passivo
Um ponto relevante para avaliar os impactos das telas na vida das crianças é compreender a diferença entre tempo de tela ativo e passivo. De acordo com um estudo publicado no Australasian Journal of Early Childhood, o tempo de tela ativo – que envolve atividades cognitivamente ou fisicamente estimulantes, como jogos interativos e atividades educativas – pode trazer benefícios como melhora na atenção, no desempenho acadêmico, na resolução de problemas e na socialização.
Em contrapartida, o tempo de tela passivo, que inclui o consumo sedentário de conteúdo como assistir TV ou rolar redes sociais, pode ser prejudicial quando em excesso. Francisco Guedes destaca que "o tempo de tela não interfere no sono, na alimentação e nas interações sociais quando utilizado de forma ativa, e não apenas passiva".
Segundo o especialista, se o uso das telas começar a impactar negativamente a vida familiar ou o comportamento da criança, é importante procurar ajuda profissional. “Nesses casos, buscar o apoio de especialistas adequados é fundamental. Neuropsicólogos podem contribuir com uma avaliação detalhada, psicólogos auxiliam no desenvolvimento emocional e comportamental, enquanto psicopedagogos trabalham no aprimoramento das habilidades de aprendizagem”, afirma o especialista.
Participação ativa dos pais
Para o especialista, é essencial estabelecer limites de tempo e conteúdo para o uso das telas sem que isso gere conflitos. "Isso exige consistência e envolvimento. Os pais podem criar regras, como estabelecer horários fixos para o uso de telas, como 'após a lição de casa' ou 'apenas nos fins de semana'. Isso ajuda na aceitação", explica Francisco.
Outra estratégia eficaz é a substituição: em vez de simplesmente proibir, oferecer alternativas interessantes, como jogos físicos, leitura ou passeios. O neuropsicólogo também destaca a importância de os pais darem o exemplo. "Crianças aprendem por modelagem. Se os pais também fazem um uso equilibrado das telas, a adesão às regras será mais fácil", conclui.
As diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendam:
- 0 até 2 anos de idade: evitar a exposição às telas, mesmo que passivamente;
- 2 a 5 anos: até uma hora por dia;
- 6 a 10 anos: até duas horas por dia;
- 11 a 18 anos: até três horas por dia;
Equilíbrio é a chave
Ana Claudia Lima, mãe de Gustavo, de 13 anos, e Linda, de 6, compartilha sua experiência sobre como equilibrar o uso das telas na rotina familiar. "Ambos utilizam aparelhos eletrônicos, claro, faz parte da geração deles. O Gustavo usa mais o celular e o tablet para estudar e se divertir, e a Linda gosta bastante de vídeos e joguinhos infantis", conta. Apesar da diferença de idade entre os filhos, a mãe adota um cuidado igual para ambos, com regras bem definidas e horários delimitados para o uso dos dispositivos.
"Nas refeições, por exemplo, é terminantemente proibido o uso de qualquer aparelho eletrônico. É o momento da conexão real, olho no olho", explica.
Para garantir o controle e segurança, Ana Claudia utiliza ferramentas como o controle parental nos dispositivos e compartilha as contas de seus filhos. "As contas são todas compartilhadas comigo, o que bagunça completamente o meu algoritmo, mas é um preço que pago sorrindo", brinca a mãe.
Além disso, ela faz questão de equilibrar o tempo de tela com atividades fora do ambiente digital. "Aqui em casa mantemos uma rotina constante de atividades fora das telas: brincadeiras ao ar livre, passeios, uso da área condominial, e muitos jogos de cartas e tabuleiros. Já virou tradição: todas as noites jogamos cartas juntos. É um momento nosso, de conexão, risadas e presença", compartilha.
Para ela, o uso consciente das telas pode, sim, ser benéfico, desde que haja um equilíbrio com outras formas de interação e aprendizagem. "Acredito que o segredo [de aproveitar o melhor das tecnologias] está no equilíbrio e, principalmente, na presença dos pais. Mais do que proibir, é estar junto, orientar, acompanhar e, claro, viver bons momentos fora das telas", conclui.
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