Lideranças femininas falam do papel da mulher em comunidades indígenas e quilombolas

Nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, líderes femininas que lutam contra a invisibilidade celebram as conquistas e os desafios na busca pela garantia de direitos e reconhecimento

Gabriel Pires

A luta pela equidade feminina na sociedade é sinônimo de desafio constante e transforma-se em uma lida dobrada quando trata-se de mulheres indígenas e quilombolas. Se de um lado essas personalidades femininas carregam a herança cultural deixada pelos ancestrais que formam a identidade delas, por outro, ainda precisam enfrentar a desigualdade, o preconceito e, até mesmo, o racismo. Nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, lideranças indígenas e quilombolas, que lutam contra a invisibilidade celebram as conquistas e os desafios na busca pela garantia de direitos, além de reconhecimento dentro e fora das comunidades.

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A herança do sangue do povo Kamukata Tupinambá, que corre nas veias da jornalista e ativista Nice Gonçalves, de 33 anos, nascida em Cametá, no nordeste paraense, é o reflexo de que a mobilização social, a resistência e a luta de uma mulher indigena são transformadores para a garantia de direitos. Para além disso, essa trajetória marcada pelo ativismo trouxe representatividade e visibilidade. Hoje, “Nice Tupinambá”  — nome assumido há 4 anos — atua no “Instituto Socioambiental Nossa Voz”, onde desenvolve projetos voltados a Amazônia. Em 2022, ela foi candidata a deputada federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Foi a primeira candidatura de uma mulher indígena do Pará à Câmara dos Deputados.

“A Nice, mulher indígena, é um fortalecimento diário. Me descobri indígena ao vir morar em Belém. Passei pelo racismo e pelo apontamento devido aos estereótipos que carrego no meu corpo. Nice Tupinambá nasceu na beira do rio; cresceu sendo impactada pela barragem de Tucuruí, no rio Tocantins, e pela miséria, pela violência e pela invasão do território de minha família. A Nice que hoje sou é o resultado de muitas ‘invasões’, mas também da ancestralidade, identidade e resistência”, afirmou a ativista.

image Nice Tupinambá, de 33 anos, nascida em Cametá, no nordeste paraense, é jornalista e ativista social em defesa dos povos indígenas e da causa ambiental. (Igor Mota / O Liberal)

“A natureza é mulher”, enfatiza liderança feminina indígena

Nice lembra que as culturas tradicionais são abertas a respeito do papel das mulheres nas aldeias. “As culturas originárias são matriarcais. A língua é matriarca, a natureza é mulher. A mulher indígena é muito comparada à natureza, porque é geradora da vida. Só que, quando entra o pensamento colonizador [nas aldeias], e chega o machismo, muitas mulheres no território vão sofrer violência, sofrer controle do marido, porque têm medo que elas saiam, que ela vá pra política, que ela vá pra fora, pra liderança do movimento. Hoje em dia, a maioria das lideranças que nós temos hoje no Brasil são mulheres”, frisou a ativista, que também é conselheira indígena de Belém.

“Eu não acredito que nós estivemos atrás na luta no passado. Eu acredito no processo de colonização que, por uma questão de proteção das nossas vidas, das nossas ancestrais, as mulheres tiveram que ficar no território e os homens ir pra fora fazer a luta. Hoje a gente está revertendo isso. É difícil, porque a gente lida com o machismo diretamente. Mas a gente está ocupando nossos espaços. E, principalmente, na frente das lutas, que é sempre onde nós estivemos”, disse Nice.

Protagonismo de mulheres quilombolas

O protagonismo de mulheres originárias quilombolas também é destaque no cenário pela busca de representatividade e respeito. Mulheres do passado e do presente, como Vanuza Cardoso, de 45 anos, líder quilombola da comunidade do Abacatal, em Ananindeua, resgatam e mantêm viva a luta pelo empoderamento das irmãs afrodescendentes. Vanuza lembra que nunca sofreu qualquer tipo de racismo, mas aponta que uma das faltas de desrespeito para com a comunidade é, também, “...a falta de políticas públicas”. O engajamento social dela começou na própria comunidade, quando tinha 25 anos. Um dos espaços na sociedade que conquistou, mais recentemente, é uma vaga no curso de graduação em Antropologia na Universidade Federal do Pará (UFPA).

“Nenhum desses processos foi fácil. Eu costumo dizer que tenho muitas cicatrizes, mas não me arrependo de nenhuma delas, porque todas constituíram a pessoa que eu sou. Hoje eu tenho independência financeira, eu trabalho, me sustento, ajudo meus filhos, a minha família, quem precisa de mim, quando eu posso eu ajudo. Olhar pra trás e ver todo esse processo que eu construí, que eu vivi, que eu caminhei, que eu passei pra mim é muito importante”, enfatiza Vanuza.

image Vanuza Cardoso, de 45 anos, é líder quilombola da comunidade do Abacatal, em Ananindeua (Igor Mota / O Liberal)

Liderança quilombola de Ananindeua fala de representatividade

A comunidade, que possui mais de três décadas de existência, tem como pilar as raízes matriarcais e tem participação de mulheres nos cargos de liderança, como enfatiza Vanuza. E é representatividade que Vanuza faz questão de ecoar por todos os espaços por onde passa. Isso reforça não somente o engajamento dela dentro da comunidade, como também em todos os segmentos da sociedade onde é possível partilhar as vivências das mulheres de povos originários.

“É importante essa representatividade, porque as nossas experiências são as nossas vivências. E eu preciso falar do meu lugar de fala, do meu conhecimento, da minha vivência. Eu tenho chegado em muitos territórios, em muitas comunidades e em todo território quilombola que eu piso é uma extensão de Abacatal. Eu tenho a mesma responsabilidade com as minhas iguais, com os meus iguais. Viver em comunidade é isso. Todo mundo se cuida, todo mundo se ajuda. A responsabilidade não é de um, é de todos”, disse.

Emocionada, Vanuza, que também é líder espiritual afrorreligiosa na comunidade, declara: “O Abacatal é um território de mulheres, advindo de uma fundação matricial. Desde que eu me entendo, tem mulheres na direção da associação, da igreja, da escola, de time de futebol, de vários outros grupos. Esse papel tem crescido ainda mais. Hoje a gente consegue ver jovens liderando, se despontando aí à frente de grupos, de projetos. A gente não tem esse problema em fortalecer essa construção. Graças a Deus, a gente consegue apontar as mulheres que são referência e que vão, que estão sempre no front com a gente”. 

(Gabriel Pires, estagiário, sob a supervisão de Victor Furtado, coordenador do Núcleo de Atualidades)

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