Casos de racismo não resultam em condenação criminal no Pará, aponta OAB
Por ser um estado de dimensões continentais, com apenas uma delegacia especializada em combate aos crimes discriminatórios e homofóbicos no Estado, movimentos sociais pedem aumento da estrutura no combate a esse tipo de crime
De 1º de janeiro de 2021 a 31 de outubro de 2022, o Pará registrou 11 casos de crime de racismo, o que, pela legislação penal, é um crime inafiançável e imprescritível. Porém, movimentos sociais em defesa da população preta do estado e a Comissão de Defesa e Promoção da Igualdade Étnico-Racial (OAB-PA) não recordam de nenhuma condenação criminal por esse tipo de crime no estado. Em território nacional, o primeiro registro de condenação só ocorreu em março de 2021, em São Paulo, mais de 30 anos após a lei federal 7.716/1989 entrar em vigor.
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Presidente da Comissão de Defesa e Promoção da Igualdade Étnico-Racial da OAB Pará, Peter Paulo disse que o Anuário de Segurança Pública deste ano mostra que, nos últimos anos, o número de casos envolvendo racismo e injúria racial “subiu assustadoramente”. E em diversas formas, como, por exemplo, o racismo esportivo, que ocorre nos estádios de futebol. Há também o racismo dentro de escolas. “E não só praticado por aluno, mas também por professores”, afirmou. O Anuário de Segurança Pública mostra que, em 2020, o Pará foi o estado da federação que mais registrou casos de injúria racial.
"Isso nos mostra algo que sempre ocorreu. O racismo e a injúria racial e as outras formas de práticas discriminatórias ocorrem desde a origem da formação da sociedade brasileira porque nós passamos por um processo de escravização e que só em 1888 a escravização de fato se encerra com a Lei Áurea. Mas o negro ele passou mais de 100 anos de invisibilidade. Cem anos que ele some da história oficial", disse Peter Paulo.
Legislação contra o racismo só veio quando crimes estavam naturalizados, diz advogado
"A gente só vai falar em movimento negro, em racismo, em direitos para a população negra 100 anos depois da Lei Áurea, em 1988, com o advento da nossa atual Constituição. A Lei do Racismo, por exemplo, é de 1989 e a gente vem numa construção de que as pessoas naturalizaram o racismo e as práticas discriminatórias", completou Peter. Para ele, isso fazia com que, muitas das vezes, a pessoa sofresse um crime racista e isso fosse visto e entendido como algo natural.
"Entendendo que isso é crime, as pessoas começaram a fazer denúncias. Também a imprensa, nos últimos anos, tem se dedicado a mostrar que isso ocorre e que isso é um crime. Então, a gente vê os números subirem, ainda que sempre tenha ocorrido", completou o advogado Peter Paulo, destacando que o Pará possui apenas uma delegacia especializada e que fica em Belém. A Polícia Civil informa que todas as delegacias do estado são aptas a atender vítimas de racismo, LGBTfobia e todo tipo de crime discriminatório.
Quanto a condenações, Peter Paulo destaca que casos seguem em julgamento e apenas na área cível, não na criminal. A Redação Integrada de O Liberal solicitou dados de condenações por crimes de racismo e injúria racial ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), mas não obteve retorno. Para ele, há uma espécie de "seletividade" dos casos julgados e isso leva ao conceito de "racismo institucional".
Historicamente, lembra o membro da OAB-PA, casos de racismo costumavam ser "amenizados" em delegacias de todo o país e se tornavam injúrias raciais, que tinham menor potencial ofensivo. Quase sempre, os julgamentos já ocorriam perto de quando o caso fosse prescrever. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal modificou esse entendimento e enquadrou a injúria racial como um tipo de racismo, adotando o entendimento de que a injúria racial também é um crime imprescritível. "Então a partir desse novo entendimento a gente tem a fé e a esperança de que de fato as condenações elas virão", disse.
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