Prejuízos econômicos do desmatamento são considerados de baixa probabilidade de recuperação
Pará possui mais de 67 mil alertas de derrubada da floresta amazônica; dessas, quase 4% tiveram ações de órgãos fiscalizadores, afirma Mapbiomas
Os prejuízos econômicos, naturais e sociais envolvendo o desmatamento no Pará são considerados por especialistas como fatores que possuem baixa probabilidade de recuperação. A falta de fiscalização adequada e de políticas públicas de qualidade podem contribuir para esse cenário, que gera preocupação pelos índices apresentados. No estado, o número de alerta de derrubadas na floresta amazônica, entre 2019 e 2022, alcançou a marca dos 67.400. Desses, apenas 3,84% tiveram autorização ou foram embargados, ou seja, possuíam ações de órgãos responsáveis.
Os dados são do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, plataforma online do MapBiomas, instituição que une universidades, organizações não governamentais (ONGs) e empresas de tecnologia. A área do Pará, em hectares, com alertas envolvendo fiscalizações ou permissões, no intervalo de tempo destacado, ficou em 17,4%. Isso representa que cerca de 4% dos avisos de desmatamento foram validados no estado. No Brasil, esses dados são ainda mais alarmantes: somente um em cada quatro hectares desmatados nos últimos quatro anos possuía indícios de legalidade.
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O economista e ambientalista André Cutrim, também professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca que a principal atividade econômica envolvida no processo de desmatamento do estado é a histórica expansão da fronteira agropecuária. Para ele, a realidade de desmobilização da gestão ambiental ao longo dos anos que passaram contribuiu para a dificuldade de alcance de medidas eficazes com capacidade de conter o avanço da destruição florestal. O resultado foi a série de altas nos dados de derrubadas na Amazônia.
“Atualmente, o principal responsável pelo desmatamento em nosso estado é a pecuária de corte e regime extensivo, porque você tem uma baixa verticalização da produção. É uma atividade que tem um custo benefício relativamente alto, então, desde muito tempo, do momento em que ela foi implantada, até os dias de hoje, se tornou algo que foi praticamente incorporado à cultura de muitas pessoas que vivem nessas áreas de fronteira. Grande parte do que é obtido disso é exportado. Alguns, por via legal, outros, por via clandestina”, detalha André.
Sul e sudeste protagonizam desmatamento no estado
O sul e o sudeste do Pará são apontados pelo especialista como os grandes focos do desmatamento no estado. No passado, afirma o ambientalista, os mecanismos de combate eram mais eficazes. “Novo Progresso, Jacareacanga, São Félix do Xingu… São áreas de fronteira e de desmatamento, onde você tem muita especulação fundiária e, com isso, você cria um componente especulativo em torno da terra, que faz também com que o desmatamento tenha essa proporção aumentada. Os encaminhamentos via rota clandestina foram combatidos, havia rastreabilidade da cadeia bovina”, completa.
Instrumentos eletrônicos, mapeamento de geo-referência e cadastro ambiental rural serviam como formas de combater a atividade. André ressalta que, hoje, a fiscalização deve ser o principal mecanismo colocado em prática. “É preciso entender que uma área de floresta em pé vale muito mais que uma área de floresta derrubada. Você só faz isso com gestão ambiental. Agora, é por meio da fiscalização que você vai criar uma rede de proteção dos povos originários da floresta amazônica e mudar essa percepção cultural que já está enraizada há muito sobre a derrubada da floresta”, diz André.
Gastos somados podem chegar aos bilhões
A baixa probabilidade de recuperação das áreas desmatadas preocupa o ambientalista. Segundo ele, os modelos de desmatamento implantados na Amazônia são agressivos e demandam grandes gastos. “Tem custo com tratores, com acessórios e equipamentos. Por exemplo, o modelo de desmatamento do tipo correntão, que é o mais agressivo e coloca corrente nos tratores para derrubar tudo, tem um gasto considerável. Precisa do veículo de grande porte, das estruturas de aço fortificadas e manejo desse recurso. Por isso, eu diria que o desmatamento custe na faixa dos bilhões de reais”, analisa.
Soluções precisam ser sustentáveis, aponta especialista
Algumas estratégias utilizadas em outros estados são vistas como formas boas de conseguir equilíbrio. De acordo com André “a pecuária de corte em regime intensivo, ou o sistema de lavoura, de certo modo reduzem a extensão da exploração em áreas de fronteira e permite você configurar maior número de atividades dentro desses locais. Você trabalha com a ideia de sustentabilidade, tornando a pecuária sustentável no momento em que você emprega mecanismos sustentáveis e que vão gerar um retorno financeiro tanto para quem vai investir, porque tem custo elevado, quanto para quem vai absorver essa cadeia sustentável”.
Mapbiomas diz que transparência precisa ser mais eficaz
Ana Paula Valdiones, coordenadora do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, do MapBiomas, afirma que, no contexto do Pará, foi observado uma redução nas taxas de desmatamento entre agosto de 2021 e julho de 2022. “Contudo, as taxas continuam elevadas, a gente teve um processo de desmonte da política ambiental do Brasil, sobretudo a nível federal, uma desestruturação dos órgão que são responsáveis pelo combate e isso teve uma consequência que foi o aumento dos níveis. O desmatamento no primeiro trimestre [de 2023] tem apresentado taxas elevadas ainda como esse reflexo”.
“No Pará, precisa melhorar a transparência. Temos algumas informações públicas, com listas de demastamento ilegal. Também é possível encontrar algumas com autorização de desmatamento, mas, sempre é possível melhorar a forma como isso está disponível para a sociedade. Junto a isso, mais informações de órgãos que têm relação com o combate ao desmatamento, tornar isso público, para que a sociedade consiga entender quais áreas foram fiscalizadas ou tiveram alguma fiscalização e o reforço das ações de fiscalização, principalmente em áreas críticas”, sinaliza Ana Paula.
O Monitor é uma iniciativa que busca recolher e organizar as informações de autorização, fiscalização, autuações e embargos referentes ao desmatamento. “A ideia é conseguir juntar a informação pública e cruzar espacialmente com os dados de alertas de desmatamento gerados pela plataforma Mapbiomas para tentar identificar qual desses são autorizados, legais, ou aqueles que têm uma ação de fiscalização que incida nestas áreas. A ideia é identificar quanto desse desmatamento, uma vez com indício de ilegalidade, já foi fiscalizado ou autuado pelos órgãos competentes”, finaliza.
Semas atua com operações para combater o desmatamento no Pará
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará afirmou, por meio de nota enviada à reportagem do Grupo Liberal, que o estado já reduziu em 21% os níveis de desmatamento, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O combate à prática criminosa tem sido feito de forma contínua e conta com operações e investimentos na área. Uma dessas iniciativas é a Operação Curupira, que reúne agentes ambientais, de segurança pública e da Agência de Defesa Agropecuária do Estado com três bases fixas instaladas em locais identificados onde há um maior índice de desmatamento.
“Até o dia 15 de abril, por meio da Operação Curupira houve 43 incursões integradas, onde foram realizadas 391 abordagens, entre pessoas, carros, caminhões e motocicletas. O trabalho dos agentes resultou em 109. 578 metros cúbicos de madeira apreendida, 11 armas de fogo e 153 munições e 1.028 hectares de áreas embargadas. Foram fiscalizados 23 garimpos e embargados 5. Ainda foram apreendidos cinco conjuntos de máquinas do tipo peneira, 32 conjuntos de tratores/carregadeiras/escavadeiras, além de 10 motores bomba e quatro caminhões. Um total de 29 maquinários foram inutilizados”, informou a Semas.
As equipes já totalizaram cerca de 8 mil litros de combustível apreendido, além de apreensões de material e intimações. O investimento da Semas na operação é de, aproximadamente, R$ 3 milhões por ano. Junto a isso, a operação Amazônia Viva, melhorias de equipamentos tecnológicos, instituição de ações para melhoria do clima, planos de economia sustentável fazem parte dos esforços para melhorar os índices do Pará.
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