Economistas paraenses analisam projeto de novo arcabouço fiscal do Governo Federal
Proposta substitui o teto de gastos, regra que limita à inflação o crescimento de grande parte das despesas da União, aprovado durante o governo Temer
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) entregaram na última terça-feira (17) o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A matéria prevê aumento de gastos em até 70% da variação das receitas no ano anterior, mas com crescimento real entre 0,6% e 2,5%.
A proposta do Governo Federal é substituir o teto de gastos, regra que limita à inflação o crescimento de grande parte das despesas da União, aprovado durante o governo Temer. Na análise de economistas paraenses, as mudanças podem ser positivas. Genardo de Oliveira, justifica, por exemplo, que o texto visa a controlar os gastos públicos e reduzir o endividamento do Brasil.
“Isso poderia ajudar a estabilizar a economia, atrair investimentos estrangeiros e, finalmente, contribuir para o crescimento em uma perspectiva de longo prazo. As reformas fiscais e administrativas propostas também podem simplificar o sistema tributário e reduzir as barreiras burocráticas, aumentando potencialmente a produtividade e a eficiência. Em uma outra ótica de análise, o sucesso dessas medidas propostas dependerá de sua implementação e eficácia na obtenção de resultados favoráveis ao país. Também dependerá de como eles são percebidos e recebidos por várias partes interessadas, incluindo o público, empresas, outros atores políticos e sociais”, defende Genardo.
Economista afirma que projeto do atual governo é melhor que o teto de gastos do Temer
O professor da faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Douglas Alencar, analisa que o projeto do PT é melhor que o teto de gastos do Temer, entretanto, poderia ser melhor. “O ideal para um arcabouço fiscal é que este fosse contracíclico. A trajetória de crescimento da economia é cíclica, tendo momentos de crescimento e momentos de depressão econômica. É sugerido que em momentos em que a economia esteja na fase ascendente do ciclo, ou seja, crescimento econômico, que o Governo Federal aumente o superávit, e em momentos em que a economia esteja em depressão, aumente o déficit fiscal, desse modo, o ciclo econômico poderia ser suavizado”, considera o economista.
“Na atual proposta, no Art. 9º Para os exercícios de 2024 a 2027, no inciso I diz que o intervalo de crescimento real da despesa observará limite máximo de 2,5% ao ano e limite mínimo de 0,6% ao ano. O que significa que no ciclo ascendente da economia o limite de crescimento da despesa real será de 2,5% ao ano e na depressão será de 0,6% ao ano, o que é a favor do ciclo. É infinitamente melhor que a regra anterior, dado que na fase de depressão o Governo Federal poderá, no mínimo, aumentar o crescimento da despesa em 0,6% a.a, mas a proposta poderia ser muito melhor”, afirma o professor.
Alencar explica também que as regras de políticas fiscais prudentes consideram além dos estabilizadores automáticos da economia, como essa de impor limites ao crescimento da despesa, o crescimento real das taxas de juros, que podem aumentar a dívida do Governo Federal.
“Em resumo, os principais pontos positivos são estabelecer limites para o crescimento da despesa que são mais realistas que a regra anterior, deixando de fora das regras as captações de recursos das universidades e empresas públicas. Enquanto os pontos negativos se referem ao arcabouço ser pró-cíclico e a falta de conexão com a política monetária, dado que a taxa de juros reais é uma variável importante quando estamos discutindo a trajetória sustentável da dívida”, critica Douglas.
Economista afirma que tramitação no Congresso Nacional deve ganhar atenção da população
O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon PA/AP), Sérgio Melo, acredita que a proposta é boa e oportuna para o País neste momento, porém a tramitação no Congresso Nacional deve ganhar atenção da população, a fim de verificar se o seu formato final atenderá aos anseios dos principais debates sobre a questão fiscal no Brasil. Ele também afirma que as novas regras não são acessíveis ao compreendimento do brasileiro comum.
“Os pontos positivos do novo arcabouço fiscal são a maior flexibilidade e possibilidade de atuação do governo de forma anticíclica, ou seja, o país gasta menos em cenários macroeconômicos favoráveis e gasta mais em cenários desfavoráveis. Como ponto negativo, está o fato de a regra ser mais difícil de ser compreendida pela sociedade do que o teto de gastos”, declara Sérgio Melo.
Qual o melhor?
O projeto de Haddad e o aprovado pelo governo Temer surgiram em cenários políticos e econômicos diferentes, por governos com prioridades diferentes. Logo, também têm suas diferenças. O economista Genardo de Oliveira relembra que a ideia do petista foi apresentada ainda durante a campanha presidencial brasileira de 2018. “Visava aumentar os gastos públicos em políticas sociais, como educação e saúde, por meio de uma reforma tributária que aumentaria a arrecadação do governo. Haddad também previa o cancelamento do teto de gastos aprovado por Temer”, explica.
“O teto de gastos foi uma emenda constitucional que estabeleceu um limite para o crescimento dos gastos públicos nos próximos 20 anos. Este limite foi baseado na taxa de inflação do ano anterior, com ajustes para circunstâncias extraordinárias, com o objetivo de controlar os gastos públicos e reduzir o déficit fiscal do país. Qual projeto é o melhor? Depende das prioridades e crenças do indivíduo. O projeto de Haddad pode ser considerado mais progressista e focado em políticas sociais, enquanto o teto de gastos pode ser visto como uma abordagem fiscal mais responsável para a gestão das finanças públicas”, analisa Genardo.
Para Sérgio Melo, o novo arcabouço fiscal apresenta algumas evoluções, no que diz respeito às regras fiscais no Brasil, em comparação ao teto de gastos, que na prática, diminuiu a atuação do Estado em áreas importantes, como saúde e educação, e abriu margem para eventos em que se precisou "furar o teto", além do chamado orçamento secreto.
“A nova regra fiscal apresenta maior racionalidade e flexibilidade, por ter como premissa a combinação entre o controle e a manutenção de gastos e investimentos públicos, considerando que o Brasil apresenta um número exorbitante de pessoas em situação de vulnerabilidade social e diversos desafios, como maiores investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação. Porém, é preciso destacar que há alguns percalços possíveis para o Governo Federal, o que vai desde a aprovação do novo arcabouço fiscal no Congresso Nacional, fator que pode aumentar o número de exceções à regra fiscal, até o desafio de aumentar a receita, por meio da diminuição de ineficiências e distorções no sistema tributário, o que traz à tona o debate sobre a reforma tributária”, aponta Sérgio.
Para o professor Douglas Alencar, teto de gastos estava comprimindo o orçamento federal. “O programa Minha Casa Minha Vida no orçamento enviado pelo governo anterior para o programa somava apenas R$ 36 milhões. Temos casas em Belém que valem mais que isso. Dado o limite do teto dos gastos, no orçamento aprovado pelo governo anterior, o programa Farmácia Popular quase não tinha recursos. Portanto, a regra do teto de gastos do governo Temer é um extraterrestre dentro da teoria econômica”, critica.
“O projeto proposto pela equipe econômica do atual governo, ainda que tenha problemas, como, por exemplo, o componente pró-cíclico, está vinculado ao crescimento real das despesas, deixando alguma margem para que em um momento de depressão econômica, que a despesa possa crescer ao menos 0,6% ao ano, o que é um avanço gigantesco comparando com a regra anterior. Além disso, o novo projeto aponta para uma trajetória sustentável da dívida, travas, retira das despesas a possibilidade de captação das Universidades, que na regra anterior, essa captação está vinculada a regra”, finaliza Douglas Alencar.
Entenda o projeto de Haddad
O projeto do Governo Federal estabelece uma meta de resultado primário das contas públicas, ou seja, o saldo entre a arrecadação e as despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros da dívida. Atualmente, a meta de resultado primário é um valor exato. Com Haddad, a meta de primário terá intervalos de tolerância de 0,25 para menos e 0,25 para mais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). As metas serão estabelecidas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o ano em questão e os três seguintes. Caso o resultado fique abaixo do piso da meta, as despesas só poderão crescer até 50% do crescimento das receitas do ano anterior.
Para apuração da receita, serão considerados os 12 meses até junho do ano anterior, descontado o Índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA) do período, além da receita primária total do Governo Central, deduzida de concessões e permissões; dividendos e participações; valores relativos à exploração de recursos naturais; e transferências legais e constitucionais por repartição de receitas primárias. Essa regra será regulamentada em ato do Ministro da Fazenda.
O PLDO terá um marco fiscal de médio prazo, com projeções para os principais agregados fiscais. O Anexo de Metas Fiscais que acompanha o projeto evidenciará, no período de 10 anos, o efeito esperado das metas e a trajetória da dívida pública.
O novo arcabouço fiscal também permite o aumento do gasto em investimentos quando o governo superar a meta de resultado primário do Governo Central. No entanto, esse aumento será limitado, entre os exercícios de 2025 a 2028, a R$ 25 bilhões corrigidos pela inflação entre janeiro de 2023 e o ano a que se referir a lei orçamentária. A regra estabelece que os investimentos podem ser elevados quando o teto da meta de primário for superado e o montante de aumento será até esse excesso. Mas não poderá ultrapassar os R$ 25 bilhões.
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"Caso o resultado primário do Governo Central exceda ao limite superior do intervalo de tolerância, o Poder Executivo federal poderá ampliar as dotações orçamentárias, para o exercício subsequente, em valor equivalente a até o montante excedente, hipótese em que as despesas ampliadas não serão computadas na meta de resultado primário", diz o texto. "Na hipótese de ampliação das dotações ..., os respectivos valores serão destinados a investimentos", completa a proposta.
O texto ainda afirma que a programação destinada a investimentos constantes do Projeto e da Lei Orçamentária Anual não será inferior ao montante dos investimentos programados.
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