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Por Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

“Iracema Uma Transa Amazônica”: O Cinema precisa voltar à terra

Marco Antonio Moreira

O VI Festival Internacional do Filme Etnográfico do Pará é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual Visagem (PPGSA/UFPA), coordenado por Alessandro Campos e Denise Cardoso. Esta ação cultural tem como objetivo difundir, promover e premiar produções audiovisuais de qualidade técnica nas áreas de Antropologia, Cinema Documentário e Cinema Indígena, além de incentivar o diálogo entre cineastas, pesquisadores e o público. A edição 2024 aconteceu de 17 a 20 de outubro no Cine Líbero Luxardo e destacou um dos filmes mais importantes da cinematografia brasileira: “Iracema Uma Transa Amazônica” de Jorge Bodanzky e Orlando Sena, que completa 50 anos de produção este ano. Escrevi um texto sobre esse admirável filme brasileiro para o festival e divulgo na coluna Cineclube, de modo editado, para que o leitor possa ter interesse de assistir ou rever esta obra essencial do cinema brasileiro.

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“O cinema precisa voltar à Terra. Essa frase do extraordinário cineasta brasileiro Glauber Rocha, de algum modo me faz lembrar de filmes que quebraram o encanto do cinema apenas como meio de fantasia, alienação e entretenimento. Nada contra esse tipo de cinema, que muitas vezes produziu obras inesquecíveis. No entanto, o cinema é uma arte com potencial de transformação social e cultural, e desde cedo sabemos como ele pode ser utilizado para diversos fins. Felizmente, os movimentos cinematográficos mudaram a história do cinema, e entre eles é fundamental citar o neorrealismo italiano, criado na década de 1940, que indicou novos caminhos e abordagens ao cinema, a partir de criações artísticas que buscavam filmar sem o glamour dos estúdios hollywoodianos. Filmar nas ruas era uma maneira de interpretar a realidade que nos cerca diariamente. Filmar os personagens da rua era um modo de revelar as pessoas do nosso cotidiano, conhecidas ou não, que poderiam nos aproximar da vida como ela é para muitos de nós.

Lembro-me de que, em uma época cinéfila da minha adolescência, procurava assistir aos filmes brasileiros em exibição nos cinemas. Nesse período, era frequente o lançamento de filmes nacionais nas salas de cinema, diferente do atual modo de distribuição no circuito de exibição brasileiro dos últimos anos. Naquela época, críticos de cinema e jornalistas comentavam sobre “Iracema Uma Transa Amazônia” de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, como um marco do cinema nacional com possíveis premissas estéticas que lembravam os ideais do Cinema Novo brasileiro. Infelizmente, por seu tema político e questionador da realidade brasileira, o filme teve sua exibição proibida nas salas de cinema brasileiras durante a ditadura militar. Felizmente, o que se tornou um mito cinematográfico inalcançável foi liberado para exibição em 1980, e tive a oportunidade de assistir ao filme de Bodanzky e Senna.

Fiquei surpreendido com o filme desde suas primeiras cenas. As realidades da Amazônia estavam ali, sendo expostas por meio de personagens como Iracema e Tião de maneira rara e objetiva. Tião, um caminhoneiro do sul do país que percorre a Transamazônica, a extensa rodovia que corta a floresta amazônica, conhece uma adolescente prostituída chamada Iracema. Depois de lhe oferecer carona, aos poucos, percorrendo a Transamazônica e chegando a Belém-PA, ele começa a perceber os profundos problemas que afligem a região: a pobreza, o abandono pelos governos, as dificuldades de vivência e sobrevivência, a ingenuidade em lidar com e questionar a realidade, o duro desafio do cotidiano em que tudo se repete e, de algum modo, tudo permanece igual. No final, Iracema, abandonada à beira da vida, continua a tentar ser o que pode ser ou o que poderia ser, sem entender onde está ou para onde vai nas longas estradas da Amazônia.

Filmado nos anos 1970, um período em que poucos tiveram coragem e obstinação de chegar à Amazônia, em Belém do Pará, para contar uma história política de denúncia social, vinculada à falta de direitos humanos de vários cidadãos amazônicos representados por Iracema, este filme certamente representou um marco histórico no cinema brasileiro. Ao mostrar a Amazônia e os diversos aspectos de sua exploração econômica e humana, os cineastas dignificaram premissas fundamentais do cinema como arte, que pode e deve estar ligada a um cinema de intervenção, transformação, agitação e provocação. Um tipo de cinema necessário para formar novos e diferentes espectadores, que possam perceber outras Iracemas e Tiões, cujo percurso diário na região amazônica não pode continuar a ser invisibilizado pelo cinema e outras formas de expressão artística ou midiática.

Assistir ou rever “Iracema Uma Transa Amazônica”, que conta com atuações intensas dos atores Paulo César Pereiro e Edna de Cássia, é perceber que o cinema é, e sempre será, mais do que mero entretenimento; o filme ainda pode gerar um novo tipo de cinefilia, vinculada a uma cidadania amazônica mais interativa e consciente dos desafios que se apresentam para essa região e seus moradores no século XXI. O cinema deve voltar à terra, ou seja, deve registrar realidades para transformá-las, e “Iracema Uma Transa Amazônia” certamente sempre será uma intensa referência de um tipo de cinema revolucionário e necessário em qualquer época”.

Dica da Semana

“Laura” de Otto Preminger. Com Gene Tierney, Dana Andrews, Clifton Webb. Um dos maiores clássicos do cinema (Cineclube SINDMEPA. Dia 22/10 às 19h. Entrada gratuita).

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