CPI das ONGs: organizações não-governamentais atuam sem regras claras na Amazônia
Não há exigência de uma autorização específica para operar nesta região, o que dificulta ainda mais um mapeamento preciso
Os números sobre a atuação de organizações não-governamentais (ONGs) na Amazônia Legal, que inclui o estado do Pará, são nebulosos. Além de levantamentos defasados no tempo e com metodologias variadas entre institutos, não há exigência de uma autorização específica para operar nesta região, o que dificulta ainda mais um mapeamento preciso. É sobre esse quebra-cabeça que se debruça a CPI das ONGs em curso no Senado.
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Os dados mais recentes sobre ONGs no Brasil são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Conforme o Mapa das Organizações da Sociedade Civil de 2021 o Brasil tinha 815.676 organizações ativas. Destas, 58.878 (7,2%) com atuação região norte do país, sendo 23.135 no Pará.
O mesmo levantamento indicou um aumento de 34 mil organizações em comparação a números de 2018.
Não há, entretanto, cifras oficiais sobre quanto essas organizações movimentam. Neste sentido, um dos recortes propostos pela Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no Senado é a apuração de repasses feitos pelo Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), a ONGs. O motivo é o volume desses recursos, que envolve cifras milionárias, e o fato de se tratar de financiamentos internacionais.
"A gente quer abrir a caixa preta do Fundo Amazônia. As ONGs recebem dinheiro de governos internacionais e não prestam contas à população brasileira", disse o presidente da CPI, Plínio Valério (PSDB-AM). Ainda de acordo com ele, estão previstos pedidos de indiciamento a diretores e presidentes de ONGs, além das quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico. “Esperamos que o Supremo colabore com a gente", acrescentou.
Entre os anos de 2019 e 2022 o Fundo Amazônia desembolsou R$ 448 milhões para projetos socioambientais - uma média de R$ 112 milhões ao ano - conforme dados do BNDES. Os recursos são provenientes de doações internacionais. O relatório de atividades do fundo referente ao ano de 2022 indica 102 projetos ativos com recebimento de incentivos, sendo 17 deles no Pará. Desse total, 38% são de instituições do terceiro setor, na qual estão inseridas as organizações não-governamentais.
O trabalho da CPI das ONGs parte de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a aplicação do Fundo Amazônia, a pedido do Congresso. A auditoria apurou supostas irregularidades no fundo, em contratos celebrados pelo BNDES com governos internacionais e a Petrobras. O TCU concluiu não haver "irregularidades graves" na gestão do fundo, mas promoveu determinações para sanar "falhas" na execução e acompanhamento de projetos.
A auditoria cita uma apuração do Ministério do Meio Ambiente, esta de 2019, época em que a pasta estava sob a gestão Ricardo Salles. Em documento encaminhado ao TCU, o MMA aponta falhas em 18 operações sob tal rubrica, fala em “riscos de fraude” e afirma que “achados se concentraram nas entidades do chamado Terceiro Setor, o que inclui as Organizações Não Governamentais (ONG)”.
Senador pelo Pará, Beto Faro (PT) é crítico da postura da CPI. Na avaliação dele, o colegiado pode afastar investidores. “Não podemos ficar generalizando, propondo uma discussão desse tipo quando o país está retomando os aportes no Fundo Amazônia. Isso é afastar investidor. É uma CPI que joga contra o país em um momento como este”, disse.
Em 2019, Noruega e Alemanha - principais doadores do Fundo Amazônia - interromperam repasses. O governo brasileiro tem retomado as tratativas para destravar tais recursos e assegurar outros, incluindo os dos Estados Unidos. Esta semana, representantes do governo suíço em Brasília anunciaram uma doação de R$ 30 milhões para este fundo.
“Nossa desconfiança é que há muito interesse externo. Essas pessoas pagas vivendo desses recursos se posicionam na Amazônia contra o interesse de milhões de pessoas”, declarou o senador Márcio Bittar (União-AC), relator da CPI das ONGs.
Bittar fala em empecilhos criados por essas organizações para construções de estradas, portos, perfuração de petróleo e plantações que suprimam vegetação ou prospecção de minérios. “O Brasil tem que enxergar o que está acontecendo na Amazônia e retomar para si a soberania da região. Esse é o papel da CPI: mostrar que há interesses econômicos por trás de uma fachada de proteção ambiental”.
Raio-X da CPI das ONGs
A CPI das ONGs foi instalada no último dia 14 de junho com 11 senadores na titularidade e sete suplentes, praticamente todos da região norte do Brasil. Ela veio no bojo de uma pressão sobre o Congresso, especialmente por parlamentares da oposição, para que se colocasse em funcionamento uma série de comissões, dentre as quais a CPMI do 8 de janeiro e a CPI do MST.
No caso de apurações sobre a atuação de organizações não-governamentais, havia requerimentos por este tipo de CPI apresentados desde 2019. Nenhum deles, entretanto, havia superado a etapa de leitura em plenário, primeira após apresentação do documento à Mesa Diretora da Casa.
“Subestimaram nosso pedido, acharam não ia dar em nada”, comentou o senador Plínio, autor do requerimento autorizado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. Uma avaliação que recai principalmente sobre a postura de parlamentares do governo.
A gestão Lula tem apresentado uma série de tropeços na articulação com o Congresso e dentre as falhas está a dificuldade em consolidar lideranças para fazer frentes a movimentos de oposição na Casa. À semelhança do que ocorreu com a CPI do MST, em curso na Câmara, o governo deixou para última hora a indicação de nomes para a CPI das ONGs.
Atualmente, apenas o senador Beto Faro tem desempenhado o papel pró-governo no colegiado. “Tivemos duas sessões e não vimos denúncias embasadas. Não há uma demanda clara nesta CPI. Temos ONGs com problemas? Temos. Mas não podemos generalizar”, repete Faro.
Agora começa fontes ouvidas pela reportagem apontam para um receio sobre desdobramentos da CPI das ONGs.
Semana pré-recesso
O Congresso ainda tem uma semana de trabalhos antes do recesso legislativo e de acordo com o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) os próximos dias devem ser decisivos para consolidação da Comissão Parlamentar de Inquérito das ONGs. “Nosso próximo passo será uma reunião administrativa para fechar agenda”.
Nessa reunião, ele adianta, devem ser definidas prioridades de atuação para a volta do recesso e definidas datas para as duas audiências públicas previstas para ocorrerem no Pará. A ideia é afunilar o trabalho. “Vamos verificar a questão dos recursos públicos e privados passados para essas ONGs, ver que trabalho estão fazendo, que influência estão tendo junto às comunidades locais, principalmente aquelas que são de interesses internacionais”.
Ainda não foi batido martelo sobre o dia dessa reunião, mas ela irá acontecer somente após a sessão da CPI prevista para a terça-feira (11), quando o colegiado ouve o ex-deputado federal e ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo. Há uma expectativa de que o depoimento dele ajude a traçar um caminho para os próximos passos.
Rebelo foi relator do Código Florestal. “Ele vem denunciando a interferência indevida de governos e empresas estrangeiras, muitas vezes por meio de organizações não governamentais, nas questões ambientais do Brasil. Foi, ainda, Ministro de Estado da Defesa, conhecendo bem a Amazônia e suas peculiaridades”, defendeu o presidente da CPI, senador Plínio, ao apresentar o requerimento.
Outro ponto que os integrantes do colegiado defendem como necessário antes do recesso é uma cobrança sobre os requerimentos já apresentados. Até o momento, a CPI das ONGs apresentou pedidos de informação a órgãos como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Polícia Federal e a Receita Federal, sobre os quais esperam resposta.
ONGs no Brasil
BRASIL E UNIDADES DA FEDERAÇÃO
Localidade | População IBGE 2021 | Percentual População | OSC (Mapa das OSC 2021) | Percentual OSCs |
---|---|---|---|---|
Brasil | 213.317.639 | 100,00% | 815.676 | 100,00% |
Região Norte | 18.906.962 | 8,86% | 58.878 | 7,22% |
Pará | 8.777.124 | 4,11% | 23.135 | 2,84% |
Região Nordeste | 57.667.842 | 27,03% | 201.336 | 24,68% |
Região Sudeste | 89.632.912 | 42,02% | 338.664 | 41,52% |
Região Sul | 30.402.587 | 14,25% | 149.861 | 18,37% |
Região Centro-Oeste | 16.707.336 | 7,83% | 66.904 | 8,20% |
*Fonte: IPEA/ Mapa das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) 2021
** A distribuição das organizações no território nacional mostra-se proporcional à distribuição da população, havendo uma leve variação entre regiões. Assim, as regiões com mais ONGs por habitante são as regiões Sul e Centro-Oeste. Já as regiões com menos são as do Norte e do Nordeste.
*** Os números citados são referentes às Organizações da Sociedade Civil (OSCs) formalmente constituídas, isto é, com CNPJ. Observa-se que o número total equivale à cerca de 4% do total de CNPJs registrados no país, que está em torno de 20 milhões.
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