Quem morre em cemitério vira visagem? Casos em Belém geram imaginários sobre aparições; veja

Em julho de 2024, duas pessoas foram assassinadas em cemitérios no bairro do Guamá, em Belém. Pesquisadora da UFPA discute a simbologia destes crimes.

Gabriel Bentes e Enderson Oliveira

O imaginário popular sobre um cemitério é, normalmente, ligado a um lugar em que familiares e amigos vão para se despedir de um(a) parente, amigo/a ou conhecido/a que acabou de falecer. O sepultamento costuma ser um momento inesquecível, por ser associado a muita dor,
tristeza e por ser o último contato físico e visual que as pessoas terão com o ente que partiu.

Após o falecimento, em geral, o ser humano possui alguns destinos, como seu corpo ser cremado ou sepultado em um cemitério, para ser visitado de tempos em tempos. Assim, o ciclo comum é nascer; realizar inúmeras atividades e ter inúmeras experiências durante a vida; morrer; ser cremado ou sepultado. Mas, e quando a pessoa morre já no local em que "deveria" ser enterrada? Pior ainda: ser assassinada no interior de um cemitério?

Foi o que aconteceu em Belém, capital do Paráno último dia 9 de julho, quando um homem foi esfaqueado e morto dentro do Cemitério Santa Izabel, no bairro Guamá. Uma semana depois, dia 16, outro homicídio, com as mesmas características, ocorreu no Cemitério Ordem Terceira de São Francisco, no mesmo bairro. Os casos chamaram atenção por ocorrerem em um curto intervalo de tempo e pelas vítimas, que foram apontadas como dependentes químicas, serem conhecidas na área.

A antropóloga Elisa Rodrigues, que desenvolve pesquisa nas áreas de Antropologia e Estudos Cemiteriais, explica que "o espaço cemiterial é um lugar marginalizado da cidade, e consequentemente, abarca dentro de si práticas e pessoas que fazem parte desse lugar marginal nas grandes urbes, tal qual Belém. É comum que pessoas em situação de rua, usuários de drogas e outras pessoas transitem frequentemente ou morem nas imediações dos cemitérios da cidade por se sentirem seguros em lugares pouco frequentados".

image A antropóloga Elisa Rodrigues pesquisa sobre os cemitérios de Belém, relações humanos e não humanos e os imaginários que surgem destas relações. (Foto/Arquivo pessoal)

Para além da segurança, são pessoas que se refugiam por não terem direito à dignidade, trabalho, vida social, e consequentemente, memória. Por serem pessoas inativas socialmente no sentido do trabalho e de impostos, acabam sendo varridas para esses espaços. Assim, a escolha da execução das pessoas e outros casos semelhantes que já ocorreram, seja no Pará ou em outras cidades, possui as circunstâncias práticas (como as citadas pela pesquisadora) e também um caráter simbólico que vai além de apenas ser "exemplo" para outras pessoas que podem temer, por algum motivo, passar pela mesma situação.

"Quando mortes desses grupos de pessoas acontecem, é pouco comum que sejam noticiadas, mas quando ocorrem dentro do cemitério, são lidas, inclusive, como engraçadas por quem recebe a notícia, como pode ser visto nos comentários das notícias, já que estas pessoas já são consideradas irrelevantes, ou neste caso, mortas socialmente", destaca Elisa, que é mestra e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGSA-UFPA).

Assassinatos em cemitérios geram "visagens"?

A relação entre humanos e não-humanos, encantados, "visagens", assombrações e outros seres que unem mundo material e espiritual sempre é bastante complexa e instigante. No caso dos homicídios nos cemitérios, esta associação não fica alheia.

Segundo Elisa Rodrigues, tais crimes podem gerar outra perspectiva: quando uma pessoa é morta em um cemitério, isso pode ter consequências para a reputação do lugar e para quem segue aqui neste plano: no campo simbólico, estas mortes criam novas categorias de visagens, assombros e formas de se relacionar com o espaço, isto é, as narrativas sobre as mortes "matadas" e morte "morrida" possibilitam os desdobramentos de outras formas de se enxergar a morte, os mortos e o morrer dentro de determinadas espaços, bem como a memória e suas reverberações, especialmente em locais sagrados, como é o caso dos cemitérios", exemplifica a pesquisadora.

De modo mais direto, estas vítimas não "se tornam" visagens, mas podem ser compreendidas como tais. "Quando uma pessoa morre, dentro ou fora de um cemitério, ela constrói relações assombrosas entre vivos e não-humanos. Em casos de mortes trágicas, como homicídios, essas são mais estreitadas ainda, pois segundo relatos, o morto tem dificuldade de se entender enquanto morto e fica preso em nosso plano, e por isso, assusta e repele os vivos do local ao qual está preso", diz Elisa.

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Com isso, podem ser fortalecidos os relatos de aparições de visagens nos cemitérios e, por se tratar de algo sobrenatural, perpetua-se o mal-assombramento desses locais e o afastamento das pessoas de tais locais. "A frequência de crimes como estes em espaços cemiteriais afastam o trânsito da população desses lugares na cidade", afirma a paraense.

Para a pesquisadora, no entanto, é preciso ampliar a reflexão sobre o papel e a atual situação dos cemitérios, já que essas mortes não são as únicas responsáveis pelo distanciamento da população e exemplificam também o quanto tais locais podem ser propícios para práticas violentas. "A falta de manutenção, segurança e iluminação, bem como educação patrimonial, não fazem das necrópoles de Belém lugares atrativos historicamente, simbolicamente e não influenciam a conservação do imaginário local sobre as personalidades ali presentes, os santos milagreiros ou mesmo a história da cidade que está gravada na construção das lápides, nos epitáfios e formas de ritualização", finaliza a antropóloga.

A Redação Integrada de O Liberal conversou com pessoas que ficam em torno do cemitério Santa Izabel durante o dia a dia para saber se acreditam ou não em visagem advindas da necrópole. Assista:

(*Gabriel Bentes, estagiário de Jornalismo, sob supervisão de Enderson Oliveira, editor de Oliberal.com)

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