Mais de 300 mil moradores não têm saneamento básico em Ananindeua, aponta Painel Saneamento Brasil
Falta desse serviço básico gera doenças e prejudica qualidade de vida das pessoas
Mais de 300 mil moradores não têm coleta de esgoto no município de Ananindeua. É que mostra um dado do Painel Saneamento Brasil, uma iniciativa do Instituto Trata Brasil, segundo o qual 63,4% da população daquele município não tem acesso a esse serviço básico e essencial. Uma dessas áreas é a comunidade Guerreiros de Cristo, no bairro Maguari. Ali, as ruas não são asfaltadas, têm lama e alagam quando chove. Também não há coleta de lixo. Para amenizar um pouco essa realidade, os moradores compram aterro para colocar nas vias, para melhor o acesso deles, e, também, para armazenar os resíduos sólidos.
Saneamento básico compreende os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos; limpeza urbana, coleta e destinação do lixo e drenagem e manejo da água das chuvas. O Painel Saneamento Brasil é a mais nova iniciativa do Instituto Trata Brasil (ITB) e nasceu com o intuito de levar mais informações aos brasileiros para que tenham acesso à situação do saneamento nas cidades onde moram e verifiquem se possuem o atendimento apropriado em relação a esse serviço.
Norivan Costa Maciel, 56 anos, mora naquela comunidade desde o seu começo, há mais de dois anos. Por causa de uma deficiência, ele está aposentado. “A situação aqui é crítica. Água, luz, saneamento básico que não tem”, contou. “Quando chove, alaga as ruas”, afirmou. Muitas crianças moram com seus pais na comunidade e também sofrem com a falta de saneamento básico.
Por ironia, Norivan mora em uma rua chamada de “Alegria”. Mas, até agora, os moradores não têm motivos para estar alegres. “Por enquanto, não”, disse. “Mas, se o governo fizer algo por nós....”, contou, diz, na esperança de que essa realidade possa mudar para melhor. Norivan afirmou que os moradores precisam de saneamento básico, com ruas asfaltadas e o devido esgotamento sanitário. “Queremos qualidade de vida”, disse. Também não há coleta de lixo. E os moradores improvisaram um local, logo na entrada da comunidade, para colocar os resíduos sólidos. Isso fruto de uma coleta, em dinheiro, feita pelos próprios moradores.
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"Precisamos de saneamento básico. Somos uma comunidade humilde", diz moradora
O metalúrgico Thiago Ventura, 34 anos, é vizinho de Norivan. Ele lamentou a situação em que se encontra a comunidade. “É o saneamento, né? Como você está vendo aí, a rua está precisando muito”, disse. “Quando chove, fico tudo alagado”, contou. E, com as ruas cheias de água, os moradores têm dificuldade de sair para trabalhar e realizar seus compromissos diários. “Para quem tem um carrinho, uma moto, ainda melhora. Mas a pé fica difícil de passar. Na época de eleição, eles prometem (melhorar), mas, até agora, nada. É a gente que vai ajeitando, colocando aterro (nas ruas)”, contou. Os moradores fazem “ligação” na tubulação para ter acesso a água.
A autônoma Beatriz Vaz, 27 anos, também reside na comunidade desde o começo. “Precisamos de saneamento básico”, disse. “Somos uma comunidade humilde. Aqui tem bastante família. Então a gente precisa muito, muito mesmo, que a prefeitura olhe pela gente”, contou. A falta de saneamento causa doenças. “Principalmente para as nossas crianças. A gente tem bastante criança aqui dentro da comunidade. As crianças correm muito risco”, afirmou. Beatriz é mãe de duas crianças - uma de oito anos e um bebê de 9 meses.
Engenheiro destaca impactos sociais e de saúde causados pela falta de saneamento
A pedido de O Liberal, o engenheiro civil Murillo Carvalho comentou sobre a falta de saneamento básico em Ananindeua. “...O saneamento entrou em pauta muito agora com o Marco Legal do Saneamento Básico, que aí, de certa forma, obriga a adequação das concessionárias a atingir os indicadores de universalização para que toda a população seja contemplada com o que é básico”, disse. O Marco Legal do Saneamento Básico é a Lei nº 14.026/2020, que estabelece metas para universalizar o acesso a água e esgoto no Brasil até 2033.
Ele falou sobre os principais impactos sociais e ambientais da falta de coleta e tratamento de esgoto em Ananindeua. “De impacto social, eu destacaria principalmente a questão visual. Ninguém quer, por exemplo, ter um estabelecimento de alimentação, um restaurante, em um local onde passa esgoto a céu aberto”, disse. “Hotéis, orlas, locais onde atrai turismo, por exemplo, isso impacta negativamente, pois, além do mau cheiro, você acaba sendo impactado pela questão visual, pela falta de cuidado”, afirmou.
E tem, também, a questão ambiental. “Trata-se de uma poluição. Então ela está totalmente ligada à saúde pública. Tem várias doenças aí de veiculação hídrica em que se naturalmente coloca a culpa, entre aspas, primeiramente, na água e no esgoto, porque de fato é aquilo que é de consumo geral. Então isso impacta negativamente, tanto sobre esse viés que impacta em todo o resto, parte social, tem toda a questão também de áreas de vulnerabilidade, que são expostas ao esgoto a céu aberto, e muitas vezes são aquelas que, por último, são atendidas, e todo viés ambiental ligado à saúde pública da população”, afirmou Murillo Carvalho.
O engenheiro civil também disse que a falta de saneamento básico gera impacto na área de saúde. “Com isso, inclusive, você acaba aumentando a fila em UBS (unidades básicas de saúde), hospitais, pronto atendimento, por causa das doenças de veiculação hídrica, muitas vezes ligadas ao esgoto. Há um estudo que fala que, a cada um real investido em saneamento, você economiza de 4 a 9 reais em saúde”, disse.
As doenças são várias: febre tifoide, diarreia, leptospirose, verminose, a própria esquistossomose também, as hepatites. “Então tem várias doenças aí que podem ser ocasionadas por esse contato direto do esgoto a céu aberto”, disse. Sobre as soluções para reverter esse cenário, Murillo Carvalho destacou a importância do Marco Legal do Saneamento Básico.
“Mas é importante que os municípios, os estados, olhem para o saneamento assim como se olha para a saúde, assim como se olha para a mobilidade urbana, tratam igual de fato e aproveitem esse momento, que é o momento de universalizar, não por obrigação, mas por ser algo que está ligado completamente à qualidade de vida e à saúde da população”, disse. “Então, isso é muito importante para que a gente consiga aproveitar esse momento e implantar o que tem para ser implantado, melhorar o que precisa ser melhorado, tanto em infraestrutura de rede, novas tecnologias para tratamento de esgoto, políticas sociais também, porque o esgoto ainda é algo bastante desconhecido pela população”, afirmou.
Ainda segundo o engenheiro, a população não conhece muito bem seus direitos e deveres com relação ao esgotamento sanitário, aos serviços que estão atrelados a ele. “Então é importante que se olhe sobre essas duas óticas: a ótica de melhoramento da infraestrutura e a de preparar a população para receber essa infraestrutura", disse.
Falta de saneamento em Ananindeua:
População sem coleta de esgoto:
303.440
Parcela da população sem coleta de esgoto: 63,4%
Fonte:
Painel Saneamento Brasil, uma iniciativa do Instituto Trata Brasil
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