Lixão do Aurá ainda levanta questionamentos sobre impactos ambientais
Aterro do Aurá pode ser considerado um lixão que recebe os inertes, como entulhos de destruição, pedras e areia
O aterro sanitário de Marituba deixará de receber resíduos sólidos daqui a um mês, no dia 31 de agosto. A empresa Guamá Tratamento de Resíduos, que administra o aterro, garantiu que não existe a possibilidade do espaço se tornar um lixão, onde os resíduos sólidos são depositados a céu aberto sem qualquer medida de proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas. A empresa também garante que continuará tratando os resíduos por mais 20 anos.
Antes do aterro de Marituba passar a estocar os resíduos de Belém, Ananindeua e de Marituba, esse depósito ocorria no Lixão do Aurá. Após o fechamento do espaço no Aurá, que ficou mais de 20 anos ativo, discussões sobre impactos ambientais e sociais ganharam força na sociedade. Hoje, segundo a Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), o Aterro do Aurá pode ser considerado um lixão que recebe os inertes, como entulhos de destruição, pedras e areia.
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A Sesan informou, ainda, que como o espaço está incluído na recuperação da área degradada do Aurá, uma das ações pontuadas na nova concorrência de concessão dos serviços de limpeza urbana de Belém, processo esse que será concluído no próximo dia 31.
De acordo com o engenheiro sanitarista da Universidade Federal do Pará (UFPA), Neyson Mendonça, especialista em resíduos sólidos, apesar do fechamento do aterro no Aurá, a área continua oferecendo riscos à população do entorno e contaminação do ar e do sol. “Nós temos, ainda hoje, dois danos principais oferecidos pelo Aurá. O primeiro é a poluição do ar, com o transporte de poluentes na parte atmosférica, porque como o espaço não teve, desde a sua concepção, o uso de engenharia que retirasse e tratasse os gases emitidos pelo lixo, estes gases acabaram sendo liberados no ar e as pessoas convivem com isso no dia a dia. E essa exposição traz sérios danos à saúde, com a inalação de gases tóxicos”, inicia.
“E também tem a questão do chorume produzido pelo lixo. Hoje, tem uma tubulação que dispensa diariamente todo o chorume da área no Rio Aurá. E esse líquido também se infiltra no solo, contaminando a água subterrânea, que depois o morador vai retirar do poço para beber, cozinhar e/ou tomar banho”, acrescenta o engenheiro sanitarista.
Para Neyson, a solução para a área do lixão é o encerramento técnico do espaço. “É preciso que haja o encerramento técnico do lixão, que seria criar um esquema de contenção dos gases e chorume para não contaminar o ambiente. A partir disso, o ideal seria reabilitar a área para virar espaço que receba resíduos sólidos e orgânicos de forma devida para fazer o pré-processamento do lixo”, opina.
Atividades no Lixão
Criado no final da década de 1980 e começo dos anos 1990, o Lixão do Aurá foi implantado nas faixas de limite dos municípios de Ananindeua e Belém, nas proximidades do Rio Aurá, afluente do Rio Guamá. Inicialmente, o Projeto chamado “Complexo de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana de Belém” seria formado por uma usina de incineração de resíduos de alto risco e uma usina de reciclagem e compostagem, além de um aterro sanitário que, na época, não teria sido efetivado. Por receber uma enorme quantidade de rejeitos sólidos sem estar completamente preparado para processá-los, iniciaram os problemas de riscos aos recursos ambientais e o local também acabou se tornando um lixão a céu aberto.
Os moradores mais antigos da comunidade Santana do Aurá, que vivem, literalmente, ao lado das montanhas de lixo, relembram como era a movimentação de pessoas no local quando iniciaram as atividades no lixão.
“Quando isso começou, muita gente tirava o sustento da família daqui. Eu trabalhei 13 anos lá em cima (do lixão). Meus dois filhos pequenos iam trabalhar lá. Até hoje vivemos de coleta de resíduos. Mas agora só chegam alguns caminhões com entulho e restos de construção, não é mais o lixo domiciliar. Aqui mudou muito depois que parou de chegar o lixo. O movimento era tão grande que quando os coletores foram embora, foi uma modificação enorme. Dava até para perceber que a própria cidade de Ananindeua ficou sem movimentação, tinha pouca gente quando andávamos por aí. Antes era tudo lotado”, relata uma moradora que vive há mais de 26 anos no local e não quis ser identificada.
Condição precária
Apesar das atividades no Lixão do Aurá terem sido encerradas, ainda hoje os moradores do entorno sofrem com as consequências dos problemas ambientais. Fernando Domingues, que vive no local há quase 30 anos, relata que a comunidade padece com as péssimas condições de vida.
“Tem muita mosca, mas é por causa do lixo que ainda sobrou aí. Mas não temos o que fazer, a gente se acostumou com elas. Tem horas do dia que tem muita e depois elas diminuem. Nossa água aqui é completamente poluída. Quem ainda tem condições de comprar uma água mineral escapa. Mas quem não tem, bebe essa água suja mesmo. Não dá para viver sem a água”, conta o aposentado.
Segundo ele, o solo do local também é contaminado. “Aqui é completamente contaminado. Mas a gente ainda planta algumas coisas porque não tem outra solução. Antigamente ainda vinha um pessoal da prefeitura fazer uns exames, eles sempre estavam por aqui. Mas agora parou tudo, ninguém aparece. Esse pessoal mesmo falava que aqui não dá para viver. Eles levavam uns materiais para analisar e depois traziam o resultado para explicar quais as doenças que a gente poderia pegar se vivesse aqui. Eu sempre falo, quem beber um copo de água aqui não vai nem para casa, vai direto pro hospital”, afirma Fernando Domingues.
O morador diz que a comunidade vive nas condições atuais e acabou naturalizando a situação. “Aqui nós acostumamos com esse negócio, porque antes era horrível. Ninguém sente nem o mal cheiro. Quando o vento bate na direção de casa, fica um mal cheiro leve ainda”, diz.
Chorume
Algumas pessoas da comunidade relataram que o chorume continua a ser produzido no lixão. Além disso, vários ribeirinhos que vivem às margens do Rio Guamá também estariam até hoje convivendo com o líquido poluente que escoa.
“Nós éramos prejudicados, mas não tanto quanto os ribeirinhos. Tem uma parte do lixo, que é o limpa fossa, que jogava toda a água com fezes no lixão e isso acabava escoando para outra comunidade lá dos ribeirinhos. Descia o chorume e tudo por uma parte que é mais baixa, não tinha tratamento. Até hoje ainda desce pelo braço do rio aqui. Nem peixe se cria mais lá”, relembra uma moradora que se identificou apenas como Socorro.
Um morador da comunidade Conjunto Verdejante IV, que fica no bairro de Águas Lindas, no entorno do Lixão do Aurá, conta que vários familiares que vivem próximo ao Rio Aurá confirmam a informação sobre a contaminação e até doenças de pele.
“Todos os meus parentes de lá do igarapé cansaram de falar sobre a água que escorre do lixão e também da poluição de peixes. Quando dá a enxurrada do chorume é centenas de peixes morrendo. Até hoje ainda tá porque escorre para uma parte do igarapé. Quando a maré tá seca, não dá para tomar banho na casa da minha tia. A água fica barrenta, imunda mesmo. Já vi isso várias vezes que fui para lá. Ainda tem sofrimento em relação ao lixão. Dá muita coceira no pessoal para lá por causa disso”, expõe o morador, que preferiu preservar a identidade.
Outro problema que atinge os moradores próximos ao lixão é a fumaça. Vera Lúcia Rocha, que mora em frente ao paredão de lixo, fala que o problema é constante. “É ruim porque tem essa fumaça e a gente fica com tosse. Não sabemos o que tem ou o que estamos inalando. Não sei o que eles fazem aí dentro do lixão que ninguém vê. Só sei que queimam o lixo e vem essa fumaça. Tinha dias que ficava igual uma neblina e fedia muito também”, relata.
Conforme Vera Lúcia, muitas vezes a fumaça também acaba ocorrendo devido ao intenso calor. “Isso aí é quente demais, por isso, o lixo acaba pegando fogo também. Quando tá muito seco gera fogo sozinho. Há alguns meses isso tudo pegou fogo. A fumaça invadia. Mais prejudicados somos nós que moramos bem aqui na frente do lixo, mas não temos o que fazer sobre o problema”, assegura.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Ananindeua (Sesau) informa que o acompanhamento dos moradores do Aurá é realizado tanto pela pela Unidade de Saúde, quanto pelas equipes de Saúde de modo contínuo. Além disso, declararam que os Agentes Comunitários de Saúde do órgão mantêm visitas contínuas nas residências, monitorando e prestando assistência aos moradores do bairro do Aurá.
A vida dos ex-catadores
Mais de mil pessoas chegaram a trabalhar no Lixão do Aurá quando ele ainda recebia os resíduos sólidos. Atualmente, o local garante o sustento direto de aproximadamente 200 catadores, que recolhem materiais como plásticos, ferro e alumínio para vender. Duas moradoras do local, que chegaram a trabalhar como catadoras, dizem que alguns familiares ainda vivem da coleta de resíduos.
“Lá em casa a gente se sustenta disso. Antes era um trabalho informal bom. Vinha gente de tudo que é canto para cá. Até pessoas de cidades do interior do estado chegavam aqui, montavam barracas no meio do lixo e passavam meses se sustentando disso. Só que agora é difícil porque depois que parou de chegar os resíduos o que tem aí no lixão não dá muito lucro. Mas é a única alternativa de alguns moradores que não tem outra forma de ganhar dinheiro. Por isso o pessoal trabalha catando algumas coisinhas que sobraram”, diz uma ex-catadora que não quis se identificar.
Alguns moradores também lamentaram não ter como mudar de endereço. “É difícil morar tão perto assim do lixão. Mas foi a questão da sobrevivência já que não temos muito dinheiro. Uma casa aqui já é difícil manter, que dirá lá fora. Ninguém vai poder comprar. De onde eu iria arranjar esse dinheiro?! Temos que nos acomodar por aqui e provavelmente vai ser até morrer”, revela Fernando Domingues.
Mesmo com todos os problemas relacionados ao meio ambiente e a questão da saúde, algumas dessas pessoas que trabalharam como catadores chegaram a afirmar que gostariam que o lixão voltasse a funcionar, para que eles pudessem lucrar novamente com as atividades. “As autoridades não querem que voltem a abrir. A gente tirava dinheiro para comer, almoçar e merendar. Tinha coisas boas na casa, agora restou o ruim e o pior. Se fosse para voltar, muita gente ainda ia querer, essa é a verdade”, conclui seu Fernando.
Aterro de Marituba
A Guamá Tratamento de Resíduos, empresa responsável pela administração do aterro de Marituba, declara que não há possibilidade de o aterro se transformar em um lixão, pois se trata de uma área privada, com investimentos programados.
Conforme o comunicado enviado à redação integrada de O Liberal, após o encerramento das operações de recebimento de resíduos em Marituba, a empresa manterá as medidas de manutenção e controle ambiental, como o gerenciamento de chorume e biogás por até 20 anos, seguindo diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Eles afirmam, ainda, que diferentemente de um lixão, onde os resíduos sólidos são depositados a céu aberto sem qualquer medida de proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas, o aterro sanitário de Marituba é ambientalmente adequado e a Guamá segue padrões internacionais no tratamento de seus resíduos, cumprindo todas as licenças ambientais. Os administradores do aterro de Marituba afirmam ter o compromisso de manter um ambiente de trabalho seguro, preservando o meio ambiente e contribuindo com iniciativas de responsabilidade social e saúde pública. Após o período de 20 anos, assim como ocorreu com aterros que foram fechados nos Estados Unidos e Europa, o terreno em Marituba estará preparado para se transformar em parques ou centros ambientais.
Qual a diferença entre aterro sanitário e lixão?
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, é necessário entender que existem três categorias para os locais de descarte dos resíduos sólidos: lixões e aterros controlados, que se encontram na mesma categoria; e aterros sanitários, estruturas com infraestrutura controlada mais adequadas.
De acordo com o dado, lixão e o aterro controlado são muito parecidos pois neles ocorre destinação irregular de resíduos. O lixão não tem controle nenhum e o aterro controlado, como diz o nome, possui um certo controle, mas sem garantia de adequação ambiental. Já o aterro sanitário, em tese, é uma obra de engenharia preparada para ser utilizada no armazenamento de rejeitos.
Fonte: Ministério do Meio Ambiente
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