Doença de Chagas: MP emite recomendação para Belém, que registrou 41 casos e 9 surtos em 2023
No Pará, foram 518 casos da doença e dois óbitos no ano passado, segundo a Sespa
Nesta sexta-feira (9), o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) emitiu uma recomendação direcionada à Secretaria de Saúde do Município de Belém (Sesma), da Prefeitura de Belém, solicitando a criação de um grupo de trabalho específico no combate à doença de Chagas, que vem apresentando um aumento no número de casos no Estado. A recomendação foi assinada conjuntamente pela 3ª Promotora de Justiça do Consumidor de Belém, Regiane Ozanan, e pela promotora de Justiça Erica de Sousa, coordenadora do Núcleo do Consumidor (Nucon/MPPA). Em Belém, somente em 2023, foram confirmados 41 casos da doença, com a identificação de nove surtos em diferentes bairros da capital, e registro de dois óbitos, conforme apontam dados Sesma.
Ainda segundo a Sesma, nove casos suspeitos continuam em investigação. Já em 2022, foram confirmados 34 casos, com registro de uma morte. "O número de casos confirmados está dentro do esperado no que se refere à média histórica pré-pandemia para a capital", diz o órgão. E em 2024, até o momento, não houve registro de casos confirmados de doença de Chagas, como garante a Sesma.
A secretaria reforçou que "realiza sistematicamente ações educativas nas áreas onde ocorre registro da doença, orientando a população sobre como identificar o vetor da doença - o inseto conhecido como barbeiro -, assim como os sinais/sintomas e quando buscar assistência médica. Diante de casos confirmados, a Sesma também testa as pessoas que residem com o paciente e faz a busca ativa de casos sintomáticos na vizinhança. Os pacientes são encaminhados para o tratamento, oferecido de forma gratuita via Sistema Único de Saúde (SUS)".
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) informou que, em 2023, foram registrados 518 casos da Doença de Chagas e dois óbitos no Estado. Do total de registros, 41 deles ocorreram em Belém. Em 2022 foram 352 casos da doença no Estado, com três mortes. Sobre as ações de combate à doença, a Sespa informou ainda que se trata de responsabilidade das secretarias municipais de saúde e o Estado vem trabalhando em parceria viabilizando o treinamento de equipes, investigações e ações estratégicas de prevenção.
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A recomendação do MPPA considerou os dados coletados pelo Grupo de Trabalho Chagas, que é vinculado à Sespa. Segundo o estudo realizado no ano de 2023, foram notificados 518 casos de Doença de Chagas aguda no Estado, sendo que destes, 41 casos ocorreram em Belém.
O MPPA destaca a importância da ação, visto que deve haver garantia de segurança no manejo de alimentos que requerem tratamento adequado para serem consumidos, como açaí e bacaba, geralmente feitos por batedores artesanais. As promotoras reforçam que a medida deve prevenir surtos com Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) e minimizar o risco sanitário na manipulação e consumo.
Assim sendo, o MPPA recomenda a criação do grupo de trabalho, e pede à Sesma que a mesma adote as seguintes medidas: encaminhe, em 15 dias, um cronograma de formação do grupo com o nome dos servidores indicados, além de oferecer estrutura mínima de funcionamento do GT; e a partir das informações coletadas pelo GT Chagas sejam adotadas medidas pelo Município de Belém para prevenção, combate e controle da doença de chagas. A Redação Integrada de O Liberal entrou em contato com a Prefeitura de Belém e aguarda retorno.
Infectologista diz que doença é silenciosa e pouco conhecida
O infectologista Alessandre Guimarães disse que a Chagas é uma doença que poucos conhecem, embora afete milhões de pessoas, no mundo todo, com mais de 6 milhões de casos já diagnosticados. A maioria é na América Latina, sendo o Brasil o principal país, e o Estado do Pará, o “epicentro” da doença no território nacional. “Uma verdade difícil de assimilarmos, mas de extrema necessidade que encaremos e passemos a tratar o assunto com a devida importância, sem relativizar os números”, afirmou.
Ele disse que dados da Sespa mostram que, em 2019, por exemplo, foram 281 casos diagnosticados no Pará. Em 2022, esse número saltou para 352 casos, e que 2023 fechou com 518 casos. “Um aumento de mais de 100%, portanto, quando comparado com o ano de 2020”, observou.
O infectologista disse que a doença é “pouco pensada” pelos médicos em sistemas de atendimento e tem sintomas semelhantes ao de outras doenças na fase aguda, como a dengue (febre, dor no corpo, dor de cabeça entre outros sintomas inespecíficos). E, após esta fase aguda, o indivíduo evoluir para uma fase crônica sem muitos sintomas, quem quando surgem, já são decorrentes de quadros crônicos graves principalmente cardíacos e digestivos.
Além disso, disse, a região amazônica acomoda o vetor transmissor, o triatomíneo conhecido como “barbeiro”. Alessandre Guimarães citou a "crise" relacionada ao desmatamento com o homem cada vez mais adentrando na floresta, habitat do vetor barbeiro. E mencionou a dificuldade que se tem de ofertar o diagnóstico rápido (não se tem ainda testes rápidos).
Isso somado à má prática na manipulação de alguns frutos como o açaí (envolvido na transmissão oral da doença e ocasionando diversos surtos). Tudo isso, afirmou, faz com que esses sejam fatores que contribuem para que a doença seja conhecida “como silenciosa e silenciada, e tenha esta escalada na nossa região norte e no nosso Estado”.
Completou o infectologista Alessandre Guimarães: “Vamos aproveitar o dia 14 de abril, dia mundial de combate à Doença de Chagas, e sempre que for oportuno, para alertar à população, principalmente em conhecer e combater o vetor, no cuidado no manuseio do açaí e de caldo de cana, assim como somente consumir o fruto de locais em que o estabelecimento seja certificado pela vigilância sanitária do município. Juntos contra Chagas”.
Transmissão da Doença de Chagas
A Doença de Chagas é transmitida pelo barbeiro infectado, que ao picar uma pessoa sadia deposita fezes contaminadas no ferimento, permitindo a entrada do parasita Trypanosoma cruzi na corrente sanguínea (transmissão vetorial). A doença também pode ser transmitida por via oral, por meio de alimentos contaminados pelas fezes do Tripanosoma cruzy, devido à falta de controle de higiene e de cuidados no momento do processamento. A transmissão congênita (mãe-bebê) também já foi identificada no Pará.
Ainda segundo a Sespa, na fase aguda, os principais sintomas são dor de cabeça, febre, cansaço, edema facial e dos membros inferiores, taquicardia, palpitação e dor no peito e falta de ar. Como os sintomas iniciais parecem com o de outras doenças, a pessoa deve procurar a unidade de saúde mais próxima de sua residência para atendimento médico imediato para fazer os exames.
O diagnóstico precoce é fundamental nos casos de doença de Chagas, pois quanto mais tempo leva para o paciente iniciar o tratamento, mais danos o parasito Trypanosoma cruzi causa no organismo, principalmente no coração e sistema digestivo.
Um paciente com suspeita da doença precisa ser logo notificado e imediatamente encaminhado para exame e início do tratamento. Assim, o paciente com Chagas recebe medicamento específico por dois meses e permanece sob acompanhamento pelo período de cinco anos na atenção básica municipal e, quando necessário, por especialista cardiologista, infectologista e gastroenterologista.
Ações municipais
A Sesma esclarece ainda, o Departamento de Vigilância Sanitária da Sesma (Devisa), por meio do Setor Casa do Açaí, responsável pelas fiscalizações nos pontos de venda, faz inspeção sanitária para verificar o cumprimento das boas práticas de manipulação no processamento do fruto, conforme o Decreto Estadual n° 326, de 20/01/2012. "Durante as fiscalizações, que são realizadas em estabelecimentos que dão entrada no processo de licenciamento, em casos de denúncias, surto e nas ações de monitoramento, os fiscais avaliam a estrutura do local e o processamento do açaí", detalha a nota.
"Caso sejam encontradas inconformidades, são solicitadas correções por meio de documentos, e após um prazo determinado. A Casa do Açaí tem cadastrados mais de 1.000 estabelecimentos e realiza capacitações teórico-práticas para os manipuladores de açaí, garantindo qualidade e entrega de alimento seguro à população. No ano de 2023 mais de 500 manipuladores foram capacitados", pontua a Sesma.
A Sesma ressaltou, ainda, que a Doença de Chagas é uma enfermidade sazonal, que tem maior registro entre os meses de junho e novembro na região amazônica, principalmente por via oral, com o consumo de alimentos contaminados. Nesse período acontece a entressafra de açaí e o consequente aumento do consumo da fruta, que costuma ser usada na alimentação de toda a família, levando a pequenos surtos domiciliares. Na safra também aumenta o número de pontos de venda de açaí não autorizados, que não passam por fiscalização e prévia capacitação sobre o branqueamento, processo de eliminação do agente transmissor da doença", finaliza o comunicado.
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