Belém 408 anos: Bonde elétrico implantado por Antônio Lemos reconfigurou espaços na cidade

Malha viária do novo sistema alcançou bairros mais distantes do centro, levando junto outras ações de urbanização

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal
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Antônio Lemos, enquanto intendente (correspondente ao atual cargo de prefeito) de Belém, foi responsável por uma série de obras de urbanização e embelezamento da cidade. Imbuído do espírito positivista da época, buscou trazer modernidade e novas tecnologias para a capital paraense entre o final do século XIX e início do século XX. 

Um dos avanços tecnológicos implantados por Lemos foi o bonde elétrico, tornando Belém uma das primeiras capitais do país a contar com o sistema. O novo tipo de bonde implicou em mudanças nos espaços de circulação de pessoas e no desenvolvimento urbano, com ampliação de sua malha viária e consequente expansão da cidade. 

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A implantação dos bondes elétricos ocorreu junto à ampliação da iluminação elétrica, realizadas pela empresa londrina The Pará Electric Railways and Lightning Company Limited (Companhia de Ferrovias Elétricas e Iluminação do Pará Limitada, em tradução livre). Antes do bonde movido a eletricidade, Belém já era servida por linhas de bondes de outros dois tipos: de tração animal e a vapor

“Naquele momento, era necessário contar com um transporte mais veloz, que substituísse as locomotivas a vapor ou os bondes de tração animal. Além disso, havia uma preocupação com os dejetos produzidos pelos animais que puxavam os bondes e com os chamados ‘fumos’ oriundos da maria-fumaça da locomotiva a vapor”, explica George Lima, doutorando em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará.

"Nesse sentido, o bonde elétrico era uma vantagem em relação à salubridade urbana e ao combate dos miasmas, ou seja, o que se acreditava serem os focos das doenças contagiosas, na época", completa o pesquisador. À época, acreditava-se que o ar contaminado por partículas em decomposição poderia transmitir doenças.

image Bondinho circula em frente à Catedral da Sé (Foto: Obra "Impressões do Brazil no Século Vinte", de 1913)

O pesquisador afirma que não é possível desassociar o serviço de bondes elétricos e de iluminação pública à intenção modernizadora e higienista de Lemos. “A velocidade e a iluminação elétrica possuíam forte significado em termos de avanço científico, o que ratificava os bondes elétricos como símbolos de civilização e modernidade”, pontua Lima.

Consolidação da Pará Eletric 

A Pará Electric Railways and Lightning Company Limited inaugurou sua primeira linha de bonde elétrico em agosto de 1907. Gradativamente, foram implantadas dez linhas, concentradas em bairros mais centrais da cidade, com poucas viagens cobrindo bairros periféricos.

Inicialmente, as linhas de bonde elétrico cobriam partes da cidade que já eram atendidas previamente pelos bondes a vapor e por tração animal. Porém, com o tempo, trilhos do bonde elétrico começaram a alcançar outras áreas, como os bairros da Cremação, da Pedreira e do Souza. A chegada dos trilhos provocou uma remodelação dos bairros e reorganização espacial da cidade, não só por conta das novas vias abertas, mas pelo aumento da mobilidade e outras obras de infraestrutura, como calçamento, drenagem e outros serviços.

“O número de linhas oferecidas pela The Pará Eletric era maior em relação às concessionárias anteriores. A rede de trilhos aproveitava bastante do sistema prévio, porém, novas frentes vinculadas ao novo cemitério da José Bonifácio, à Usina de Cremação ou à expansão da linha da Padre Eutíquio viabilizavam a consolidação de áreas ainda mais distantes do centro tradicional da cidade: os bairros do Jurunas, Cremação e Guamá. A última linha inaugurada pela empresa, em 1927, representa a linha da Pedreira, que consolida o bairro de mesmo nome”, detalha o doutorando.

image Estação do bonde elétrico, registrando destinos como Marco, Souza e Cremação; mais tarde, linhas de ônibus adotaram mesmos itinerários e paradas dos bondes (Foto: Acervo do pesquisador estadunidense Allen Morrison)

Segundo George Lima, as linhas criadas pelos bondes acabaram determinando a definição dos trajetos das linhas de ônibus, posteriormente. “Essa disposição das linhas se vincularia de maneira tão forte com a consolidação das áreas ocupadas na cidade, que após o fim do serviço, em 1947, os ônibus reproduziriam, em grande medida, as linhas e paradas dos bondes. Até mesmo atualmente, muitas das linhas passam nos mesmos pontos dos bondes,” relata.

Declínio: bondes dão lugar aos ônibus

Em 1911, surgiu o primeiro serviço de ônibus em Belém. Com a concorrência de um transporte mais rápido e mais seguro, os bondes foram perdendo cada vez mais passageiros. Isso complicou a situação financeira da Pará Eletric e o serviço prestado decaiu em qualidade, com constantes interrupções de energia e péssimas condições dos bondes. Em abril de 1947, depois de uma intervenção federal na empresa, o tráfego de bondes foi suspenso

image Avenida Portugal e Praça do Relógio, em 1930, com bondes elétricos ao fundo (Foto: Acervo do pesquisador estadunidense Allen Morrison)

Turismo e abandono

Em 2002, a Prefeitura de Belém decidiu reimplantar uma linha de bonde, com finalidade turística, na Cidade Velha. Para isso, foi adquirido um bonde em Campinas (SP) e foram instalados quase dois quilômetros de trilhos, em um percurso histórico, passando por pontos como Rua João Alfredo, Catedral da Sé e Feira do Açaí.

Após a inauguração, com uma primeira viagem, o projeto foi abandonado por gestões municipais posteriores. Hoje, tanto o bonde quanto a estação que o abriga encontram-se sem utilidade.

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