Bater nos filhos pode dar cadeia? Saiba o que diz a lei

Especialistas explicam como educar as crianças sem usar de violência

Dilson Pimentel

As imagens de um pai agredindo as filhas, em uma praia, em Salvador (BA), no dia 1º deste mês, levantaram discussões sobre o assunto. Mas, afinal, bater nos filhos pode dar cadeia? A presidente da Comissão do Direito das Famílias e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Pará, Vivianne Saraiva, citou uma lei recente, a 14.344, de maio de 2022 e a mais conhecida como “Lei da Palmada (lei 13.010/2014)”. As leis criam mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra criança e adolescente.

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Essas leis proíbem qualquer tipo de castigo físico que gere sofrimento físico aos filhos, às crianças e adolescentes. Também proíbem qualquer tipo de omissão e qualquer tipo de violação sexual ou até violação psicológica dessas crianças e adolescentes.

A lei criou medida protetiva em relação às crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. É muito parecida com a violência doméstica da lei Maria da Penha (violência contra a mulher).

A advogada Vivianne Saraiva explicou que, quando se fala no âmbito familiar, não necessariamente precisa ser dentro de casa. O âmbito familiar é estar convivendo com a família em qualquer local também social - ou seja, na praia, como ocorreu nesse caso.

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As leis preveêm sanções para os pais que agridem seus filhos. Esse genitor pode, primeiro, sair de casa, ter a restrição de convivência do âmbito familiar. Pode ser obrigado a se retirar de casa se causar risco à integridade física, psicológica e sexual desta criança.

“Pode sim gerar a prisão desse agressor, dependendo do nível da agressão”, explicou a advogada Vivianne Saraiva.

Agressor pode ter suspenso o direito de conviver com a criança que ele agrediu

O agressor também pode ter que prestar pensão alimentícia de forma imediata a essa criança. Se o agressor for o pai ele é, provavelmente, o provedor da casa.

Também pode ser suspenso o direito de convivência com essa criança ou adolescente, que estarão em situação de risco quando em contato com esse agressor. Ainda segundo a lei, essa criança também tem grande proteção do Estado. Proteção de acolhimento, caso necessário. E também pode receber acompanhamento psicológico para ajudar na recuperação do trauma da violência física, sexual ou psicológica.

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Mais: sobre o depoimento dessa criança, ela deve ser ouvida de uma forma que não gere sua revitimização – isso ocorre quando ela precisa repetir o mesmo relato na Polícia, depois na Justiça, Conselho Tutelar. Contar a agressão faz com que ela reviva esse trauma.

Na esfera civil, e dependendo do nível da agressão, pode resultar na perda do poder familiar. Ou seja: retirar esse pai da certidão de nascimento dessa criança e desconstituí-lo como genitor.

“Mas essa desconstituição por agressão não tira os deveres dele, só tira os direitos. Isso é muito interessante no direito de família. Isso significa que o filho não vai perder o direito à herança e nem à pensão alimentícia”, descreveu a advogada Vivianne Saraiva.

O que essa criança vai ganhar com essa destituição do poder familiar é nunca mais na vida vai precisar ter contato com esse genitor e nem esse genitor terá autoridade parental com essa criança. “Não tem nenhum poder de mando na vida dessa criança ou adolescente quando isso acontece”, explicou.

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A Comissão do Direito das Famílias e Sucessões não atua de forma direta nas ações. Mas faz o encaminhamento para os órgãos competentes - Ministério Público, por exemplo.

Sociedade brasileira é violenta com a infância, diz psicóloga infantil Thais Lobato

A psicóloga infantil e educadora parental Thais Lobato disse que a sociedade brasileira é totalmente intolerante e violenta com a infância. “A gente vem de gerações que querem educar através da violência. Hoje, a gente precisa se reeducar”, disse.

“Os pais precisam entender que as crianças têm um cérebro imaturo. Não é através da violência que a gente vai educar essa criança. A gente tem que parar de naturalizar essa violência com as crianças. Parar de naturalizar que a educação é através de bater”, completou a psicóloga Thais Lobato.

Essa criança vai sentir medo na hora em que está apanhando. Não é que ela vai obedecer. “Ela simplesmente não vai fazer aquele ato, aquele comportamento novamente, porque vai ter medo. A gente precisa entender, pela neurociência, que é impossível aquela criança ter uma maturidade que o adulto quer dela”, explicou a  psicóloga infantil Thais Lobato.

Ela está ainda em formação neurológica e emocional. Portanto, explicou, quem tem que estar equilibrado, orientando essa criança, é o adulto. Essas agressões podem trazer muitas consequências para essa criança, que vai crescer achando que, para resolver os problemas, é através da violência.

“Vai crescer sendo controlada através do medo. E isso pode gerar muitas coisas na vida adulta dela: pode ser submissa às pessoas, pode ter um transtorno de ansiedade, transtorno do pânico. Pode também crescer reproduzindo o que aprendeu: resolver os problemas através da violência – pode bater em outras pessoas”, disse Lobato.

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A psicóloga afirmou que existe a possibilidade, concreta, de educar a criança pelo diálogo, pela conversa, do respeito. “Pode impor, sim, limites para a criança, mas sem violência”, afirmou.

image A lei 14.344, de maio de 2022 e mais conhecida como “Lei da Palmada”, cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra criança e adolescente (Artyom Kabajev / Unsplash)

Traumas ficam preservados na memoraria da criança, diz psicóloga Danielle Almeida

A psicóloga Danielle Almeida citou que, nesses casos, os traumas psicológicos ficam preservados na memória da criança e do adolescente em virtude de uma agressividade excessiva.

E, como a agressão foi amplamente divulgada nas redes sociais, como ocorreu nesse episódio na praia, há esse trauma contínuo. A criança já passou pela agressão física e, claro, a questão verbal. E a criança, que passou pela agressão física, agressão verbal, passa a rever esse momento tão traumático.

“Por isso podemos falar sobre esse trauma contínuo porque, no momento em que tento esquecer, já passaram as marcas físicas da agressão, mas eu tenho a filmagem preservada e, em algum momento, aquilo volta. Existe esse grande sofrimento”, disse a psicóloga Danielle Almeida.

As crianças que sofrem essas agressões podem ter baixa autoestima, dificuldades em se relacionar, porque cada pessoa passa a ser um agressor em potencial. E também podem desenvolver transtornos mentais como depressão, ansiedade até chegando aos mais severos, como esquizofrenia.

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“É necessário ter cautela no momento que vai chamar a atenção de uma criança e de adolescente, para que a pessoa não se exceda”, afirmou.

No caso de ter perdido os filhos na praia, esse pai sentiu medo e ficou preocupado com o sumiço temporário dos filhos. “Mas que isso não venha como forma de agressão para punir as crianças. E, sim, como um aviso, um cuidado maior para que mantenha as crianças sempre próximas”, disse.

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