Atraso de pagamentos afeta cerca de 70% dos médicos da rede municipal, diz sindicato
A crise mais recente na saúde já dura cerca de seis meses. Pagamentos atrasados começaram a ser pagos na sexta-feira, 10, mas não sanam o problema
Há cerca de seis meses, Belém vive em estado de colapso na saúde municipal, com uma série de paralisações promovidas por profissionais de diferentes categorias que reivindicam pagamentos atrasados. As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), como as da Marambaia e Jurunas, e os Hospitais Pronto-Socorros Municipais, como os do Guamá e da 14 de Março, estiveram entre as principais unidades afetadas. Na outra ponta, a população sofre com dificuldade de acesso aos serviços, que funcionam de maneira limitada e precária. Segundo o diretor de Comunicação do Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), Wilson Machado, cerca de 70% dos médicos da rede municipal convivem com o problema crônico de atrasos no pagamento, principal motivo das paralisações.
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Wilson afirma que o pagamento de algumas folhas, feito pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), na última sexta-feira, 10, só ameniza, mas não resolve o problema. A redação integrada de O Liberal solicitou tanto à Sesma quanto ao Sindmepa dados de quantos são os profissionais nessa situação e qual a soma total dos salários atrasados, mas a Secretaria não deu retorno e o sindicato disse não ter esse balanço.
O histórico da crise atual na Saúde em Belém data, pelo menos, desde setembro do ano passado, quando, já no dia 1º, cardiologistas que atuam no Hospital Beneficente Portuguesa e no Hospital da Ordem Terceira, via cooperativa (Coopecardio), pararam de realizar cirurgias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como uma forma de cobrar não apenas os repasses atrasados da Sesma, como também a falta de reajuste contratual que já se estende desde 2011, afirma o diretor da cooperativa Alberto Anijar. Uma fonte do Hospital Beneficente que preferiu não ter a identidade divulgada revelou que há, atualmente, uma fila com pelo menos 300 pessoas à espera de cirurgias cardíacas pelo SUS. A concentração dos procedimentos está sendo feita no Hospital das Clínicas Gaspar Vianna, que não estaria dando conta da demanda.
Ainda em setembro do ano passado, médicos das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) da Marambaia e Jurunas paralisaram por estarem sem receber desde agosto. Nos meses seguintes, até o ano atual, várias outras unidades de saúde e trabalhadores do setor, como porteiros, seguranças e agentes de limpeza também pararam as atividades, em diferentes momentos, pelas mesmas razões. O assessor jurídico do Sindicato das Empresas de Serviços Terceirizáveis, Trabalho Temporário, Limpeza e Conservação Ambiental do Estado do Pará (Senac-PA), Francinaldo Oliveira, chegou a informar que mais de 400 trabalhadores entre agentes de portaria, de segurança armada e de 'serviços gerais' já foram desligados do trabalho na rede municipal de saúde nos últimos tempos, "afetando diretamente a qualidade do serviço prestado à população nas unidades de saúde, em duas coisas que são fundamentais, higiene e segurança".
Mais recentemente, as paralisações registradas foram nas UPAs da Marambaia (05/01 e 1º/02) e do Jurunas (1º/02) e no Hospital Pronto-Socorro do Guamá Dr. Humberto Maradei Pereira, o HPSM do Guamá, (09/01) sendo que, este último, até quinta-feira, 9, estava atendendo apenas casos de urgência e emergência, ou seja, pacientes considerados graves de acordo com o protocolo de Manchester.
Na última segunda-feira, 6 de fevereiro, em reunião com o Sindmepa, o secretário municipal de Saúde, Pedro Anaisse, pediu um prazo de 90 dias para avaliar e solucionar a crise orçamentária no setor. Na quarta, 8, a Secretaria informou ao sindicato dos médicos que fez o repasse de verba para a Organização Social (OS) que administra as UPAs da Marambaia e do Jurunas e esta deveria efetuar os pagamentos até sexta, 10. O mesmo ficou acordado quanto à UPA da Terra Firme. Já na sexta-feira, a própria Sesma faria o pagamento dos médicos do HPSM do Guamá.
Problemas com pagamento são crônicos, diz sindicato
O diretor de Comunicação do Sindmepa, Wilson Machado, explica que o cenário caótico instalado na capital se deve, entre outras coisas, ao fato de que a maioria dos médicos que trabalham na saúde municipal exercem a profissão por meio de contratos, muitas vezes sem as devidas seguridades. "Só 30% dos médicos que atuam na rede municipal são efetivos, ou seja, são servidores ligados à Sesma. A grande maioria são contratados ou como Pessoas Jurídicas, ou por meio das cooperativas, Organizações Sociais ou até mesmo por meio de contratos verbais. Todos esses 70% sofrem com um problema crônico de atrasos nos pagamentos, por isso, de tempo em tempo, eles paralisam as atividades como forma de cobrar resposta do governo municipal", comenta.
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Em nota enviada na última sexta-feira, 10, à redação de O Liberal, a Sesma chegou a negar que houvesse atrasos nos pagamentos, alegando que "todos os médicos prestadores de serviço em escala de plantão para a rede de saúde do município recebem 60 dias após os plantões realizados (...) Por isso que a Sesma reiterou que não havia atrasos nos pagamento e portanto não havia motivo para os médicos do PSM do Guamá pararem os atendimentos. Tanto é que os médicos que se encontram nesse mesmo regime no PSM da 14, e nas 5 UPAS administradas por Belém seguiram realizando os atendimentos normalmente".
No entanto, o Wilson Machado diz que a afirmação não é verdadeira.
"Em Belém tinha OS com mais de 5 meses de repasses atrasados pela Sesma. Em contrato entre a Sesma e a OS, existe uma regra que diz que a Organização Social contratada pelo município tem que ter caixa para suprir o pagamento da equipe por até três meses em caso de atraso de repasse do município. Mas para o médico e para o sindicato isso pouco importa. Não somos nós que vamos cobrar da OS, se o hospital é da Prefeitura. É responsabilidade dela contratar OS. O médico, quando recebe, recebe por um serviço que já foi prestado, então ele tem por direito ser pago. Não vai ficar 90 dias esperando", afirma o diretor de comunicação do Sindmepa.
Além disso, Wilson Machado diz que os pagamentos efetuados na última sexta-feira só atenuam momentaneamente o problema, não chegando a sanar as dívidas do município com os prestadores de serviço. "O prometido para os trabalhadores da UPA da Marambaia e do Jurunas foi o pagamento de uma folha e meia, mas eles estão com três folhas atrasadas. A UPA da Terra Firme ficou de receber duas folhas, vai ficar faltando uma. Já os HPSMs da 14 de Março e do Guamá ficaram de ter uma folha paga, mas têm duas em aberto. Ou seja, esse pagamento ameniza e os profissionais voltam a trabalhar. Mas no próximo mês, se atrasar de novo, tem paralisação de novo. É um ciclo que já é crônico".
Além de tentar tornar pública a dificuldade enfrentada pelos médicos, "para que a população saiba que os médicos não estão parados por não querer trabalhar", Wilson diz que o sindicato tem denunciado esses problemas ao Ministério Público do Estado Pará (MPPA). Sobre a situação dos cardiologistas que já estão, há cinco meses, sem realizar cirurgias em Belém, por exemplo, ainda no ano passado, o Sindmepa participou de uma reunião entre o MPPA e a Sema e uma Ação Civil Pública chegou a ser ajuizada, no dia 19 de dezembro, em desfavor do município, fixando uma multa diária de R$ 5 mil por cada dia de descumprimento, caso as cirurgias cardíacas no Hospital Beneficente pela rede SUS não fosse retomada.
Sobre isso, o MPPA esclareceu, na última quinta-feira, 8, que a medida ainda está dependendo de avaliação da Justiça: "a Promotoria de Justiça de Saúde, ao receber informações sobre a demanda, de pronto diligenciou em inspeção no hospital Beneficente Portuguesa e confirmou a fila de espera de pacientes adultos cardiológicos. Em razão de não obter resposta do Município, naquele momento, interpôs uma ação judicial cujo pedido de tutela ainda não foi apreciado pelo Poder Judiciário"
O MPPA afirma que, por meio da Promotoria de Justiça de Saúde, tem acompanhado as denúncias que chegam até o órgão e tem agido restritamente dentro de medidas que visam garantir a continuidade dos serviços em saúde à população, não incluindo aí as questões relativas às negociações de pagamentos entre o município e as empresas e prestadores de serviço: "a Promotoria tem sido comunicada, por cooperativas de profissionais de diversas especialidade e empresas contratadas pela Sesma, de recorrentes atrasos de pagamentos por parte da Secretaria de Saúde com ameaça de paralisar os serviços. De imediato a Promotoria tem atuado para que o serviço de saúde não paralise, nas questões relativas ao atendimento à população. Não é objeto das referidas ações as pautas contratuais entre o Município de Belém e as cooperativas de médicos e empresas", afirma em nota.
População teme ficar ainda mais prejudicada
No meio do fogo cruzado entre os agentes ligados à saúde municipal está a população usuária de UPAs e HPSMs da capital paraense, que temem que as negociações não avancem ou que o problema continue retornando até o ponto em que as unidades de saúde parem de atender aos pacientes. A cozinheira Celeste Carneiro, de 50 anos, por exemplo, teve que procurar atendimento médico para a mãe de 90 anos no HPSM do Guamá, na última quinta-feira, 8, mesmo morando longe da unidade, no bairro do Tenoné, uma vez que na unidade mais próxima, a UPA de Icoaraci, não conseguiu nenhum atendimento.
"Essa saúde no nosso estado está uma vergonha! Eu cheguei a ir para a UPA de Icoaraci com ela e nem remédio tinha! Nem para fazer um teste de glicose. A minha mãe ficou jogada em cima de uma maca de ferro, no frio. Meu irmão teve que assinar um termo para tirar ela de lá. Então nós ligamos para o 192 e trouxeram a gente para cá, para o PSM do Guamá. Ela está aí desde ontem à noite, está na sala vermelha porque o caso dela é grave", relata.
Celeste diz que foi bem tratada pela equipe médica do HPSM do Guamá e não tinha do que reclamar. Por isso, ela teme que a permanência dos problemas levem os médicos a paralisarem novamente: "Se eles pararem, vai ser ruim né? Como é que minha mãe, que tem 90 anos, vai ficar sem médico? E se o médico trabalha, ele tem todo o direito de receber salário! Quem quer trabalhar de graça? Aqui, eles estão entregando a vida deles, deixando o sono, deixando a casa, deixando a família pelo trabalho e justamente querem ganhar seu salário. Se eles paralisarem tudo vai ficar muito ruim. O que eu vou fazer com a minha mãe num hospital sem médico? E se eu levar para casa vai ser pior! Como eu vou cuidar se eu não tiver o suporte necessário? Nós precisamos do hospital, precisamos de médico!".
A estudante Elza Carvalho, de 47 anos, também tem o mesmo temor. Com a mãe recém operada internada no HPSM da 14 de Março, ela reclama da falta de medicamentos e do medo de ficar sem atendimento.
"Aqui está sem remédio e sem curativo. Parece que estão controlando o uso de antibióticos para não faltar. A minha mãe está com duas semanas operada e não tomou o antibiótico ainda. Se eles paralisassem eu teria que transferir minha mãe para algum lugar porque ela precisa dessa medicação. Os médicos estão fazendo o que eles podem", afirma.
Entre os usuários das UPAs o sentimento é semelhante. Na UPA do Jurunas, a servidora Sara Carneiro, 47, entrevistada na quinta-feira, 8, disse que o atendimento seguia de modo restrito, com apenas um médico no plantão e os atendimentos espaçados com intervalos de duas a três horas.
"Não tem médico, só tem um. O atendimento aqui está sendo feito em cada duas ou três horas, a moça acabou de me falar lá dentro. Eu estou na urgência esperando atendimento, porque eu acho que tenho reumatismo e quase não posso mais andar. Mas ela disse que eu vou ter que esperar todo esse tempo para ter atendimento com o médico. Aqui eles entram em greve com frequência. Mês passado eu vim aqui e eles estavam tudo em greve", reclama.
Na UPA da Marambaia, a funcionária do lar Michele Santos, de 49 anos, teve mais sorte, chegando a ser atendida sem complicações na quinta-feira, por isso, ela diz que lamenta muito quando a unidade deixa de atender por causa das paralisações.
"Aqui nós somos bem atendidos, os médicos são muito bons, então, não pode parar. Precisa continuar funcionando. Para isso, tem que fazer os pagamentos direito para eles, porque eles precisam, assim como nós precisamos deles também. De vez em quando eu preciso daqui, já vim à noite, de madrugada e hoje, pela manhã, sempre fui bem atendida. Não quero que pare não. Todos precisam daqui".
A Via-crúcis dos trabalhadores da saúde em Belém
1º de setembro de 2022 - Paralisação de cardiologistas
27 de setembro de 2022 - Paralisação nas UPAs da Marambaia e Jurunas
24 de novembro de 2022 - Paralisação de trabalhadores de serviços gerais do HPSM da 14
06 de dezembro de 2022 - Protesto dos trabalhadores de serviços gerais (várias unidades)
25 de dezembro de 2022 - Paralisação na UPA da Marambaia
28 de dezembro de 2022 - Sidmepa publicou uma nota informando que o HPSM da 14 e do Guamá, bem como as UPAs estavam sem traumatologista
05 de janeiro de 2023 - UPA da Marambaia paralisada desde o último Natal
06 de janeiro de 2023 - UPA de Icoaraci e Mosqueiro anunciaram greve a partir do dia 7
08 de janeiro de 2023 - profissionais do HPSM do Guamá paralisam durante a noite
10 de janeiro de 2023 - médicos do PSM do Guamá tiveram uma primeira reunião com o novo gestor da Sesma
11 de janeiro de 2023 - Sesma informou que fez os repasses para as Organizações Sociais (OS) que administram as UPAs da Marambaia, Terra-Firme e Jurunas
6 de fevereiro de 2023 - Sindmepa se reuniu com a Sesma, que pediu prazo de 90 dias para avaliar e solucionar a crise orçamentária no setor
Paralisação sem data especificada: anestesistas há 8 meses sem pagamentos (Sindmepa)
FONTE: LEVANTAMENTO FEITO JUNTO AO SINDMEPA
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