Área comercial de Belém é tomada por consumo e tráfico de drogas

Em meio a essa realidade, a capital também conta com centros especializados para atendimento de quem está em sofrimento por conta do uso de droga

Saul Anjos e Igor Wilson
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A área comercial no centro de Belém expõe o problema social do consumo e venda drogas, sendo em sua maioria maconha, crack e oxi, em vários horários do dia, conforme constatado pela reportagem de O Liberal com vários flagrantes. No entorno da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, no bairro da Campina, por exemplo, transeuntes que preferiram nem se identificar se referiram ao local como uma nova "Cracolândia" - comparação alusiva à famosa área localizada no centro da cidade de São Paulo, no bairro de Santa Efigênia, onde historicamente se desenvolveu intenso tráfico de drogas.

Em meio a essa realidade avaliada como chocante por vários moradores, a capital também conta com centros especializados para atendimento de quem está em sofrimento por conta do uso abusivo de drogas. Espaços como esses acolhem e renovam a vida de quem luta contra o vício. 

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No Estado, o serviço público de saúde estadual oferece uma rede especializada de tratamento de dependentes químicos nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps-AD).

No dia 23 de maio, a reportagem de O Liberal foi às ruas de Belém ao longo de uma manhã, nos bairros do Reduto, Cidade Velha e Campina. No estacionamento do Complexo do Ver-o-Peso, houve o flagrante do consumo de entorpecentes e, até mesmo, de uma mulher comprando drogas. Com receio, flanelinhas do espaço afirmaram que essa é uma situação frequente. Eles não quiseram se identificar, mas falaram da situação. “Já é comum para nós isso [consumo de drogas]. Eles [usuários] conhecem a gente, então é mais tranquilo”, disse um trabalhador do estacionamento.

image Na área do Ver-o-Peso é possível ver o consumo e comercialização dos entorpecentes. (Thiago Gomes/ O Liberal)

Próximo ao Complexo, mais precisamente em frente à Praça Dom Pedro I, localizada perto do Palácio Antônio Lemos, pessoas consumiam drogas na mesma manhã. Mais distante, já na Campina, na travessa 1º de Março, homens e mulheres se reuniam à beira da calçada usando drogas sintéticas.

À noite, na avenida Boulevard Castilho França, a Estação das Docas estava lotada e centenas de pessoas, entre casais e famílias, confraternizam com música e alegria, caraterísticas de um dos principais pontos turísticos da capital paraense. Fazia uma noite propícia para a diversão. Em frente ao prédio vizinho, os isqueiros acendiam quase que ininterruptamente. Em cima de papelões ou mesmo sobre o chão frio, um grupo de mais de dez pessoas usava crack. A fumaça saia dos cachimbos, exalava, mas não parecia incomodar os clientes que entravam ao local. Para quem vive ou trabalha nas proximidades, existe a percepção de que os dependentes químicos se multiplicaram nos últimos anos. 

image Na travessa 1º de março, no centro comercial de Belém, também é possível encontrar pessoas consumindo drogas em plena luz do dia. (Thiago Gomes/ O Liberal)

Ainda nessa mesma noite, de volta às ruelas do Comércio, em torno da Igreja das Mercês, próxima a viaturas da Polícia Militar, na Praça do Relógio e até mesmo bem ao lado da Estação das Docas, vários grupos em condição de dependência química, consumindo pedras de crack, que também é conhecido como oxi. Uma realidade constatada dia e noite, configurando um problema crônico diante dos principais cartões postais da capital. E onde tem demanda, tem oferta. Os traficantes são fáceis de encontrar. A droga é barata, cinco reais por uma pedra. Seres humanos, histórias de sofrimento, agonia, desemprego, traições, depressão, dor. A pedra chegou como refúgio, mas se tornou a verdadeira prisão.

image Próximo a igreja das Mercês dependentes químicos consomem pedras de crack. (Cláudio Pinheiro/ O Liberal)

A reportagem procurou a Guarda Municipal de Belém, para entender como é feita a fiscalização, a apreensão, a investigação e o combate do consumo e do tráfico de drogas em Belém e no Pará. Não houve retorno até o fechamento desta edição.

Já a Polícia Civil informou que atua diariamente no combate ao tráfico de drogas na capital, Região Metropolitana e interior do Pará. "Em unidades de bairro e seccionais são realizadas diligências de apuração do Disque Denúncia 181, monitoramento, cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereço de investigados e prisões em flagrante delito. Ações como essa contam com apoio investigativo e operacional da Divisão Estadual de Narcótico (Denarc) e Núcleo de Inteligência Policial (NIP).", destacou a nota da PC.

Problema que cresce

No Pará, não existe ainda um estudo que forneça estimativa sobre o atual número de dependentes químicos. Márcia Cunha, psicóloga que trabalha há mais de dez anos no tratamento de pessoas em situação de dependência química, afirma que a demanda de pacientes aumentou consideravelmente desde 2020. Para a profissional, o uso de drogas nem sempre está ligado a uma classe socioeconômica específica. Ao contrário, perpassa por todas as classes.

image A praça Waldemar Henrique, um dos pontos de lazer da capital paraense, também é local de consumo de drogas por dependentes químicos. (Thiago Gomes/ O Liberal)

“A demanda tem aumentado muito. Mas é preciso dizer que nem sempre a dependência está ligada a condições de vulnerabilidade econômica, mas quando acontece. Aqui atendemos muitas pessoas que são de classe econômica elevada, alguns bastante conhecidos na cidade. O que podemos dizer é que as drogas também têm classes, pois enquanto os mais pobres consomem prioritariamente o crack e oxi, os mais abastados frequentam lugares confortáveis, onde consomem drogas como cocaína, atendemos muitos assim, que acabaram nas ruas, mas que sempre tiveram toda uma estrutura familiar”, diz a especialista.

Números em Belém

No Pará, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) oferece tratamento a dependentes químicos no Centro de Cuidados a Dependentes Químicos – CCDQ (Caps-AD III), em Belém, no bairro da Marambaia. Conhecido também como Caps Marajoara, o local disponibiliza atendimentos aos casos de sofrimento intenso decorrentes do uso de bebidas alcóolicas e demais entorpecentes.

Em 16 anos de atividades, o CCDQ possui 13.651 usuários matriculados, entre ativos e inativos. O centro funciona 24 horas, realiza em média 300 atendimentos por mês e dispõe de 14 leitos de observação e internação, para desintoxicação e repouso por 14 dias, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.

No Brasil, em 2021, ano do último levantamento, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. O número mostra um aumento de 12,4% em relação a 2020, ano com 356 mil registros.

Conselho Estadual sobre Drogas

Em junho do ano passado, o Conselho Estadual sobre Drogas (Coned), vinculado à Secretaria de Estado de Justiça (Seju), realizou Marcha Contra as Drogas em Belém. Após dois anos sem ser feita devido à pandemia da covid-19, cerca de dois mil participantes, incluindo escolas e instituições de saúde se reuniram nas na avenida Presidente Vargas, em frente ao Theatro da Paz, no bairro da Campina. A ação teve apoio da Assembleia Legislativa do Estado do Pará levando a mensagem “a prevenção é o melhor caminho”.

A partir deste mês, o Conselho, responsável pela política sobre drogas no Pará, começou a fiscalizar comunidades terapêuticas em, pelo menos, 25 municípios do Estado. O objetivo é acompanhar o funcionamento desses estabelecimentos e verificar se, de fato, oferecem tratamento adequado para os dependentes químicos e de álcool.

Membro do Coned, Oscar Santiago, 64, comemora a sobriedade. No caso dele, o vício envolve o álcool. Apesar da fácil comercialização, o álcool é considerado uma droga lícita. Desde 1967 a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o alcoolismo uma doença e o trata como uma questão de saúde pública.

image Oscar Santiago colocou a primeira gota de álcool na boca aos 14 anos de idade. Hoje, ele é membro do Conselho Estadual sobre Drogas (Coned) e ajuda pessoas que querem largar o vício. (Igor Mota/ O Liberal)

Na época do colégio, Oscar colocou a primeira gota de álcool na boca com cerca dos 14 anos de idade. Hoje, 60 anos depois, ele lembra como percebeu o problema e o tratamento que realizou em 2018, no Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (CAPS-AD III) Marajoara, no bairro da Marambaia, em Belém, perto de onde conversou com a reportagem.

“Eu já trabalhava há quase 20 anos em uma empresa e meu problema foi muito sério porque parei de trabalhar. Porém, eu consegui uma ajuda interna do trabalho. Foi então que me direcionaram para cá (CAPS AD Marajoara), onde fui muito bem acolhido. Até hoje continuo participando do tratamento”, disse o conselheiro suplente da Coned que está sóbrio há cinco anos.

“No meu caso de alcoolismo, comecei a faltar continuamente no trabalho por passar 10 dias consecutivos bebendo. Meus filhos não me visitavam com a mesma frequência. Foi que eu percebi que tinha algo de errado. Não era outra coisa a não ser as latas de cerveja que causavam mal-estar na minha casa. A reabilitação fez com que eu me realocar no convívio social”, acrescentou.

Oscar comentou que, para quem deseja ser acolhido nas casas de tratamento, é preciso que tenha força de vontade, além de alguém próximo que queira ajudar. “A pessoa (usuário) precisa querer, primeiro de tudo, e também ter uma pessoa que diga: olha, tu passaste do limite. Aí vem o exame de consciência que é quando a pessoa reflete sobre o que tinha, o que perdeu e o que vai perder”, afirma.

Para ele, é necessário ter cuidado para não cair no alcoolismo, por conta da facilidade de comprar bebidas em estabelecimentos comerciais. A questão da acessibilidade mostra a diferença entre o álcool e as drogas ilícitas, segundo Santiago. “Tudo quanto é local vende álcool. A pessoa precisar ter uma autodefesa quando receber convites para ‘molhar a garganta’ (beber álcool)”, avaliou.

Fazenda da Esperança melhorando a vida de pessoas em dependência química

Restabelecer vidas fora da dependência química é a missão da Fazenda da Esperança, organização vinculada à Igreja Católica sem fins lucrativos, que acolhe pessoas com problemas relacionados a álcool e drogas ilícitas. A Fazenda está presente em 27 países e tem sete unidades no Pará.

Luciano Figueiredo é o responsável técnico operacional da instituição e acompanha as unidades no Pará e no Amapá. De acordo com ele, geralmente, os acolhidos das unidades paraense e do Amapá vêm do crack e do oxi. Quem é de Belém e deseja receber os tratamentos da instituição é necessário ir ao escritório da Fazenda da Esperança, que fica na Arquidiocese de Belém, mais precisamente na avenida Governador José Malcher. “Precisa levar uma carta de próprio punho pedindo ajuda e fazer a triagem lá (escritório da Fazenda)”, contou Luciano.

Hoje, a entidade religiosa recebe, em média, 600 pessoas espalhadas pelos sete pontos paraenses, conforme o relato de Luciano. Daniel Bordalo, comerciante, 52 anos, foi um dos acolhidos da Fazenda da Esperança anos atrás. Ele revela que começou a experimentar maconha e álcool aos 14 anos de idade. A necessidade de aventura, segundo Daniel, fez com que procurasse “coisas mais pesadas”.

image Daniel Bordalo: 'nem sei dizer o quão grato eu sou pela Fazenda Esperança, após o acolhimento, me tornei voluntário'. (Igor Mota/ O Liberal)

Desde 2001, Bordalo lutava incansavelmente contra a dependência química. Uma tia dele o apresentou à Fazenda da Esperança e, depois disso, sua vida nunca mais foi a mesma. Em novembro de 2013, iniciou o tratamento na unidade de Bragança e saiu do espaço um ano depois, sendo uma pessoa renovada, como ele mesmo alega.

“Já passei por vários locais procurando tratamento, mas não tive sucesso. Comecei a usar drogas com 14 anos e a minha família só foi descobrir quando tinha 30. Achei que não ia ter mais salvação. Até que uma tia minha me apresentou a Fazenda da Esperança. Quando entrei lá (Fazenda) senti algo inexplicável. Dizem que lá é um pedacinho do céu. Durante o meu tratamento, eu e os outros acolhidos exercitamos o trabalho, a convivência e a espiritualidade. Nem sei dizer o quão grato sou pela Fazenda da Esperança”, disse Bordalo, que explica que não usa drogas há quatro anos.

“Depois que passei pelo acolhimento, decidi me tornar voluntário da Fazenda, o que me deu a oportunidade de morar por sete meses na Colômbia. Hoje trabalho na empresa da minha família. Tinha o Daniel antes e depois da Fazenda. Hoje sou uma pessoa com vontade de correr atrás das coisas e que quer mudar”, concluiu.

Neste ano, a Fazenda da Esperança completa 40 anos. Confira o endereço das sete unidades espalhadas no Estado:

  • Abaetetuba – Fazenda Dom Ângelo Frosi, na PA-409, KM 5, Estrada Para Beja.

Bairro: Jurumã

Telefone para contato: (91) 99162-0050

  • Belém – Fazenda Nossa Senhora de Nazaré, Ramal do Caruaru, Sítio Pratiquara.

Bairro: Vila Mosqueiro

Números para contatos: (91) 3215-7001 e (91) 99311-2006

  • Bragança – Fazenda Dom Eliseu Maria Corolli, Estrada de Bragança, na comunidade do Ferreira, Vila Sinhá

Telefone para contato: (91) 98822-1143

  • Óbidos – Fazenda Santa Clara, localizada no Ramal Capim Cheiroso, comunidade Maranata.

Telefone para contato: (93) 99137-6437

  • Parauapebas – Fazenda Nossa Senhora das Graças, VP 5, Lote 8, Quadra 16, zona rural.

Telefone para contato: (94) 99264-8694

  • Redenção – Fazenda Monsenhor Sebastião, loteamento São Jerônimo, vicinal 2.

Bairro: Chácara Esperança

Telefone: (94) 99201-4291

  • Tucumã – Fazenda São Guido Maria Conforti, chácara Chuva de Prata, Gleba Carapanã, zona rural.

Telefone: (94) 99217-5856.

Centros de Atenção Psicossocial Álcool Drogas em Belém e no Estado


Ligado à rede Sistema Único de Saúde (SUS) Belém e sob a administração da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), o Centro Atenção Psicossocial Álcool Drogas II (CASPS AD) faz o atendimento gratuito a jovens e adultos em sofrimento a partir do uso abusivo. Segundo a Sesma, para ter acesso ao serviço basta entrar em contato com os números: (91) 32760890 (ligação)/ (91) 984007253 (whatsapp) ou pelo e-mail capsad@ymail.com. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na avenida José Malcher, n° 1457, bairro Nazaré.

Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) informou que "disponibiliza atendimento psicológico em seis Caps de gestão estadual, cinco na capital e um em Santarém. Os Caps contam com equipe multiprofissional. Outros 94 Caps de gestão dos municípios estão distribuídos por todo o Pará. Em caso de emergência psiquiátrica, pode ser acionado o Samu 192, do município em que reside, recorrer à Unidade de Pronto Atendimento ou ao Hospital de Clínicas Gaspar Vianna. A Sespa dispõe, ainda, de atendimento psicológico para pacientes dos territórios das Usinas da Paz. Para atendimento, o usuário pode procurar a unidade de saúde mais próxima de sua casa para ser encaminhado ao Caps ou ir diretamente ao Caps”, diz o comunicado. Em São Paulo, uma nova e assustadora droga está se espalhando por lá. A droga é vendida em frascos e recebe a letra “K” nome, seguida pelos números 2, 4, 9 ou 12, ou ainda pela palavra em inglês “spice”, que quer dizer especiaria. O diferencial dela é transformar os consumidores em uma espécie de “zumbi”, perdendo o controle do corpo e causando alucinações.

Em Belém, a Sespa oferece, durante 24h, tratamento a dependentes químicos no Caps Marajoara, localizado na Rua Sn 4, na Marambaia, que fica bem perto da seccional do bairro. A pessoa que quiser receber ajuda do local pode ligar para o números (91) 3231-2599 | Fax: (91) 3238-0511. Em 16 anos de atividades, a unidade possui 13.651 usuários matriculados, entre ativos e inativos. Por mês, segundo a Secretaria, são realizados uma média de 300 atendimentos por mês e dispõe de 14 leitos de observação e internação, para desintoxicação e repouso por 14 dias, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.

Serviço:

Centro Atenção Psicossocial Álcool Drogas II (CASPS AD)

Endereço: av. Gov. José Malcher, n° 1457, bairro Nazaré
Telefone para contato: (91) 32760890 (ligação) / (91) 984007253 (whatsapp)

Caps Marajoara

Endereço: Rua Sn 4, bairro da Marambaia, próximo da Seccional da Marambaia.
Telefone para contato: (91) 3231-2599 | Fax: (91) 3238-0511

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