CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

‘A universidade está chamando para a COP’, diz o reitor da UFPA

Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, o pedagogo Gilmar Pereira da Silva, que administra a maior universidade pública da Amazônia, fala sobre a preparação e as expectativas para a conferência mundial do clima em Belém

Gabriel da Mota
fonte

A Universidade Federal do Pará (UFPA) se prepara para desempenhar um papel de protagonismo na COP 30, evento climático global que será realizado em novembro deste ano em Belém. Com a meta de transformar 50% do seu consumo energético em fontes renováveis até o fim do atual mandato da reitoria, a instituição reforça seu compromisso com a sustentabilidade e a pesquisa aplicada à Amazônia. Além disso, a UFPA se posiciona como um espaço de articulação acadêmica e política, reunindo reitores de universidades da região e promovendo debates que integram ciência e saberes tradicionais. Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, o reitor Gilmar Pereira da Silva destaca a importância da COP 30 para ampliar o engajamento da sociedade nas questões climáticas e reforça que a maior instituição de ensino da Amazônia está à disposição para contribuir com o evento e com as diretrizes ambientais que serão discutidas.

Reitor, eu gostaria de começar lhe perguntando se a UFPA tem algum projeto específico voltado para as questões que serão discutidas na COP 30. 

REITOR: A gente tem uma tarefa muito grande enquanto amazônidas, enquanto brasileiros, que é pensar essa COP como algo que deixe um legado, e que esse legado não seja exclusivamente material, ou seja, apenas a melhoria das ruas, das estradas. Tudo isso é importante e precisa ser feito, mas a gente precisa de uma mudança de mentalidade. A Universidade e as universidades brasileiras, eu acredito, têm que refletir sobre esse conjunto de problemas que envolvem a questão climática. São grandes consequências ambientais e naturais que precisam de ações importantes.

Então, nosso grande projeto é, primeiro, construir uma outra lógica de pensamento e uma outra forma de ensinar e aprender na universidade. Eu acho que isso é central. Para além disso, temos experiências importantes. Nós, aqui na Amazônia, fomos a primeira instituição a ter barco e ônibus elétrico dentro da universidade. E temos uma responsabilidade, que eu quero discutir com os órgãos de fomento, que é de ter, até o final do meu mandato, daqui a quatro anos, pelo menos 50% da energia consumida na universidade gerada de modo renovável. Somos uma instituição que tem cientistas de todas as áreas, e se nós somos capazes de construir ônibus e barcos elétricos, também somos capazes de nos transformar em um importante laboratório de experiências de energias renováveis, que terá com certeza uma contribuição muito grande para a questão ambiental. 

O nosso consumo de energia é altíssimo. Nós pagamos aqui na Universidade Federal do Pará algo em torno de R$ 25 milhões por ano de energia elétrica. Então, quando eu digo que nós precisamos trocar essas fontes de energia, combina dois fatores: um é o de ter um investimento menor em pagamento de luz, e o outro é o de dar exemplo, usando energia limpa. Esse é um dos desafios importantes, e temos vários outros, como entender os problemas dos rios e das mudanças das chuvas na Amazônia. Uma coisa boa nessa reflexão é que a universidade, ao fazer isso, dialoga com o dia a dia das comunidades tradicionais. Então, se ela quer entender o problema das marés, das enchentes, da seca, ela discute pela perspectiva da ciência e das fórmulas científicas, numa racionalidade que é instrumental, mas também dialoga com a racionalidade do dia a dia dos povos tradicionais. 

Esse percentual de uso de energia renovável hoje na UFPA é possível de ser avaliado?

REITOR: É muito pequeno, quase insignificante. Tem uma ou outra experiência de energia solar, mas é muito incipiente. Então, chegar em 50% é um grande projeto. Esse é o nosso desejo. Estamos desenhando-o e já o encomendei para o Ceamazon, que é um grupo nosso de pesquisa importantíssimo, coordenado pela professora Emília Tostes. Vamos atrás de recursos para fazer com que ele seja implementado.

Como funciona a colaboração interdisciplinar, aqui dentro da universidade, para as soluções propostas pela COP 30? 

REITOR: Nós tivemos um evento no dia 5 de fevereiro [lançamento do movimento 'Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30'] que eu acredito que será muito virtuoso para nossa perspectiva de construção do que nós entendemos como a COP 30. Temos tarefas extraordinárias em relação a isso, porque para além de apresentar propostas, temos a responsabilidade de traduzir para a população o que é a COP 30. E ela tem três momentos importantes: este que estamos vivendo, que é conceitual, para entender o que é o problema do clima para o planeta. Nós estamos aqui na Amazônia, mas essa discussão é planetária. Um segundo momento é em novembro, nos dias da COP, que também é muito importante. Mas, no meu modo de ver, o mais importante é o terceiro, que é depois da COP. Como nós vamos nos comportar depois da COP? Nós, universidade, nós, movimento social, nós, os governos, enfim, como a gente vai conduzir esse processo ao longo desse tempo? E a gente tem organizado isso numa perspectiva transdisciplinar, para além de todos os nossos institutos. Quase todos eles têm diálogo com a questão ambiental, desde o Naea [Núcleo de Altos Estudos Amazônicos], o Numa [Núcleo de Meio Ambiente], as Ciências Biológicas, as Engenharias, o Direito que discute as normas, a Medicina que discute as condições das pessoas, e todos os outros cursos de saúde. Quando você imagina isso, você se dá conta do tamanho do debate que nós precisamos travar, não é? E do esforço que nós precisamos fazer para que todo mundo se sinta parte desse processo. Ninguém pode ficar de fora. Já estamos conversando com as universidades da Amazônia não brasileira, mas queremos conversar com colegas de toda América Latina, da África, dos Estados Unidos, da Europa, porque nós entendemos que essa questão é de todos nós. E quanto mais a gente conseguir ampliar esse processo, mais a nossa contribuição será valorosa nesse sentido.

Eu acredito e tenho feito vários diálogos aqui na comunidade universitária, chamando atenção para o fato de que, talvez, a nossa geração não consiga ver outro evento como esse aqui em Belém. Então, a nossa oportunidade de fazer esse diálogo é muito importante.

image Gilmar Pereira da Silva, reitor da UFPA (Wagner Santana / O Liberal)

 De que forma essa colaboração com outras universidades e centros de pesquisa pode fortalecer, não somente as discussões, mas a participação da UFPA durante o evento da COP 30?

REITOR: Estamos pensando em duas coisas, e uma delas é que já pedimos inscrição na COP. Eu já estive com o secretário da COP lá em Brasília e já pedi audiência com o presidente da COP. Estamos esperando. Acredito que ele deve estar com vários pedidos de audiência, porque foi nomeado agora, mas nós vamos conversar com ele, porque queremos colocar nossa possibilidade de protagonismo, e vamos fazer grandes eventos aqui na universidade, porque entendemos que muita gente não vai chegar até às zonas verde e azul da COP. Nós precisamos fazer com que a comunidade tenha acesso e participe desse processo. Nós também pedimos inscrição como entidade observadora para estar lá na zona azul, estamos esperando que isso seja aprovado. O reitor quer estar lá também para dialogar, para colocar a sua leitura da realidade da Amazônia. 

O senhor falou que o legado da COP não pode ser só material. Qual é o legado que a UFPA quer deixar para a COP?

REITOR: A UFPA vem construindo ao longo dos seus 67 anos toda uma política ambiental. Nós criamos o Naea nos anos 1970, o Numa, criamos o ICB [Instituto de Ciências Biológicas] que dialoga com a questão ambiental. Nossos cursos de geologia, das geociências de um modo geral, discutem isso. Nossos campi têm toda uma experiência sobre isso. Mas qual legado a gente quer deixar? Um legado que seja perene. Uma coisa é a gente construir as obras que são necessárias, e digo que os governos devem aproveitar para fazer as obras, para estruturar a cidade. Mas a universidade tem que ter um legado maior do que isso: um legado espiritual — não no sentido religioso, mas no sentido do conhecimento. E aqui, o que nos fortaleceria é ter uma outra maneira de ensinar a partir das descobertas em relação ao clima, aos direitos humanos, às condições de vida e de trabalho das pessoas, à política de inclusão na própria universidade. Eu penso muito em uma universidade que se fortaleça acolhendo uma perspectiva maior, dos direitos humanos de liberdade e de justiça social. Que ela se transforme em um grande laboratório para que as pessoas olhem e digam: ‘Olha, a universidade é uma referência que a sociedade deve copiar para viver bem’. Eu acho que essa é uma tarefa de todos nós, porque somos um espaço produtor de ciência, mas também somos um espaço que pensa política, que contribui com a questão social de um modo geral. Então, ser esse elemento de referência para nós é muito importante.  

 Como o senhor observa as outras instituições de ensino da Amazônia trabalhando para a valorização dos nossos saberes tradicionais?

REITOR: Eu estou muito orgulhoso e feliz. No lançamento do ‘Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30’ tivemos mais de 50% dos nossos reitores e das nossas reitoras das universidades da Amazônia, além da referência principal quando se trata das universidades federais, que é o presidente da Andifes. Nós trabalhamos muito em sintonia. Temos as nossas diferenças e divergências, mas somos muito próximos quando pensamos na inclusão, nos direitos humanos e na perspectiva de uma universidade que seja para todos. Acho que a COP vai ser um instrumento importante para a gente dialogar. E estamos trabalhando para que, em setembro, a reunião da Andifes, que congrega 67 reitores, seja aqui em Belém, para que possamos elaborar uma diretriz ou diretrizes de diálogo com a sociedade depois da COP.  

 E para fechar, a UFPA tem muito a contribuir com a COP. Como o senhor vê a contribuição da COP para as discussões ambientais que já são feitas na UFPA? Existe alguma expectativa quanto a isso?

REITOR: Você me faz uma pergunta muito interessante. Eu tenho dito que, o que se fala tanto hoje, em bioeconomia, biodiversidade, nós fazemos há anos. Temos um parque de ciência e tecnologia aqui do lado [o PCT Guamá] que tem uma quantidade importante de laboratórios e trabalha com as sementes da região, como o açaí, com a água, enfim, com os conhecimentos amazônicos há muito tempo. Então, quando se fala em bioeconomia e biodiversidade, nossa grande questão é que isso não pode ser falado sem os povos tradicionais, os povos que fazem essas ações. Isso tem sido uma tarefa grandiosa.  

Eu estou aqui há oito anos como vice-reitor e há quatro meses como reitor. E a gente tem tido uma preocupação muito grande em valorizar os saberes ancestrais, que dão origem à ciência. Então, eu acho que essa deve ser uma das grandes tarefas. As pessoas questionam muito essa coisa de ‘Por que a universidade não foi chamada para a COP?’, e eu digo: a universidade está chamando para a COP. A COP vai ser na nossa casa. Nós somos a maior universidade da Amazônia, uma das maiores do Brasil entre as federais. O nosso compromisso, independentemente de sermos chamados ou não, é estarmos aqui. E com uma perspectiva que eu quero afirmar: à disposição dos governos todos — federal, estadual, municipal — e temos diálogo com todos eles em relação a isso. Estamos dizendo que estamos na universidade com a maior produção científica sobre a Amazônia e que está à disposição. Aqui é público. É só chamar e nós estamos à disposição para contribuir, ajudar, dialogar, não só no período da COP. Sempre.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Belém
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM BELÉM

MAIS LIDAS EM BELÉM