Ananindeua quer deixar para trás título de Cidade Dormitório
Necessidade de deslocamento dos moradores de Ananindeua para a capital fez com que o município recebesse título, mas crescimento urbano faz especialistas questionarem
Quando Maria de Nazaré chegou com sua família ao conjunto Cidade Nova Seis (VI) em 1987, o local parecia um canteiro de obras inacabado no meio do nada. As ruas alinhadas, as casas no estilo Cohab. Não tinha asfalto, nem serviço de água encanada, nem transporte adequado. "Apenas as residências e nada mais", lembra. Como se o lugar já não fosse longe o suficiente, sua casa nova ficava na WE 90, última rua do extenso conjunto. Pela frente da casa, a recém-nascida Cidade Nova, pelos fundos o Paar, maior invasão habitacional da América Latina na época.
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Foi na casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro que Nazaré e seu marido Sebastião criaram nove filhos. Ele, servente de pedreiro, era o único que trabalhava. Como conseguiu criar tanta gente, nem ela sabe. Antes, o casal morava com os sogros em Belém. O novo lugar na cidade vizinha à capital, apesar da distância, era o sonho da casa própria realizado. Assim como boa parte dos novos moradores, a expectativa do casal era ficar e prosperar, mas com todas as dificuldades do início. “Era tudo muito distante, não tinha nada. As pessoas pra tudo tinham que ir pra Belém, ou seja, já perdia o dia todo pra lá”, diz Nazaré.
A necessidade de deslocamento dos moradores de Ananindeua para a capital fez com que o município recebesse o título de 'Cidade Dormitório', termo usado para se referir a aglomerados urbanos surgidos nos arredores de uma grande cidade, para servir de moradia a trabalhadores da cidade-núcleo da região metropolitana, nesse caso, Belém. O dilema tem gerado reflexões sobre esse título. Se por um lado, Ananindeua passou por um crescimento nos últimos 20 anos, se tornando a 2ª maior cidade do do Pará, por outro, ainda carece dos mesmos serviços de antes, apenas em um contexto diferente. Quase 70% da cidade não tem serviço de água adequado e nem de esgoto, o que deixa Ananindeua entre os dez piores municípios do Brasil no setor. As unidades municipais de saúde estão sucateadas e muitas vezes não possuem as medicações mais básicas. Até os médicos das unidades denunciam a precariedade. O transporte então, continua deixando a sensação de humilhação em milhares de estudantes e trabalhadores que precisam.
Dona Nazaré lembra que na sua época a dificuldade era maior, mas que as coisas já deveriam ter melhorado muito mais. Ali na fronteira entre um conjunto regularizado precariamente e uma invasão onde aconteciam coisas que até o “diabo duvidava", ela viu seu marido falecer. Viu a maioria de seus filhos crescerem. Viu netos e bisnetos nascerem. Também viu, principalmente a partir dos anos 2000, muitos de seus vizinhos reformando suas casas. Eles construíam habitações mais modernas, com grades para evitar ladrões. Era a sensação de insegurança que hoje faz com que as "pessoas sequer saiam nas frentes de suas casas", diz Nazaré, que também viu novos moradores chegando ao mesmo tempo que alguns vizinhos antigos vendiam suas casas para morar em localidades mais distantes, como o Icuí, Guajará, Maguari, Curuçambá, 40 Horas e outras regiões que hoje são bairros formalizados de Ananindeua. Aliás, Nazaré viu o temido Paar se transformar em um bairro repleto de serviços.
De cidade dormitório a centro urbano
A história de Maria de Nazaré resume um pouco o processo de crescimento de Ananindeua. Nas últimas quatro décadas a cidade assistiu a um crescimento urbano de mais de 3000%, algo inédito no Pará. Em meados de 1970, quando os primeiros aglomerados urbanos foram se formando, havia 23.137 moradores em Ananindeua. Já no início dos anos 2000, época que houve um boom imobiliário no Brasil, mais de 393 mil pessoas vivam na cidade. De acordo com o último Censo do IBGE, de 2019, atualmente são 535.547.
“O crescimento urbano de Ananindeua deu-se, em uma primeira fase, após a sua origem ao longo do Furo do Maguari e do entorno da pequena Estação Ferroviária da Estrada de Ferro de Bragança, a partir da implantação de conjuntos habitacionais horizontais, como os Cidade Nova, nove ao total. Todos construídos com investimentos realizados pelo Estado. Isso serviu para confinar Belém à população de maior poder aquisitivo e dispersar os mais pobres para bairros e cidades mais distantes. Quando esses novos moradores chegam, começam a demandar por vários tipos de serviços e isso faz com que a economia vá crescendo. Após o ano de 2005, o investimento se concentrou principalmente nos condomínios verticais direcionados para várias classes socioeconômicas. Residenciais populares do programa Minha Casa Minha Vida e também condomínios fechados (horizontais e verticais) para a elite”, diz o pesquisador Luiz Soares Mendes, professor Adjunto da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
De acordo com o especialista em urbanização na Amazônia, o crescimento econômico e urbano em Ananindeua teve dois efeitos: muitos moradores ascenderam para outras classes socioeconômicas, ao mesmo tempo que a cidade atraiu novos habitantes, que começaram a chegar principalmente a partir dos anos 2000, quando houve um boom imobiliário provocado pelo investimento de mais de R$ 300 milhões no setor imobiliário paraense. Capital de investimento estrangeiro que se concentrou na região metropolitana da capital, com destaque para Belém e Ananindeua.
“A partir desse investimento, à medida que moradores com novos perfis socioeconômicos iam chegando, para habitar nos condomínios fechados, localizados no entorno do já bairro Cidade Nova. Houve uma mudança estruturante em todo o conjunto da municipalidade de Ananindeua, pois muitas pessoas que foram os primeiros moradores das ocupações, que deram origem aos bairros mais periféricos, agora recebiam condomínios fechados, residenciais do programa Minha Casa Minha Vida, voltados para todas as classes de renda. Assim, vários espaços que se originaram como ocupações espontâneas, no decorrer do tempo foram se desenvolvendo da mesma forma que conjuntos como a Cidade Nova. Dessa maneira, hoje são bairros legalizados com algumas infraestruturas e serviços, estabelecidos pelo Plano Diretor Urbano de Ananindeua", diz Mendes.
O desenvolvimento da oferta de serviços ocorre sobretudo na Cidade Nova, por ser o local com mais infra-estrtutura e concentrar um perfil econômico maior. A partir da oferta de condomínios fechados nos bairros no entrono da Cidade Nova, há um novo perfil de renda e poder de compra situado em Ananindeua. Ao construírem mais de 20 condomínios fechados, que segundo a tese de doutorado do pesquisador, provocou a reestruturação no desenvolvimento de e na oferta de atividades comerciais e de serviços, nas áreas de estudo, lazer, administração, gastronomia e saúde.
Atividades comerciais em Ananindeua
Segundo o professor, nas principais ruas do bairro Cidade Nova foram inventariados a disponibilidade de espaços comerciais e de serviços, utilizados para revelar a promoção de centralidade do bairro. Um dos destaques está na disposição em que estão os condomínios fechados. "Verifica-se um grande número de condomínios na avenida Mário Covas, na avenida do 40 horas, na rodovia BR-010/316, bem como no entorno do bairro da Cidade Nova, onde também se estruturam outras centralidades metropolitanas. Seguindo uma lógica espacial, começa-se a situar as dimensões de consumo no bairro da Cidade Nova, considerando sua proximidade com a formação de centralidade da BR-316, além da influência também das avenidas Independência, Augusto Montenegro e Mário Covas", diz o especialista.
Na Cidade Nova a disponibilidade de atividades comerciais e de serviços pode ser visualizada nas seguintes vias: avenida Joaquim Vicente Zico (popularmente conhecida como Arterial 18), Estrada da Providência, Travessa SN 3, avenida Dr. Nonato Sanova e avenida Três Corações. Para uma compreensão é possível observar nessas vias a concentração de atividades comerciais que, na fala do professor, promovem deslocamentos para a Cidade Nova e, como consequência, produzem sua centralidade em escala metropolitana. "Dessa maneira a cidade nova se tornou uma subcentralidade metropolitana, deixando seu passado de cidade dormitório e ainda de um simples amontoado de conjuntos habitacionais", diz.
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