Programas de transferência de renda são o primeiro passo para reduzir pobreza no Brasil, diz ex-ministra
Especialista em educação e assistência social, Wanda Engel lança livro em Belém e fala sobre os próximos passos que o Brasil precisa tomar para alcançar meta
O primeiro passo para conter e reduzir a pobreza no Brasil é transferir renda, na avaliação da educadora Wanda Engel, que tem vasta experiência atuando com educação e assistência social, tendo inclusive sido ministra desta última pasta no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A autora lançou, em Belém, o livro “Pobreza e desigualdade: dá para superar” na quinta e sexta-feiras desta semana, e compartilhou um pouco do conhecimento teórico e prático que adquiriu ao longo de seis décadas de atuação.
No domingo (5), O Liberal mostrou, por meio de um estudo inédito do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), que o percentual de saída do CadÚnico ao longo de 14 anos no Pará foi de 59%, inferior aos índices detectados na região Norte e no Brasil, que ficaram em 61% e 64%, respectivamente. Isso pode representar que a redução da pobreza foi menor que em outros Estados do país, já que o CadÚnico é o principal instrumento para identificar e atender as pessoas de baixa renda no país, reunindo informações sobre as famílias que ganham até meio salário mínimo por pessoa ou que recebem até três salários mínimos de renda mensal, se tornando um requisito para ter acesso aos principais programas de transferência de renda em vigor no país, desde o antigo Bolsa Família até o atual Auxílio Brasil.
Engel diz que acredita “piamente” em programas de transferência de renda à população que está na linha da pobreza – para ela, este é o primeiro passo para lutar contra a desigualdade social no país, embora não seja o único. “Se o problema é renda, o primeiro passo é distribuir renda. Mas isso não basta, senão a gente pegava um helicóptero e jogava dinheiro nas áreas mais pobres. A pobreza é muito mais que isso. Então, a transferência de renda associada a uma garantia de que as novas gerações vão estar na escola, vão ter uma boa educação e uma boa saúde, uma oportunidade de se desenvolver melhor, é importante. Com isso, constrói-se uma porta de entrada no mercado de trabalho para efetivamente as pessoas saírem do Cadastro Único e, consequentemente, da pobreza. Este é o ponto de partida, mas o ponto de chegada é a inclusão produtiva mesmo”, explica.
O estudo publicado por O Liberal também apontou que os cinco municípios em que mais pessoas se evadiram do CadÚnico têm algo em comum: a economia nas cidades é baseada, essencialmente, em agropecuária, mineração e madeira. Wanda Engel avalia que, mesmo com altos valores no Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, tudo que é produzido por determinado local, os municípios ainda são foco de pobreza e desigualdade. Segundo ela, isso ocorre porque a lógica da distribuição desigual de renda é a mesma.
“Você tem uma produção que garante boa renda para parte da população, mas tem outra parte da população que não tem acesso a nada disso porque não desenvolveu suas potencialidades na primeira infância, já que não teve uma boa escola ou acabou se evadindo do sistema escolar. Por isso, não tem as condições de aproveitar a oportunidade e de ter acesso a essa riqueza. Então, é preciso ter um foco nesse grupo para que ele desenvolva as habilidades que lhes darão condições de aproveitar a riqueza que o município produz”.
Pandemia aumenta pobreza e desigualdade
Na avaliação da especialista em educação e assistência social, o cenário de crise sanitária que se instaurou após o início da pandemia da covid-19 no Brasil já acelerou o processo de aumento da vulnerabilidade social. Wanda diz que, nos primeiros anos do século, até 2010, houve uma grande evolução da política pública no país, com um somatório de ações para consolidar a redução da pobreza, mas, a partir de 2015, o cenário piorou e a pobreza e a extrema pobreza aumentaram, assim como o desemprego. Quando a pandemia começou, houve uma aceleração desse processo, o que, segundo ela, cria a necessidade de que algo seja feito de forma urgente, com foco na diminuição do número de mortes, e que isso seja feito de maneira sustentável. “Não adianta ter uma década em que conseguimos tirar milhões de pessoas da situação de pobreza para que elas voltem depois. Então, hoje é o momento de reconstruir a esperança e dar uma certa sustentabilidade ao processo de saída dessa vulnerabilidade”.
O próprio título do livro de Engel diz que é possível superar a pobreza e a desigualdade. Para ela, a melhor forma de os Estados promoverem o acesso da população a uma situação social melhor é por meio da educação, garantindo qualidade ao ensino. Isso inclui a alfabetização completa até o limite de oito anos de idade, desenvolvimento de conhecimentos gerais e habilidades para o mercado de trabalho e outras necessidades. Mas, para que a criança e o adolescente consigam aproveitar estas oportunidades, é preciso que a família esteja enquadrada em um programa de proteção social. Outra demanda que poderia ser atendida, de acordo com a autora, é que os programas sociais atendam a necessidades específicas de cada família, porque cada uma delas tem necessidades diferentes.
“O livro é o resultado de uma experiência de 60 anos nas políticas públicas de educação e de assistência social, com a finalidade de contribuir para diminuir a pobreza e a desigualdade no país. Mas não só para isso, na verdade a gente faz muita coisa e não registra quase nada, então houve também uma tentativa de registrar, não academicamente, não é um livro de história da política social no Brasil, é uma análise a partir da minha própria experiência e trajetória profissional e pessoal. A conclusão do livro é que é complicado, é complexo, exige uma abordagem intersetorial, exige que todos contribuam para isso, mas dá para superar a pobreza e a desigualdade”, enfatiza.
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