Pará vira alvo de conteúdos falsos de grande repercussão

Levantamento aponta fake news em assuntos envolvendo medicamentos e pessoas privadas de liberdade

Keila Ferreira
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Desde a chegada da pandemia do novo coronavírus, em fevereiro deste ano, mais de 360 fake news sobre a doença espalhadas de Norte a Sul do País foram desmentidas pela International Fact-Checking Network (IFCN). É como se a cada dia, a associação internacional de verificadores de fato, que conta com o esforço coletivo de diversas organizações, precisasse trabalhar em cima de quatro notícias falaciosas referentes à covid-19 para descobrir a verdade sobre elas, somente no Brasil. Na América Latina e mais os país de Portugal e Espanha, chegam a 1.789 a fake news relativas à doença espalhadas e desmentidas nos últimos 90 dias, pela mesma associação.

O Pará também foi alvo de conteúdo falso analisado pelos verificadores que abastecem a plataforma em, pelo menos, quatro assuntos envolvendo medicamentos e pessoas privadas de liberdade. Mas os números são bem maiores. Pesquisa feita no site Aos Fatos e Agência Lupa, mostram outras três mentiras de grande repercussão e que tiveram o Pará como cenário da história. Isso sem falar as de menores repercussão ou que não chegaram a passar pela análise dos verificadores de fato, como os remédios caseiros milagrosos ou morte de alguém conhecido que lutava contra a doença.

Na falta de Legislação específica no Brasil que enquadre, responsabilize e criminalize fake news, os casos são enquadrados em implicações penais que já existem no mundo real, como calúnia, difamação, injúria, associação criminosa, entre outras. Quando se trata de um golpe que vem sendo aplicado por meio de notícias falsas, por exemplo, o responsável pode ser acusado de estelionato.

No caso do inquérito das fake news que investiga a produção e disseminação de notícias falsas e ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal, estão sendo apurados oito crimes.  Além dos crimes contra a honra, apura-se ainda associação criminosa; Impedir o livre exercício dos poderes; Fazer propaganda pública de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; Incitar a subversão; Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal.

O procurador-chefe do Ministério Público Federal no Pará, Alan Mansur esclarece que as fake News só tem uma previsão específica na área eleitoral, no artigo 326 A, do Código Eleitoral. “Elas (notícias falsas) podem se dar em diversos contexto, um deles é o eleitoral, podendo desequilibrar uma eleição”. No caso do pleito político, esta nova forma de combate à desinformação entrou e vigor em novembro do ano passado. Ou seja, valem a partir das eleições de 2020, prevendo pena de até oito anos de prisão e multa para quem fizer denúncia falsa com finalidade eleitoral. A penalidade também vale para quem estiver ciente da inocência do acusado e mesmo assim divulgar fake news sobre ele, com fins eleitorais.

“Uma coisa é uma apuração mal feita, incorreta, outra coisa é deliberadamente buscar de uma forma organizada disseminar notícias sabidamente falsas. Ela entra nesse contexto de criar narrativas através de robôs, de sites financiados, que não se sabe quem financia. O que se demonstra é que há uma organização com possibilidade de criar uma narrativa e sem demonstrar a origem. Porque quando um pessoa faz um site, que assina, pode ser demonstrado qual a origem daquilo. Quando se fala de fake news se fala em uma tentativa obscura de se criar conteúdo sem demonstrar a origem”, ressalta Mansur.

No caso do inquérito do STF, para o procurador ele é preocupante porque a apuração tem sido feita de forma inconstitucional.  “Primeiro porque é feito por quem se sente ofendido, segundo é que esse inquérito não foi distribuído, foi direcionado. Terceiro que não cabe esse tipo de investigação no Supremo, ele deveria ser tocado pela MPF e Polícia Federal. Outro problema é que o Alexandre de Moraes é investigador e julgador”.

Para Mansur, é preciso observa também as propostas apresentadas com o argumento de combater a indústria da fake news. “É importante não utilizar esse argumento para fazer uma busca ideológica contra alguns críticos do governo. É preciso ter cuidado sobre o que é esse direito de crítica e o que é a indústria das fake news. Que não se utilize desse argumento para tentar calar o cidadão, é preciso garantir a liberdade de expressão”.  

No Pará, um projeto sobre o tema foi aprovado pela Assembleia Legislativa, mas gerou polêmica por ameaçar a liberdade de expressão. Ele chegou a ser sancionado pelo governador Helder Barbalho, que depois voltou atrás e vetou a matéria. “Essa lei estadual trouxe muitas coisas inconstitucionais. O estado não pode legislar sobre matéria penal”, esclarece.

Esta semana, segundo Davi Alcolumbre, deve ir pra pauta do Senado o chamado PL das Fake News, que traz uma série de normas e mecanismos de transparência para redes sociais e serviços de mensagens da internet para combater abusos, manipulações, perfis falsos e a disseminação de notícias falsas. As plataformas de internet tentam modificar ou desacelerar os projetos de lei em discussão no Congresso, afirmando que teriam o mesmo efeito que o decreto assinado na quinta-feira (28) pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tira a imunidade dessas empresas em relação a conteúdos veiculados por terceiros. O decreto foi uma reação de Trump, ao que ele vê como perseguição, após ter postagem marcada como incorreta.

FENÔMENO POLÍTICO

Presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa da OAB-PA, Mauro Vaz Júnior defende a ideia de que fake news é um fenômeno político e não da comunicação, embora esteja inserido na seara da comunicação, pois é criada com objetivo de desconstruir reputação, políticas públicas e induzir o cidadão a erros. “Fake News mata pessoas”, ressalta. “Aqui, no Brasil, a gente tem buscado enquadrar fake news em crimes que já existem no mundo real, como os crimes contra a honra, calúnia, difamação. Temos também os crimes contra saúde pública, que é descumprir determinação do poder público.

Com a CPMI das fake news, instaurada no Congresso, ele acredita que em breve  o País deve ter uma legislação que puna adequadamente. Mas ele defende as medidas não invadam as liberdades individuais e constitucionais.

“Qualquer legislação tem que ser debatida com a classe de jornalistas, comunicadores, advogados, para que isso não venha invadir liberdades individuais. Fico frustrado de ser requisitado por um colega jornalista e não ter uma legislação penal para responder aquela ânsia, aquele justo questionamento sobre punição a aquele tipo de conduta”.

Para Mauro Vaz, não é certo o antagonismo que se faz entre fake news e liberdade de imprensa. “Parte do mesmo pressuposto falacioso de você opor, por exemplo, o combate a covid com interesse econômico. Todo o exercício de qualquer profissão traz consigo inerente um dever de responsabilidade, inclusive a liberdade de imprensa, de manifestação, de opinião, então eu penso que a classe jornalista está sendo muito mais prejudicada pela fake news do que tendo resguardada as suas prerrogativas constitucionais, porque embora pareça são fenômenos que não residem no mesmo lugar”, concluiu.

“Isso me acompanhou por dois, três meses”, diz Zeno Veloso, vítima de Fake News.

No Natal de 2019, começou a circular informações de que Zeno Veloso havia morrido. Um dos juristas mais renomados do país, ele é professor, escritor e ex-deputado estadual, relator geral constituinte no Estado. Por isso, a mentira sobre sua morte tenha se espalhou rapidamente e chegou a amigos e pessoas da área jurídica do Estado. “Eu nunca soube de onde partiu”, diz Zeno.

Ele só percebeu o que estava acontecendo quando foi procurado pela imprensa, que tentava checar a informação. Porém, aquela altura, os efeitos da mentira já tinham tomado uma grande proporção. “Eu recebi telefones, um de fora, de São Paulo e o que é pior, um de Portugal. Eu comecei a ficar preocupado e não sabia o que fazer. Percebi que isso estava correndo, alguém estava espalhando aquilo”, relata o jurista paraense.

A providência que Zeno Veloso tomou, assim que soube a mentira que vinha sendo espalhada, foi tranquilizar a família. “Foi extremamente desagradável, chato, tive que ligar para minha mãe logo cedo, parentes mais chegados”, afirma. Pouco adepto de redes sociais, ele conta que não estava doente e nem viajando e nunca compreendeu como isso se espalhou ou por onde começou.

“Porém, repercute, um dizendo por outro. Eu levei um tempo recebendo ligações de pessoas que já sabiam que não tinha ocorrido, mas queriam me avisar. Aí, começa o efeito multiplicador, que são aqueles que não estão com má fé, não estão com objetivo de divulgar, nem denegrir, mas são curiosos e querem divulgar”, alerta.  “Se espalhou de uma forma que alastra, onde eu chegava perguntavam. Isso me acompanhou uns dois, três meses. Eu vi a extensão quando chegou a notícia em Portugal. É extremamente desagradável”, completou.

O jurista chama a atenção para as consequências que isso pode provocar na vida de uma pessoa vítima de notícias falsas. “Eu fico pensando quando a invenção é de respeito de algum aspecto moral. Porque essa, que dizem você morreu e tá vivo, te mostra primeiro que você é bem quisto. Gera um mal estar, mas muita gente ligando. Eu nem sabia que tinham esse sentimento por mim. Agora, quando se refere a honra, dignidade, moral, você não tem como ir atrás, porque muita gente nem ligar para falar. Eu passei por essa experiência. Imagina quanto mais grave ela não seria se a mentira fosse algo ligado a um comportamento imoral, indigno ou criminoso, que aí então é algo muito mais grave. A calúnia é devastadora, se espalha. Pelo que passei, eu imaginei, agradeci até, que não tivesse sido alguma coisa pior, porque eu vi a força, a extensão que é a fake News”.

FAKE NEWS RELACIONADAS A CORONAVÍRUS QUE TIVERAM GRANDE REPERCUSSÃO NO PARÁ.

Fake: Círio de Nazaré 2020 foi cancelado pela Arquidiocese de Belém.  

Verdade: Ainda não há nenhuma definição sobre o assunto. Segundo esclarecimento divulgada pela Arquidiocese de Belém e Diretoria da Festa de Nazaré, todas as alternativas e possibilidades serão estudadas no momento oportuno, em reunião conjunta com os vários agentes envolvidos no evento.

Fake: Governo do Pará escalou prisioneiros para monitorar se a população está cumprindo as regras de distância social em pontos de ônibus no Brasil.

Verdade: Os presos foram responsáveis por pintar faixas que marcam distâncias de um metro no piso das paradas de transporte público na região metropolitana de Belém.

Fake: Helder Barbalho, governador do Pará, esconde hidroxicloroquina em um depósito para não entregar aos pacientes e deixá-los morrer.

Verdade: A foto usada no boato foi publicada pelo próprio governador e mostra o medicamento adquirido pelo governo para ser entregue aos hospitais. Os medicamentos adquiridos são entregues conforme a demanda.

Fake: Vídeo mostra caminhões do Exército carregando medicamentos e equipamentos de segurança enviados do governo federal para o estado no Pará.

Verdade: Os caminhões carregavam comissões para o quartel-general do exército. A operação não teve nada a ver com a pandemia da COVID-19.

Fake: Vídeo mostra mulher idosa lutando para respirar, deitada sobre o que parece ser uma sacola plástica. A família foi informada que ela havia morrido e a mulher foi encontrada dentro do necrotério do Hospital Abelardo Santos, viva, e foi resgatada por seus parentes.

Verdade: Ela estava deitada sobre uma folha de plástico usada para levar pacientes imobilizados de uma cama para outra, e não estava no necrotério. Infelizmente, a idosa acabou falecendo.

Fake: Ex-ministro Henrique Mandetta e Helder Barbalho, que defendem o isolamento social, se cumprimentaram sem máscara, durante reunião realizada no dia 18 de maio.

Verdade: A foto é de um encontro entre os dois realizado em setembro de 2019. Nas imagens da reunião do dia 18 de maio, os dois aparecem de máscara.

Fake: Com o lockdown, supermercados, farmácias, bancos e postos de combustíveis seriam fechado, o que gerou uma corrida a alguns desses estabelecimentos, principalmente supermercados.

Verdade: Com o lockdown, foram suspensas apenas as atividades não essenciais à vida, saúde e segurança da população.

Fontes: aos fatos. Agência Lupa e Coronaverificado

 

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