Juristas apoiam indicação da paraense Ana Cláudia Pinho para vaga de Rosa Weber no STF

Presidente Lula deverá indicar dois nomes para o Supremo Tribunal Federal em 2023, e promotora do Ministério Público do Pará recebe apoio por nomeação

Pedro Cruz e Elisa Vaz

O garantismo e a agenda progressista serão pilares na escolha dos próximos dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). É o que já revelou o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva há 10 dias, em café com jornalistas realizado no Palácio do Planalto. “A pessoa tem de ter uma compreensão do mundo social deste país, dos problemas sociais deste país. As pessoas têm de conhecer a realidade deste país, tem de ter um mínimo de sensibilidade social para assumir uma postura dessa, porque é muita responsabilidade", apontou Lula no evento, realizado no último dia 6 de abril.

Esses, claro, serão critérios para além do básico necessário para sentar em uma cadeira no STF de acordo com a Constituição Federal: ter entre 35 e 70 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. Juristas ao redor do Brasil têm se organizado para tornar a indicação da paraense Ana Cláudia Bastos de Pinho politicamente viável.

 

 

Juristas apoiam indicação de paraense

Lula, ao longo do atual mandato, terá a oportunidade de indicar os substitutos dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que se aposentam em 2023. O primeiro deixou o cargo no dia 11 de abril, um mês antes de completar 75 anos de idade. Já Weber deverá permanecer no STF até outubro, quando atingirá a idade para a aposentadoria compulsória.

Para a vaga de Lewandowski o mais cotado é o advogado Cristiano Zanin, de 47 anos. Já para o lugar de Rosa Weber a tendência é de que uma mulher seja indicada e, entre as cotadas, está a paraense. Promotora de Justiça com mais de 30 anos de atuação e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ana Cláudia Pinho é doutora em Direito e referência no Brasil no garantismo penal.

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"A Ana Cláudia sempre se destacou no garantismo por ser uma estudiosa do tema e eu acho que eu posso falar isso sem errar: com certeza é uma das pessoas que mais entendem, mais conhecem de garantismo penal no Brasil atualmente. E justamente por ela ser do Ministério Público, é algo que chama bastante a atenção da nossa área de pesquisa", explicou a advogada criminalista e de direitos humanos Maria Victoria Hernandez Lerner.

Ela faz parte do grupo de advogados, magistrados e professores que apoiam a nomeação de Ana Cláudia Pinho ao STF. O coletivo tem uma base em Brasília, mas conta com membros em diversas partes do país, como Belém, São Paulo e Salvador. O objetivo é realizar ações para tornar a indicação de um ministro da Suprema Corte mais democrática e técnica.

image Maria Victoria Hernandez Lerner faz parte do grupo de juristas que apoia a promotora paraense (Alessandro Dias/Divulgação)

Além de pós-graduada e mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Maria Victoria é coordenadora regional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), no Distrito Federal, e Conselheira Seccional da OAB/DF.

"A gente sabe que o processo de indicação de nomes ao STF é eminentemente político. Conta, sim, obviamente, o currículo da pessoa - é fundamental, sobretudo para a gente, que é da área jurídica. Eu não me aventuraria com um nome apenas político. Têm correntes que entendem que o processo deve ser somente político, mas a Ana tem uma bagagem no tema que supera essa questão", apontou Maria Victoria.

O baiano Luís Eduardo Colavolpe também faz parte deste grupo que apoia a possível nomeação da jurista paraense. Natural de Salvador, Colavolpe é advogado, pesquisador em processo penal, especialista em ciências criminais pela Universidade Católica do Salvador e mestrando em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). “Quando o nome da Ana Cláudia surge, a gente vai falando, é um nome que não tem uma rejeição. Essa é uma característica”, afirma.

image Luís Eduardo Colavolpe é natural de Salvador, mas hoje atua em Brasília (Arquivo pessoal)

Na visão do advogado, dois pontos são fundamentais para o apoio a Ana Cláudia. “Primeiro, a gente vê a questão da representatividade, a gente entende que essa segunda vaga não pode ser ocupada por um homem, só que a gente vê que também não deve ser qualquer mulher, mas sim uma mulher que tem um estudo garantista, alguém que realmente seja comprometido com os direitos sociais, direitos humanos. E aí surge o nome de Ana Cláudia, que foi ventilado de uma forma muito orgânica, ainda durante o período da transição [do governo]”, contou.

 

 

O que é o Garantismo Penal?

O Garantismo Penal é uma teoria jurídica que tem como fundador o italiano Luigi Ferrajoli, de 82 anos. Vasta e complexa, tem como ponto central a importância da proteção das garantias do cidadão e a tensão existente entre liberdades e poder. “O garantismo seria uma corrente filosófica jurídica que seria a aplicação da norma dentro das perspectivas das garantias dos direitos fundamentais, inclusive o direito do bom punir, ele não se opõe à punição desde que cumpra-se a regra do jogo”, detalhou Luís Eduardo Colavolpe.

A indicação de um ministro alinhado com o garantismo faz contraponto a decisões punitivistas já tomadas pela Corte, principalmente durante o período agudo da operação Lava Jato. “Quando se fala em punitivismo, ele não é propriamente uma corrente teórica, é mais um modus operandi. A partir de quando se atropelam direitos e garantias, acaba-se entrando numa lógica de punir por punir, ou punir por outros anseios, para atender questões de mídia, questões populares ou ideológicas, e aí se pune sem a devida atenção às regras”, conclui o advogado baiano.

image Ana Cláudia Pinho em encontro com o filósofo e jurista italiano Luigi Ferrajoli (Arquivo pessoal)

Ferrajoli, que é o fundador da teoria, já se posicionou publicamente a favor da nomeação de Ana Cláudia. Em uma carta redigida em 9 de março, mas que ainda não foi tornada pública, o italiano aponta a paraense como "radicalmente comprometida com a democracia" e "à altura do desafio que se apresenta na atual conjuntura", além de demonstrar "histórico de atuação profissional e destacada produção intelectual".

Representatividade

Caso o nome da paraense seja escolhido pelo presidente, esta será apenas a segunda vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá um ministro do Estado. O primeiro - e único até aqui - foi Carlos Alberto Menezes Direito, de Belém, indicado por Lula em 2007, no segundo governo do petista. O ministro faleceu aos 66 anos, em 2009, após lutar contra um câncer de pâncreas, sendo sucedido por Dias Toffoli, ainda em atuação na Corte.

Com a troca imprevista, o Supremo deixou de ter qualquer membro nascido no Pará ou no Norte. Conforme aponta um levantamento feito pela Folha de São Paulo, os 11 ministros que ocupam hoje cadeiras no STF são das regiões Sudeste (7), Sul (2), Centro-Oeste (1) e Nordeste (1).

Ao longo de toda a história da Corte, a representatividade do Sul e Sudeste é a mais marcante, já que o Rio de Janeiro é o Estado que mais alçou ministros ao Supremo, somando 33 até agora, ainda de acordo com o levantamento. Atrás dele, aparecem Minas Gerais (30), São Paulo (26) e Rio Grande do Sul (18). Estados como Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins, todos do Norte, além do Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, nunca foram representados no Supremo.

O único Estado nortista, além do Pará, que já teve um ministro no STF foi o Amazonas: Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, natural de Manaus e nomeado no ano de 1972, durante a ditadura militar, no governo de Emílio Garrastazu Médici. Ele se aposentou em 1983 e faleceu em 2015.

Correção

Com a possível nomeação de uma paraense para um dos cargos mais altos da carreira jurídica nacional, o presidente Lula tem a chance de corrigir parte dessa sub-representatividade, garantindo ao Pará a chance de ter um nome local no STF e dando mais pluralidade regional à Corte.

Defensora dos direitos humanos e do garantismo penal, a advogada Verena Arruda afirma que colocar o nome de Ana Cláudia Pinho em evidência, mesmo que não seja eventualmente escolhida, já é muito importante.

“É um passo muito grande para discutirmos pautas amazônicas e ocuparmos, cada vez mais, esses espaços de poder e de deliberação de assuntos importantes para o país e para o cumprimento das normas institucionais. A região Norte sempre esteve em outro âmbitos e em outro patamar político em relação à disputa desses cargos políticos, então isso fortaleceria mais o Norte nesse espaço de poder”, enfatiza ela, que é membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Uma vantagem da opção por Pinho, na opinião de Verena, é que a paraense sempre atuou na região. Menezes Direito, por exemplo, embora tenha nascido no Pará, se formou e atuou profissionalmente no Rio de Janeiro.

A luta pela nomeação de Ana Cláudia, que também tem sido articulada localmente, surgiu a partir da “ideia de ter uma mulher da Amazônia aproveitando esse cenário nacional e internacional que traz à tona uma lente das necessidades da região. É importante ter uma voz dentro do STF que compreenda essa realidade local, é uma representação”.

Espaço de poder

Advogada e presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica do Estado do Pará (ABMCJ-PA), Natasha Vasconcelos reforça que o debate sobre reivindicação é um debate sobre ausência e suas consequências práticas, sobretudo nos espaços com alto grau de poder decisório de impacto coletivo, como é o caso do STF.

Portanto, reivindicar representatividade, na argumentação dela, significa pleitear presença e atuação que leve para o centro do debate jurídico da Corte constitucional a experiência não só da jurista amazônida, mas, sobretudo, da mulher nortista.

“É inegável que construir uma carreira profissional, institucional e acadêmica sólida e nacionalmente relevante, ainda mais sendo mulher, estando em uma região considerada distante do centro do poder (eixo Sudeste) é uma tarefa hercúlea. São inúmeras as barreiras para a reconfiguração desses espaços a partir das margens e, por isso, é tão necessário que essa experiência de vida se faça presente, visível e ouvida na Corte constitucional”, declara.

Natasha, que é ativista e feminista, lembra que o STF tem 132 anos de existência e, até o ano 2000, nenhuma mulher havia ocupado as cadeiras da Corte. Faz-se necessário, então, estimular um projeto de vida público-político dos grupos excluídos do espaço de poder decisório, diz ela.

Para ela, a importância da indicação passa tanto pela possibilidade de espelhamento e expectativa de um projeto de vida profissional que possa alcançar esses espaços até a possibilidade de, uma vez neles, transformá-los por meio de políticas de diversidade, acessibilidade e inclusão.

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