'Hétero Top': Caso se enquadra na lei Carolina Dieckmann, que completou 10 anos em 2022
Lei tipifica crimes envolvendo a divulgação não consentida de conteúdos particulares
A Lei Carolina Dieckmann, que alterou o Código Penal Brasileiro para inclusão de delitos informáticos – envolvendo invasão de dispositivos e divulgação de conteúdos íntimos – completou uma década de existência este ano, no dia 30 de novembro, período próximo aos acontecimentos envolvendo a prisão de Maurício César Mendes Rocha Filho, conhecido como ‘hétero top’, detido no dia 9 deste mês por divulgar vídeo íntimo não consentido da influencer Luma Bony.
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A Polícia Civil do Pará, que investiga o caso, ainda não concluiu o inquérito para sugerir ao Ministério Público (MPPA) os crimes pelos quais Maurício Filho pode vir a ser julgado. No entanto, devido ao modus operandi do suspeito, comentado pelo advogado de defesa da família Bony e segundo relatos de outras vítimas (de que Maurício gravava e publicava vídeos íntimos para chantagear e extorquir mulheres), a prática se assemelha a alguns crimes previstos pela Lei Carolina Dieckmann. A Secretaria de Estado de Segurança Pública do Pará foi demandada para comentar o caso, não não deu retorno.
O presidente da Comissão de Direito Digital da OAB-PA, André Freire, explica que na Lei Carolina Dieckmann, de 30 de novembro de 2012, começou como uma forma de responsabilizar criminalmente pessoas que invadissem dispositivos eletrônicos e fizessem uso de conteúdo pessoal da vítima sem autorização. Nesses dez anos de existência, o dispositivo legal passou por aprimoramentos e, hoje, engloba oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender, distribuir, publicar e/ou divulgar por qualquer meio conteúdo particular não autorizado (válido para qualquer tipo de conteúdo, não apenas sexual).
“Ao longo desses dez anos, a Lei teve uma evolução muito grande. Antes, a Lei entendia a invasão quando era quebrado algum dispositivo de segurança do equipamento. Hoje esse não é mais um critério. Hoje, basta invadir. No início, também, a pena variava de seis meses de detenção até cinco anos. Mas hoje ela já começa com um ano de reclusão e pode se agravar de um a dois terços se aquela pessoa que divulgou as fotos tiver uma relação íntima com a vítima ou fizer a divulgação por vingança”.
Apesar de ser muito comum o uso de vídeos íntimos para extorquir as vítimas, a extorsão em si não é um elemento intrínseco à Lei Carolina Dieckmann, mas pode ser, sim, um agravante importante - enfatiza o advogado. André Freire afirma que, apesar de relativamente recente, a Lei é muito significativa, uma vez que aborda crimes que, por mais que aconteçam em âmbito digital, podem deixar marcas muito concretas na vida das vítimas:
“Geralmente, a descoberta é da forma mais grave possível. Mas pior do que a descoberta, são as sequelas. Como é algo tão íntimo, e de repente todo mundo está vendo, até familiares e às vezes filhos pequenos que têm acesso, é muito difícil de suportar. Existem casos até de suicídios. São sequelas que podem ficar para a vida inteira”, pondera André.
Crime circula em rede
André França comenta que um dos fatores que torna grave a divulgação de qualquer conteúdo íntimo não autorizado na internet é o potencial de pulverização que a rede permite àquele conteúdo, sendo praticamente impossível, para a vítima, a possibilidade de conter ou mesmo extinguir completamente da rede sua imagem, vídeo ou informação vazada por terceiros.
Por conta da gravidade disso, a Lei determina que toda pessoa que recebe conteúdo do tipo e continua enviando e replicando para mais pessoas também comete o crime, tanto quanto quem disponibilizou o conteúdo.
“Se eu tenho algo que eu sei que não tenho autorização para divulgar e passo para alguém, ou essa pessoa que recebe um conteúdo suspeito de não ser autorizado e continua a divulgação, ela também está cometendo crime. A partir do momento que eu compartilho, eu estou sendo conivente. Se você recebe um conteúdo que você não sabe se é autorizado ou não, é preciso apagar ou denunciar. Se conhecer a pessoa na imagem e puder consultá-la para saber se houve ou não a autorização, é necessário que se faça isso”, orienta.
Prints são provas
Assim que uma pessoa descobre que teve conteúdo íntimo seu divulgado, André orienta que o caso seja registrado formalmente em delegacia. Prints da circulação do conteúdo não autorizado são suficientes para constituir provas, assim como a constatação do conteúdo em circulação.
“Prints e as próprias imagens em circulação podem comprovar o crime. Quando o delegado foi abrir o inquérito ele vai procurar descobrir a origem do vazamento e fazer as devidas investigações, mas, em muitos casos, as vítimas até já sabem. Geralmente são ex-namorados que não aceitam o término e aí a Lei vem reforçar a justiça para a vítima porque, nesses casos, a pena pode ser agravada de um a dois terços”, diz o advogado.
André Freire enfatiza que, apesar de ser possível fazer a denúncia tendo algum registro da divulgação de conteúdo particular não autorizado, caso uma vítima não tenha esse material no momento, ela também pode denunciar, uma vez que o relato da vítima precisa ser considerado pela autoridade policial para início de investigação:
“Quando você chega à delegacia e afirma que não autorizou, a autoridade policial vai ter que dar credibilidade à vítima. Se, mais tarde, por meio de investigação, for entendido que a vítima tinha autorizado a divulgação, no passado, mas está dizendo outra coisa agora, por vingança ou algo do tipo, aí é outra investigação. Mas, a princípio, a autoridade policial deve dar essa credibilidade à vítima”, garante.
Como denunciar
Denúncias podem ser feitas em qualquer delegacia física ou virtual, entretanto, todos os casos são encaminhados à Divisão de Combate a Crimes contra Direitos Individuais Praticados por Meios Cibernéticos da Polícia Civil do Pará, que funciona todos os dias, de 8h às 18h, na avenida Pedro Miranda, nº 2288, entre Perebebuí e Passagem D'Hotel, no bairro da Pedreira. O telefone para contato é (91) 98568-2386.
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