Primeira quilombola promotora de Justiça do Brasil atua no Pará

Do Quilombo Jutaí, em Monção, município maranhense com pouco mais de trinta mil habitantes, Karoline Maia, que passou a atuar na função no município paraense de Senador José Porfírio este ano, foi a entrevistada da reportagem de o Liberal desta semana

Igor Wilson
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A nomeação da maranhense Karoline Bezerra Maia como promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, se tornando a primeira quilombola a ocupar o cargo na história do Brasil, é uma das notícias mais marcantes do ano em todo o País. Do Quilombo Jutaí, em Monção, município maranhense com pouco mais de trinta mil habitantes, Karoline Maia, que passou a atuar na função no município paraense de Senador José Porfírio este ano, foi a entrevistada da reportagem de o Liberal desta semana, contando os detalhes de sua trajetória até aqui, além de deixar um recado a todas que desejam uma melhora de vida.

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Estudiosa desde a infância, a nova promotora no Pará, que precisou nascer em São Luís devido a falta de maternidade em seu município, morou na capital maranhense durante boa parte da vida, sendo ex-aluna do projeto Identidade, iniciativa da associação nacional dos procuradores da república, implementada pela Fundação Pedro Jorge e que contou com o apoio da Educafro, uma organização não governamental que tem a missão de promover a inclusão da população negra. Conta que desde criança sempre acreditou na educação como ferramenta mais eficaz para transformar sua vida, enfrentando os obstáculos de um Brasil desigual para conquistar, aos 34 anos de idade, um dos cargos mais cobiçados da carreira jurídica. Um promotor de justiça deve garantir a fiscalização do poder público, defender os interesses da sociedade, muitas vezes combater a corrupção dentro das próprias estruturas do estado, e Karoline diz estar preparada.

Promotor precisa ter indignação e coragem

Para a nova promotora, que passou a atuar em Senador José Porfírio, município paraense marcado pelo alto índice de devastação florestal e baixíssimo IDH, ser promotor de justiça requer duas características fundamentais: indignação e coragem. Nenhuma das duas lhe faltam, afirma. A indignação de quem nasceu e cresceu mulher, maranhense, quilombola, desamparada por um Estado desigual, e a coragem de quem, mesmo com todas as injustiças sofridas, sempre seguiu acreditando na justiça, principalmente a divina, a quem atribui sua principal motivação para conseguir alcançar os objetivos ao longo da vida. Para ela, representatividade importa, é preciso que mais pessoas vindas de onde ela vem, cheguem nos lugares onde ela chegou, nas esferas onde o poder toma suas decisões.

Incentivos em família

Caçula de sete irmãos e primeira da família a concluir um curso superior, Karoline Maia perdeu a mãe ainda jovem e viu seu pai, um dos principais incentivadores, morrer em 2020 em um hospital público sem condições básicas de atendimento, mas continuou estudando até chegar a ser aprovada em concursos públicos para o Ministério Público de Sergipe, a Defensoria Pública de Rondônia, Procuradoria Municipal de Manaus e pelo Ministério Público do Pará, onde escolheu atuar e exercer a função. Na entrevista abaixo, a nova promotora falou sobre vários temas de sua história e carreira. Confira:

image Karoline Maia na sede do MPPA (Arquivo Pessoal)

1. Karoline, sua trajetória é um exemplo inspirador de resiliência e determinação. Como você manteve sua motivação ao longo de tantos desafios, especialmente quando enfrentou momentos em que parecia impossível alcançar seus objetivos?

A minha motivação veio principalmente da minha fé em Deus. Eu acreditava que, com a ajuda divina, seria possível superar qualquer obstáculo. Além disso, sempre tive a convicção de que a educação era a única maneira de transformar a minha vida e alcançar uma condição melhor. Acreditava profundamente que a educação tem o poder de libertar e abrir portas que, de outra forma, permaneceriam fechadas. Essa combinação de fé e crença no poder transformador da educação foi o que me manteve firme nos momentos mais difíceis, quando tudo parecia impossível."

2. Qual foi o maior desafio que você enfrentou em sua jornada até se tornar promotora de Justiça e como superou esse obstáculo? E qual conquista pessoal ou profissional você considera a mais significativa até agora?

"Os maiores desafios foram problemas financeiros e a incerteza se um dia daria certo. A conquista mais significativa até agora é ter alcançado a posição de promotora de Justiça, superando todas as adversidades."

3. Você é a única de sua família a possuir um diploma universitário e valoriza a educação. Quais são suas visões sobre a melhoria da educação em comunidades quilombolas e rurais, e como o Ministério Público pode contribuir para essas melhorias?

A melhoria da educação em comunidades quilombolas e rurais passa por um maior investimento em infraestrutura, formação de professores e políticas públicas inclusivas. O Ministério Público pode contribuir fiscalizando a aplicação dessas políticas e garantindo que os direitos dessas comunidades sejam respeitados.

4. Você nasceu e foi criada em São Luís porque seu município não tinha maternidade nem condições estruturais. Como você fez para manter as raízes?

Tive que nascer na capital maranhense porque não tinha maternidade na minha cidade, além de outros tipos de estruturas. Na época, como ainda hoje, era normal. Então meus pais, vendo que na capital poderiam me dar melhores oportunidades, decidiram viver em São Luís, onde consegui acesso a uma boa educação, estudando na rede pública e depois sendo bolsista de uma rede de educação privada.

5. A perda de seu pai anos antes de assumir o cargo de promotora lhe marcou de qual forma?

Meu pai sempre teve muito orgulho de mim, sempre me incentivou a estudar, adorava dizer que tinha uma filha doutora depois que me formei. Vê-lo partir foi doloroso, mas antes de morrer ele fez eu prometer que seguiria lutando pelos meus sonhos. Aquilo foi marcante, ali decidi que iria entrar para o Ministério Público, que foi o que sempre quis”. 

6. Como você vê seu papel na promoção da justiça social e dos direitos das minorias na região de José Porfírio? Há projetos específicos que você já está desenvolvendo?

O papel de diferença na sociedade é inerente a todo e qualquer promotor, pois o Ministério Público é responsável pela promoção dos direitos sociais e direitos coletivos. Os projetos que eu desenvolvi foram os constantes no plano de atuação

7. Você se considera preparada para enfrentar muitas vezes interesses alheios que podem vir de dentro do Estado? Tem medo?

A atuação do Ministério Público é bem complexa, ela não é limitada, é muito diversa, e não há como ter uma cartilha com todos os procedimentos. Como minha colega Camila, no dia da nossa posse, mencionou, ser promotor requer duas coisas: indignação e coragem. Então, é na prática que iremos aprender como lidar com determinada situação

8. Como é seu dia a dia como promotora de Justiça em uma comarca interiorana do Pará? Quais são os maiores desafios que você enfrenta?

Meu dia a dia envolve uma série de atividades, desde a análise de processos e atendimento ao público até a participação em audiências e inspeções. Os maiores desafios são a limitação dos recursos humanos e a necessidade de atender a uma demanda crescente com uma estrutura limitada

9. Quais conselhos você daria para aquelas jovens que se inspiram em você e que sonham em seguir uma carreira na Justiça ou em outras áreas tradicionalmente dominadas por homens brancos de classe média?

Acreditem em si mesmas e no poder transformador da educação. Não deixem que os obstáculos desviem vocês de seus sonhos. Busquem apoio, mantenham-se firmes em seus objetivos e lembrem-se de que a representatividade importa. Vocês são capazes de alcançar qualquer posição que desejarem.

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