Mulheres na ciência: protagonismo feminino na pesquisa revela histórias de esforço e amor
Cientistas paraenses narram histórias de luta e superação, garantindo que, sim, lugar de mulher também nos espaços acadêmicos
Os estigmas e preconceitos de uma sociedade machista ainda são desafios para que o espaço da pesquisa e da ciência seja um território de mulheres. Essa realidade é confirmada por pesquisadoras belenenses, que vivem na pele as dificuldades de ser mulher e cientista. No entanto, o campo da pesquisa, gradativamente, tem sido palco para o protagonismo feminino ao passo que mulheres reivindicam o reconhecimento. Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, celebrado na próxima quarta-feira (8), cientistas paraenses narram histórias de luta e superação, garantindo que, sim, lugar de mulher também é na ciência. E onde elas quiserem.
Formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bianca Venturieri, 45 anos, de Belém, possui uma trajetória exitosa na pesquisa ao longo de 24 anos de conclusão do curso. Ela é doutora em Educação para a Ciência na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e possui mestrado em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará (UFPA). A professora lembra que o tino pela área científica veio desde a graduação, quando despertou interesse em análises voltadas ao comportamento animal. No entanto, a área de educação e ensino se tornou o foco de pesquisa.
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Atualmente, a professora desenvolve pesquisas na área de inclusão educacional de pessoas surdas, deficientes visuais e de pessoas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além disso, orienta alunos da graduação e mestrado. A professora lembra que as dificuldades para o público feminino começam desde a graduação — às vezes muito antes —, já que a área das ciências naturais é composta, principalmente, por homens. Ela não foi isenta de passar por situações de preconceito: “Um professor meu disse que não gostava de que os estagiários fossem mulheres, porque eram cheias de frescura. Mas nunca me deixei desmotivar por isso”, lembrou Bianca.
O desafio de conciliar as atividades de estudo e a convivência familiar também se fez presente para Bianca. Após se formar, a continuidade na pós-graduação precisou ser adiada por conta da maternidade. O cuidado com os filhos veio em primeiro lugar. Já no processo de doutorado, ela contou com o apoio familiar na criação dos filhos. Ela frisa que esse apoio e a divisão de tarefas junto ao marido foi essencial durante essa trajetória acadêmica.
“Era difícil conciliar a carreira acadêmica, da pesquisa em ensino, em educação e divulgação científica com a criação dos meus filhos. O meu doutorado foi em São Paulo. Deixei meus filhos em Belém. Eu ficava indo e voltando. A gente acaba assumindo o papel de professora, pesquisadora e mãe. E isso no dia a dia não é fácil. A gente tem que ter sim uma rede de apoio. Muitas meninas, muitas alunas minhas, desistiram no meio do caminho, porque elas não tiveram esse apoio e esse suporte”, disse.
Bianca destaca que o número de mulheres na ciência cresceu expressivamente, observada a maior presença nas universidades, mas ainda é necessário reconhecimento. “O número de mulheres na academia tem um número considerável. Mas você não vê pesquisadoras serem reconhecidas, se envolverem em gestão de pesquisa, de alta produtividade. Hoje em dia são poucas as que têm uma carreira de destaque na gestão. Normalmente é o público masculino que se desenvolve com pesquisas de nível nacional”, frisou Bianca.
Dupla rotina
Com uma gestação em andamento, a biomédica e doutoranda Nayara Silva, 25 anos, de Belém, vive a rotina de se dividir entre a vivência no laboratório do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB) e os preparativos para a chegada do filho Miguel. A jovem está desenvolvendo uma pesquisa de doutorado com foco no combate ao câncer, no Núcleo de Pesquisa em Oncologia (NPO), por meio do Programa de Pós-Graduação em Oncologia e Ciências Médicas (PPGOCM) da UFPA. O interesse pela pesquisa tomou conta dela desde o ensino médio, época em que se viu “apaixonada por biologia e genética”. No laboratório, atualmente, ela realiza apenas tarefas atóxicas — para evitar riscos ao bebê.
“O meu início no meio científico foi bastante precoce. Desde que iniciei a faculdade de Biomedicina, em 2013, pela Universidade Federal do Pará, no mesmo ano, já me inseri como voluntária em projetos de pesquisa desenvolvidos no NPO. É a minha segunda casa desde então. Graças a Deus tenho um apoio surreal dos meus amigos e colegas de laboratório, dos meus orientadores, de familiares e do meu esposo que me incentivam e apoiam sempre minha caminhada e entendem todas minhas ‘limitações’ atuais. Inclusive, o meu bebê, o Miguel, já é um pesquisador, pois está comigo no dia a dia, no desenvolvimento de eventos científicos, aulas e projetos que participo”, relatou Nayara.
“Sei que as mulheres enfrentam bastantes desafios no meio profissional, pois ainda há um preconceito atrelado a sua imagem e suas condições fisiológicas, que é um absurdo. Neste ponto, me considero privilegiada, pois no laboratório a qual pertenço, cerca de 70% a 80% sempre foi composto por mulheres, número que só cresce com o passar dos anos. Então, sempre me senti muito acolhida e respeitada. Não somente pelas mulheres, mas também pelos homens”, celebrou ela, lembrando que a presença de outras mulheres na ciência também a inspiram.
Primeiros passos na pesquisa
A estudante de graduação em Biotecnologia na UFPA, Sabrina Oliveira, de 21 anos, belenense, também é uma das potências femininas que optaram trilhar o caminho da pesquisa. A jovem é vinculada ao NPO, onde desenvolve um projeto de Iniciação Científica, voltado a testes in vitro com linhagens de células de câncer. Ela celebra a presença feminina na academia, que considera uma forma de empoderamento, mas diz que esse ambiente já deveria ser comum às mulheres há muito mais tempo.
“Eu sempre quis trabalhar desenvolvendo algo, eu sempre gostei do novo, a biotecnologia foi o que mais me chamou atenção, desenvolver algo que ajude as pessoas. Na minha família houve vários casos de câncer. Então, foi algo que sempre me instigou e que eu acompanhei de perto. Logo que entrei na graduação e fui atrás da oncologia e cada vez fui gostando mais da área. Eu pretendo fazer mestrado e doutorado, e continuar com minhas pesquisas e projetos”, contou Sabrina.
Apesar da história marcada por aprendizados e conquistas, a jornada de Sabrina foi marcada pelo falecimento da mãe, que era uma grande incentivadora do sonho da filha.
“Quando a mamãe adoeceu, foi uma realidade que mudou bruscamente. Atrasei minha graduação e me dediquei a cuidar dela. E não faria diferente. Mesmo assim, ela queria que eu não parasse. Mesmo cuidando dela, eu ainda consegui meu estágio no núcleo. Quando ela faleceu, tivemos que assumir muitas coisas. Hoje somos eu, minhas irmãs e meu pai. Mamãe era nosso sol”, lembrou, refletindo que, muitas vezes, o trabalho de cuidar de alguém recai sobre mulheres.
(Gabriel Pires, estagiário, sob a supervisão de Victor Furtado, coordenador do Núcleo de Atualidades)
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