Mães de crianças com deficiência enfrentam luta na busca por inclusão da família na rede de apoio

Mães que são tão admiradas por tudo que representam se dizem 'invisíveis' e sem voz; elas falam que sentem falta de políticas públicas voltadas para elas

Patrícia Baía
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Silmara Gonçalves Bezerra, 42 anos, professora de língua portuguesa é mãe de uma moça de 23 anos e de um menino autista de 10 anos. Cleide Paiva, 53 anos, pedagoga, é mãe de uma moça de 22 anos com síndrome de Down. Hanna Beatriz Santiago, 33 anos, advogada, autista e mãe de um menino autista de 6 anos. São três mulheres que em algum momento suas vidas se cruzaram e perceberam que dividiam as mesmas alegrias, dores, lutas e anseios.

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Elas são mulheres e mães especiais com quase “superpoderes”, pelo menos aos olhos de quem está de fora, que tem uma luta de anos após anos, para garantir os direitos básicos de seus filhos com deficiência. “Também somos conhecidas como 'barraqueiras' porque fazemos, sim, confusão por causa dos nossos filhos”, observou Silmara Bezerra.

As três são amigas e moram em Castanhal, região nordeste do estado, e se conheceram durante suas rotinas de idas e vindas em terapias e outras atividades voltadas para reabilitação dos filhos.

Mas essas mães que são tão admiradas por tudo que representam se dizem “invisíveis” e sem voz. “Chega o dia das mulheres e o dia das mães e queremos ser lembradas e ouvidas e isso não acontece. Estamos adoecendo e como vamos cuidar dos nossos filhos se não estamos bem?”, questiona Cleide Paiva, que também faz parte do Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência e da Associação de Mãos Dadas Cromossomos 21.

As mães falam que sentem falta de políticas públicas voltadas para elas. “Nossa carga é muito pesada e começa quando ainda estamos na maternidade. No meu caso quando o médico disse que a Isabelle tinha síndrome de Down foi muito difícil e eu não sabia o que fazer. Primeiro passei pela fase do luto, depois, procurei a APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), em Belém, para os primeiros passos e a luta nunca mais parou”, disse Cleide Paiva que começou a fazer terapia com uma psicóloga.

“Só agora que a minha filha está com 23 anos que eu consegui pagar um psicólogo. Porque tudo sempre foi somente para ela e agora estou podendo cuidar um pouco de mim, da minha saúde mental. Já fiz duas sessões, mas estou me descobrindo e revendo muitas coisas em
minha vida”, contou Cleide.

Silmara Gonçalves também conta com o apoio de uma profissional para poder dar conta de todas as atribuições que a maternidade agregou a ela. “Eu me anulei e vivo para os meus filhos, principalmente para o Israel. Ele me demanda muito. Eu faço terapia no CPS (Centro de Atendimento Psicossocial) apenas de 15 em 15 dias, mas tem mãe que não conseguiu ainda começar e outras são atendidas, também na rede pública, de seis em seis meses. E a terapia é algo essencial na minha vida porque se eu não tiver ajuda da psicóloga eu não aguento. Tenho uma carga muito pesada. De segunda a sábado levo meu filho para a terapia, além da escola e os outros cuidados com ele”, contou Silmara Bezerra.

As mães sentem falta de uma rede de apoio do poder público e de um acolhimento nos momentos mais difíceis da rotina de uma mãe especial. “As mães estão adoecidas e o poder público não desenvolve nenhuma política pública para nós. Sabemos que é muito pouco o que fazem para os nossos filhos, mas vem sendo feito bem devagar. Porém, para nós não tem nada, como por exemplo uma rede de conversa com o psicólogo ou um treinamento para que aprendamos a lidar com diversas situações”, pontuou Silmara Bezerra.

Hanna Santiago relata um dos momentos mais complicados que passou com seu filho ainda bebê. “Quando nossos filhos nascem não sabemos nem como cuidar na hora de uma convulsão. Na minha primeira vez foi terrível e ele ficou muito tempo desmaiado até eu conseguir ajuda. A gente não tem nem escuta dos próprios profissionais da saúde como obstetras ou pediatras. O nível de estresse é tão grande que muitas mães adoecem de câncer, doenças autoimunes, distúrbios psicológicos”, disse Hanna Santiago.
A advogada descobriu que era autista observando o filho. Hanna identificou alguns aspectos nela semelhantes ao da criança. “Comecei a fazer uma investigação do autismo adulto e também procurei uma geneticista e fui diagnosticada. Então agora eu entendo todas as limitações e comportamentos que tive a vida toda”, contou.

Hanna precisa superar as dificuldades pessoais para cuidar do filho. “Por eu ser autista fica muito difícil para eu conseguir equilibrar os meus limites com o que eu consigo fazer para ele”, contou.

image União é importante para que mães consigam desenvolver suas atividades diárias na sociedade e com seus filhos (Patrícia Baía/ O Liberal)

 

Nós somos invisíveis

É assim que elas se denominam. Como mulheres e principalmente mães. “Eu fiz um artigo sobre a rede de apoio às famílias, principalmente as mães porque quando a gente fala de filhos com a deficiência quem cuida geralmente são as mães. E eu fiz um levantamento na Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) e visitei e todos os locais de saúde de Castanhal e constatei que nenhum deles oferece qualquer tipo de apoio aos responsáveis. E moramos em uma cidade que tem 24 % da população com alguma deficiência, como indicou o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e essas pessoas possuem alguém por traz delas que precisa de ajuda para que elas possam ajudar os deficientes. Então, o que acontece é que a gente cuida dos filhos sem nos cuidarmos e isso por anos. A gente fica adoecida e ninguém está vendo isso. Somos invisíveis”, observou Silmara Bezerra.

Profissão x maternidade

As mães relatam que é normal que quase sempre tenham que abandonar a profissão para a dedicação exclusiva a criação do filho com deficiência.
Cleide Paiva só conseguiu a graduação em pedagogia há cerca de seis anos e depois veio a pós- graduação em educação especial e inclusiva com ênfase em surdez e libras. Atualmente está concluindo outra pós-graduação em síndrome de Down. “Estudei com muito esforço em uma fase da vida que minha filha Isabelle já estava ficando mais adulta, porém, eu parei de trabalhar desde que ela era bem pequena. Eu não conseguia acompanhar toda a rotina dela de consultas e fisioterapias e por isso decidi abandonar tudo”, contou a pedagoga.

Já Silmara Bezerra que é professora concursada do município teve que entrar na justiça para poder continuar trabalhando com uma carga horária reduzida. “Só trabalha no turno da noite, graças a redução da carga horária que consegui judicialmente e mesmo assim eu ainda falto e tenho que pagar a carga horária. Foi acordado com a diretora da escola que quando isso acontecer eu vou no outro dia pela manhã para poder pagar a carga horária e, ainda volto no meu horário à noite. E tem dias que o pai do meu filho não pode ficar com ele por questões de saúde, e eu o levo comigo para a escola”, contou.

A dificuldade em exercer a profissão também é grande para Hanna Santiago. “Montei um escritório e quase não ia lá, porque tinha que levá-lo para a terapia, para escola, para a
consulta e não tive mais condições de trabalhar. E é uma frustação porque a gente tem que abandonar uma coisa que a gente sonhou e lutou tanto para conseguir e a gente não consegue dar conta”, disse.

Preparando uma mãe

Para Cleide Paiva a rede de apoio deveria ser formada desde a fase do pré-natal, que é a fase de acompanhamento da grávida pelo médico. “E quando a gente fala em políticas públicas direcionadas para nós é preciso destacar que a culpa está na saúde básica que deveria nos assistir desde a gravidez quando se vai ao posto para o pré-natal. Somos orientadas e tratadas somente como se a criança fosse nascer perfeita. Tem casos que antes de nascer já dá para saber que a criança terá uma deficiência. Seria interessante informar que pode vir uma criança com deficiência e já começaria a direcionar para aquele momento”, observou Cleide.

Protagonismo alusivo

Para Silmara Bezerra as datas comemorativas como o Dia da Conscientização da Síndrome de Down e o Dia Mundial de Conscientização para o Autismo oferecem um protagonismo momentâneo aos deficientes. “O Israel, a Isabelle e o Victor aparecem nessas datas especiais para a sociedade. As pessoas chamam para tirar foto, gravar vídeos e dar entrevista no mês da conscientização do Autismo e da síndrome de Down e depois são esquecidos, mas nós não aparecemos em nada. Não temos um destaque no mês das mulheres ou das mães de pessoas especiais. Isto é necessário, precisamos de ajuda do poder público, precisamos de políticas públicas de inclusão, também precisamos ser lembradas e cuidadas. Precisamos aprender para ensinar, precisamos aprender a entender, a observar para cuidar ”, observou.

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