Estudo aponta mais de 20 mil casos de violência sexual contra crianças indígenas em 4 anos no Pará

Com financiamento da UFPA, a pesquisa considera aspectos como idade, sexo, escolaridade e presença de deficiência ou transtorno, além de características do agressor, como vínculo com a vítima e uso de álcool.

O Liberal

Entre 2018 e 2022, mais de 20 mil casos de violência contra crianças e adolescentes foram registrados no Pará. Destes, 188 envolviam vítimas indígenas, e mais da metade (55,85%) foram casos de violência sexual. Os dados são da pesquisa “A Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes Indígenas: Caracterização dos Casos Notificados no Pará no Período de 2018 a 2022", desenvolvida por Anita Machado Bastos, 21 anos, graduanda em Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob orientação da professora Milene Maria Xavier Veloso. O levantamento revela que crianças e adolescentes indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis à violência sexual no Brasil. 

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O estudo analisa detalhadamente os casos registrados de violência sexual contra jovens indígenas no estado. A pesquisa foi baseada na análise de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). O levantamento aponta que meninas foram as principais vítimas, representando 93% dos casos, e que a faixa etária mais atingida foi entre 13 e 15 anos. Foram considerados aspectos como idade, sexo, escolaridade e presença de deficiência ou transtorno, além de características do agressor, como vínculo com a vítima e uso de álcool.

Violência

Segundo Anita Bastos, ao falar sobre indígenas crianças, a pesquisa expõe uma diversidade étnica para a discussão, dado que não é somente o físico que é atingido, mas o psicológico, o social e o cultural. “Nosso objetivo principal é dar visibilidade a essas informações que estão disponíveis no Departamento de Informação e Informática do SUS (DataSUS), dando sistematização e destaque para esses dados que muitas vezes se transformam apenas em estatísticas, sem que haja a devida atenção e problematização”, diz a graduanda. 

Para Anita, durante o aprofundamento da pesquisa, foi constatado que há um grande problema relacionado a subnotificações. Muitos dos casos de violência sexual envolvendo este grupo não chegam ao poder público das instituições de saúde ou mesmo ao conhecimento das instituições que atendem os povos indígenas. Dessa maneira, a pesquisa questiona não somente os casos que foram notificados, mas os vários outros que não são conhecidos e acabam sendo cometidos de maneira silenciosa.

“Dos resultados que obtivemos, observamos que em aproximadamente 41% dos casos a violência sexual foi cometida por algum conhecido da vítima. Em 8,57%, a violência foi cometida pelo padrasto. E, em 7,62%, foi o próprio pai da vítima o autor. O percentual de desconhecidos que cometeram a violência representa 5,71% dos casos. Os resultados apontam que há um número maior de casos de prováveis autores da violência considerados conhecidos da vítima. Não temos como afirmar que são pessoas indígenas, pois podem ser conhecidas do entorno das comunidades ou até de cidades próximas. Nas notificações de casos em que a violência foi cometida pelo padrasto, também não podemos afirmar que são pessoas indígenas. O número é maior, mas acabam não sendo expostos”, explica a estudante.

image Anita Machado Bastos, autoria da pesquisa sobre violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas. (Foto: Alexandre de Moraes / UFPA)

Para Anita, a realidade das crianças indígenas é ainda mais preocupante devido a fatores externos que agravam sua vulnerabilidade, como a invasão de territórios pelo garimpo ilegal e pelo agronegócio, que têm impulsionado a exploração sexual e o uso de drogas e álcool dentro das aldeias.

“É um nível de vitimação e vulnerabilização enorme. E não podemos falar sobre os impactos, sem mencionar que a colonização continua repercutindo na história desses povos. As consequências e impactos já estão sendo mostrados desde esse momento até os dias de hoje. É uma ferida que cicatriza, mas não deixa de doer. Na pesquisa, falo sobre como essas drogas chegam às aldeias justamente por essa influência externa. A saúde e a segurança dessas comunidades estão ligadas ao garimpo ilegal e ao agronegócio. Dependendo da vulnerabilidade da comunidade, podem oferecer comida, roupa e bebida alcoólica em troca de abusar das crianças. Em muitos dos casos, as vítimas acabam também engravidando", alerta a pesquisadora.

A pesquisadora afirma que muitos casos de violência sexual passam por invisibilizações e correm risco de ser homogeneizados entre tantas outras notificações. Segundo ela, uma das dificuldades é mostrar quando o caso é caracterizado como uma violência. “É uma violação grave contra os direitos de crianças e adolescentes, caracterizada por um ato sexual em que a vítima é pressionada ou forçada a satisfazer o abusador contra sua vontade. Esses atos com cunho sexual podem possuir ou não contato físico, o que os torna ainda mais graves nesse público, pois estão em um período de maior vulnerabilidade, passando por um processo de desenvolvimento psicossocial”, explica Anita.

Proteção das vítimas

A autora do estudo destaca que é necessário um olhar crítico sobre os fatores históricos e políticos que perpetuam essa realidade, bem como uma atuação efetiva dos órgãos de proteção. “Esses órgãos fazem parte de uma ampla rede de proteção e estão presentes em comunidades mais isoladas, o que é fundamental para garantir o cuidado às vítimas. Um dos casos dessa pesquisa envolveu uma criança de 4 anos que recebeu tratamento para reduzir os riscos de infecções sexualmente transmissíveis. Essas instituições estão fazendo um trabalho importante nesse sentido”, afirma.

“Não existe uma infância no singular, mas infâncias, permeadas por construções sociais que impactam sua representação dependendo do seu caráter histórico, político e cultural. Isso afeta não apenas a vulnerabilidade, mas também a invisibilidade, o que faz com que essa violência seja cada vez mais silenciada, pois os órgãos responsáveis, muitas vezes, não fazem as notificações adequadas ou não tomam as devidas providências”, conclui Anita.

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