Estudo aponta aumento da temperatura nas florestas tropicais no Pará e no mundo
No Pará, a região Sul registra as maiores variações de temperatura. Aquecimento impacta biodiversidade local e as funções ecológicas das áreas
A copa fechada das grandes florestas tropicais ao redor do mundo não tem impedido o aumento da temperatura próximo ao solo, devido ao aquecimento global. A descoberta é de um estudo que envolve mais de 30 instituições de pesquisa, incluindo a Rede Amazônia Sustentável (RAS), rede co-coordenada pela Embrapa Amazônia Oriental (PA). O trabalho analisou a temperatura média em, aproximadamente, 9 milhões de quilômetros quadrados no interior de florestas de vários países ao redor do globo nos últimos 30 anos. No Pará, o estudo observa que a região sul do estado tem tido significativas variações de temperatura, enquanto a região norte tem apresentado mais estabilidade, gerando áreas de refúgio a serem preservadas.
O grupo de pesquisa quantificou a temperatura abaixo da copa das árvores, praticamente no chão da floresta (a 5 centímetros acima do solo), de hora em hora entre 1990 e 2019 em todas as regiões de florestas tropicais do mundo. Conforme explica a pesquisadora da Embrapa, Joice Ferreira, a iniciativa se difere da maior parte dos estudos de clima, que medem a temperatura ao ar livre, com o propósito de observar se a cobertura vegetal proporcionada pela copa das árvores é capaz de mitigar o aquecimento. A descoberta foi a de que o regime de temperatura nos últimos 14 anos (2005 a 2019) está fora da faixa registrada historicamente (entre 1990 a 2004).
"Pela primeira vez a gente está mostrando aumento de temperatura debaixo da copa das árvores e isso aumenta a preocupação com as mudanças de clima, com o aquecimento global. Debaixo da copa das árvores a gente esperava que fosse um local mais protegido, mas não é isso que está acontecendo”, detalha a pesquisadora da Embrapa.
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“Nosso estudo desafia a noção predominante de que as copas das florestas tropicais irão mitigar os impactos das mudanças climáticas e nos ajuda a entender como priorizar a conservação dessas áreas-chave da biodiversidade de forma eficaz”, afirma Alexander Lees, pesquisador da Universidade Metropolitana de Manchester (Reino Unido) e co-autor do artigo.
Como o estudo foi feito?
O estudo divulgado na revista Nature Climate Change é assinado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, e resultou da análise de registros microclimáticos e dados pesquisa de campo em 300 mil pontos de coleta em todos os trópicos globais, incluindo Brasil, Peru, Uganda, República Democrática do Congo e Malásia.
A América Latina, em especial no sul da Amazônia e nos Andes, experimentou a maior mudança geral em termos de temperatura cumulativa e na temperatura média anual, faixa de temperatura média diurna e sazonalidade de temperatura. Nesse continente, do qual o bioma amazônico é parte importante, 27% da floresta não perturbada tiveram regimes totalmente novos de temperatura média anual e 31% apresentaram faixas de temperatura média diurna totalmente novas. Entre as principais causas dessa mudança estão, ao nível global, a queima de combustíveis fósseis, e na Amazônia, o desmatamento e as queimadas, apontam os especialistas.
No Pará, o estudo apontou que a região norte tem apresentado menos variação de temperatura, e o destaque tem sido o extremo oposto – a grande variação de temperatura na região Sul. Joice Ferreira diz que “a degradação das florestas no sul do Pará está entre os fatores que explicam as grandes diferenças de temperatura nessa região, enquanto na calha norte ainda tem grandes áreas de floresta conservada”.
É preciso conservar e restaurar florestas tropicais
Até recentemente, as temperaturas no interior das florestas permaneciam estáveis, o que significa que a biodiversidade presente nessas áreas evoluiu em uma estreita faixa de temperaturas. Mudanças no microclima da floresta, portanto, podem impactar diretamente a biodiversidade local e as funções ecológicas das áreas. As florestas tropicais são os ecossistemas terrestres mais diversos do mundo, acolhendo mais de 62% das espécies de vertebrados e mais de 75% das espécies de plantas com flores, aponta o artigo.
"Os dados do trabalho fornecem novos indícios das mudanças no clima que estão ocorrendo em escala mundial, incluindo a Amazônia. São mudanças que implicam um efeito cascata de perda da biodiversidade e aquecimento global com a perda de integridade de nossas florestas. Essas evidências, juntamente às perdas humanas que estamos vivendo, haja vista a situação do Rio Grande do Sul, nos convidam a mudar a nossa abordagem frente ao problema. É tempo de falar sobre ele amplamente em nosso dia a dia. É tempo, especialmente, de mudar nosso modo de vida e agir para resolver esse problema", finaliza Joice Ferreira.
*Estagiário sob supervisão de João Thiago Dias, coordenador do núcleo de Atualidade.
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