BETs: Defensoria Pública pede criação de cadastro de apostadores e recursos para educação financeira

Esta e outras importantes medidas são propostas pela Defensoria Pública do Estado do Pará buscando proteger os consumidores que apostam em BETs do superendividamento e facilitar a busca pelos seus direitos. Confira!

Enderson Oliveira

Nos últimos anos, o Pará e outros Estados do Brasil têm visto um crescimento gigantesco nas apostas esportivas online, que impactam negativamente a sociedade, especialmente entre consumidores mais vulneráveis. Movimentando entre R$ 60 e R$ 100 bilhões em 2023, esse setor impulsionado pela Lei das Bets (Lei nº 14.790/2023) representa quase 1% do PIB nacional.

O aumento no volume de apostas não é apenas um fenômeno financeiro; ele também carrega consequências sociais graves. A facilidade de acesso por meio de dispositivos móveis e a constante promoção nas redes sociais têm contribuído para o crescimento de casos de ludopatia – um transtorno psicológico caracterizado pela compulsão pelo jogo, segundo a CID 10-F63. Esse transtorno leva muitas vezes a quadros de ansiedade, depressão e até suicídio.

Além do impacto psicológico, a questão econômica é outro ponto alarmante. Dados do Banco Central mostram que o endividamento das famílias brasileiras alcançou 78,9% em 2023, com parte desse índice atribuída às apostas online. Famílias em situação financeira vulnerável veem seus orçamentos comprometidos, redirecionando recursos que deveriam suprir necessidades básicas para sustentar um comportamento de alto risco.

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O contexto é complexo e envolve ainda a publicidade das plataformas de apostas, que “promete” ganhos financeiros fáceis, estimulando comportamentos compulsivos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante proteção contra práticas abusivas, mas as campanhas publicitárias de apostas induzem frequentemente a ideia de que o jogo é uma solução para dificuldades econômicas, violando o direito à informação clara (art. 6º, CDC).

Ao incitar a curiosidade e o interesse do público jovem, essa prática expõe um grupo especialmente vulnerável ao vício e ao endividamento, em violação ao princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente, conforme o artigo 227 da Constituição Federal.

MEDIDAS

Diante deste cenário amplo e perigoso, a Defensoria Pública do Estado do Pará tomou algumas atitudes: no final de setembro, o coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor, Cássio Bitar Vasconcelos, instaurou um Procedimento Administrativo Preparatório para Atuação na Tutela Coletiva, visando investigar os potenciais danos causados aos consumidores pela divulgação de apostas online (as chamadas BETs) e seus impactos no aumento do endividamento da população paraense. O procedimento visa apurar como a promoção dessas plataformas pode estar agravando a situação financeira de indivíduos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, que podem ser atraídos por promessas de ganhos rápidos, mas acabam acumulando dívidas.

O também defensor público Daniel Lobo ajuizou uma Ação Civil Pública contra as plataformas de apostas, cuja medida visa proteger a população mais vulnerável, especialmente beneficiários do Bolsa Família, após dados revelarem que R$ 3 bilhões foram enviados às plataformas de apostas via pix. A ação destaca problemas como endividamento em massa e comportamento compulsivo.

image Cássio Bitar, defensor público e coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Pará (Thiago Gomes | O Liberal)

Para este controle, muito ajudaria o cadastro dos apostadores e a inclusão obrigatória das empresas de apostas no portal Consumidor.gov, buscando facilitar assim o contato por parte dos consumidores que possuam demandas. “A criação de um cadastro de apostadores é uma medida proposta para monitorar o perfil financeiro dos jogadores, resguardando a privacidade fiscal e prevenindo riscos financeiros e psicológicos associados ao jogo”, explica o Defensor Público Cássio Bitar.

Cássio Bitar esclarece ainda que esse cenário demanda um esforço conjunto entre o poder público e a sociedade para promover uma regulamentação efetiva, que considere tanto a proteção dos consumidores quanto o impacto econômico gerado pelo setor.

Outras medidas citadas pelo Defensor Público que poderiam ser adotadas é a alteração do art. 29 §1º, da Lei nº 13.756/2018, destinando percentual não inferior a 2 (dois)% do arrecadado para fomento da Estratégia Nacional de Educação Financeira, política de Estado que visa promover a educação financeira e previdenciária no Brasil. Para isso, é preciso “a efetiva fiscalização pelo Ministério da Fazenda, através de sua secretaria especializada, para o fiel cumprimento da legislação”, conclui Bitar.

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