O Liberal em Kiev: a atuação da sociedade ucraniana na guerra
Desde a invasão total russa em fevereiro de 2022, a Ucrânia sobrevive na guerra graças ao financiamento dos Estados Unidos e de quase todos os aliados da OTAN, especialmente a França, Alemanha, Reino Unido e a Polônia. Além da ajuda externa, os soldados no front contam, também, com a sociedade civil ucraniana.
O país conta com diversas organizações que trabalham para garantir um suporte a quem está na linha de frente. A embaixada da Ucrânia no Brasil tem nos auxiliado com contatos em Kiev, e agendou entrevistas com a Fundação Come Back Alive e a organização Center for Civil Liberties para compreender melhor essa relação entre a sociedade e a guerra.
A primeira é focada na Defesa do país, atuam desde os protestos da EuroMaidan em 2014 e, desde então, cresceram e se tornaram uma das principais fundações do país, O prédio de onde atuam é similar a um prédio governamental de alta relevância, dado o tamanho do espaço. Desde a sua criação, a fundação arrecadou mais de 11 bilhões de hryvnias (cerca de 341 milhões de dólares) para apoiar o exército ucraniano.
Quando cheguei, fui recebido pela Anastasiia Yurchyshyna, de 23 anos. Ela gentilmente apresentou o prédio e explicou os objetivos da fundação. Assim como Anastasiia, a maior parte dos funcionários e voluntários são jovens na faixa de 20 a 30 anos.
A missão da fundação é fornecer tecnologia, treinamento e munições para ajudar a salvar vidas de ucranianos e auxiliar os soldados na defesa do país, atendendo demandas que o estado não consegue suportar por conta própria. Come Back Alive também é a primeira organização de caridade na Ucrânia autorizada a comprar e importar bens militares. Entre outras aquisições, já adquiriram para as unidades de defesa o sistema UAV Bayraktar TB2, 12 veículos blindados especializados, mais de 4600 unidades de armas coletivas de infantaria, incluindo metralhadoras, morteiros e lançadores de granadas.
Essa fundação também desenvolve análises, defende reformas no setor de segurança e defesa e trabalha para reintegrar veteranos ucranianos de volta à sociedade. Fui recebido por um ex-soldado de 30 anos que, hoje, coordena a ala militar da fundação. Todo dia eles entram em contato com as brigadas na região do Donbass para saber o que precisam e, então, iniciam a correria para suprir as necessidades de lá.
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Hoje, a maior necessidade são os drones. Cada brigada se estende por uma faixa de 7km e, por dia, precisam de vinte drones novos para manter a posição. Para entender os custos e a dificuldade de atender a essa necessidade, é preciso calcular que a fronteira entre Ucrânia e a Rússia tem mais de 2.200km de extensão.
Vlad, o ex-combatente militar que trabalha na fundação, carrega um drone russo como recordação na parede do seu escritório. Ele afirma que a situação na linha de frente é difícil, muitas vezes os familiares dos soldados se juntam para comprar equipamentos mais urgentes que não estão sendo entregues dentro do prazo, mas afirma que “é melhor não esperar a Ucrânia ruir para entender a importância de defendê-la”.
A organização Center for Civil Liberties se tornou mundialmente famosa ao se tornar a primeira organização ucraniana a conquistar o prêmio Nobel da Paz em 2022. O grupo se dedica à defesa dos direitos humanos e das liberdades civis na Ucrânia.
A diretoria é composta por 16 pessoas, sendo 14 mulheres. Auxiliado por uma tradutora da embaixada, ouvi por duas horas os relatos de três dessas mulheres que contaram detalhadamente a história de atuação da equipe.
Curiosamente, a organização foi inicialmente criada para denunciar a violência policial na Ucrânia, mas aumentou o campo de atuação a partir dos protestos em Maidan no fim de 2013 e início de 2014. Na época, a organização criou uma grande rede de advogados voluntários que atuaram para libertar civis presos injustamente pela polícia ucraniana, na época liderada por Yanukovich, presidente pró-Rússia.
Oleksandra Romantskova é diretora executiva da organização e filha de pais russos. Ela conta que o foco passou a ser a criação de relatórios informando todos os crimes de guerra cometidos pelos russos no país e apresentar para as cortes internacionais. Segundo ela, o modus operandi da Rússia é o mesmo desde a II guerra da Chechênia e na Síria, e agora querem criar precedentes para que outros países não sofram dos mesmos problemas que a Ucrânia também enfrenta.
Nataliia Yaschchuk é responsável pelo departamento de análise dos crimes de guerra. O levantamento criado por elas mostra que, de 2014 até 2022, a Rússia cometeu cerca de 22 mil crimes de guerra. De 2022 até 2024, esse número subiu para mais de 80 mil, um número que, segundo ela, já está amplamente defasado.
Perguntei a elas se já haviam sido ameaçadas pelo governo russo e, espontaneamente, Oleksandra e Nataliia riram. Como Nataliia não fala muito bem o inglês, coube a Oleksandra contar que elas estão banidas de pisar na Rússia e na Bielorrússia, são consideradas personas non grata e, qualquer cidadão russo que for descoberto conversando com elas ou com a organização, corre o risco de ser preso.
As visitas atestaram que a Ucrânia é um país altamente incapaz de andar com as próprias pernas nesta guerra. Provavelmente não terão a mesma ajuda com Trump que tiveram com Biden e isso pode mudar os rumos da história, mas, a depender dos civis que se dedicam pela causa, essa história ainda está muito longe de acabar.
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