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O Liberal na Ucrânia: Convivência com a rotina da guerra em Kiev

Gustavo Freitas, direto de Kiev / Especial para O Liberal
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Para nós que não estamos habituados a ameaças de uma guerra, o imaginário nos leva a acreditar que o terror é uma constante na vida de quem está vivendo o conflito. De certa forma, o terror sempre está lá, mas a dura realidade é que não há saída a não ser transformá-lo em algo possível de conviver. É como se a vida fizesse as pessoas aprenderem a dançar com o caos.

A poucos metros da Catedral de St Nicholas, uma das principais do país, os estilhaços de um míssil russo atingiram a área há 15 dias e destruíram o telhado de dois prédios, além de quebrar praticamente todas as vidraças das lojas nas redondezas. Entre os curiosos que estavam ali para ver os estragos, ficou a sensação de ser uma área abandonada, mas há duas semanas aquele prédio comercial estava lotado de pessoas trabalhando rotineiramente.

image Prédios históricos danificados pela guerra em Kiev (Gustavo Freitas / Especial O Liberal)

Dentro da catedral, os vidros quebrados já haviam sido reparados, mas uma grande lona foi colocada no teto para evitar que qualquer resquício do impacto caísse na cabeça das pessoas. Nada que impedisse a missa de acontecer com casa cheia.

Por onde se anda em Kiev, é possível enxergar os resquícios do conflito. Às vezes ele está escancarado sob forma de destruição, mas às vezes ele é silencioso. A capital é uma cidade limpa, organizada, similar a qualquer grande cidade europeia com prédios suntuosos e preservados, mas há uma certa distopia entre os ucranianos. Ao mesmo tempo em que se vê um número assombroso de carros de luxo nas ruas, você também vê muitas mulheres tentando conseguir dinheiro.

Pela tarde, fui abordado por uma dentista que estava vendendo fitas de braço com as cores da bandeira ucraniana para completar a sua renda. Comprei para ajudar e, assim que paguei, ela pediu que eu ajudasse com um pouco mais porque não estava conseguindo vender como precisava. Pouco tempo depois, a cena se repetiu com uma senhora desesperada e cansada, pedindo que comprasse algo para comer. Ela não falava inglês e eu sequer entendo uma letra de ucraniano, mas o semblante da fome não precisa de uma língua em comum.

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Já havia lido que a guerra está enriquecendo muita gente no país, mas é uma bolha pequena demais, enquanto a maioria dos ucranianos precisa lidar com a dura realidade das mazelas do conflito. O salário mínimo hoje na Ucrânia é o equivalente a pouco menos de 180 euros, um valor pequeno demais para sustentar o mês, obrigando a população mais pobre a buscar outras formas de complementar a renda mensal.

A situação econômica está muito distante de ser desesperadora. Os supermercados estão abastecidos e sempre movimentados, os restaurantes e shoppings estão cheios e às vezes nem parece que é a capital de um país em guerra total. Mas os preços têm aumentado e está cada vez mais difícil conseguir emprego no país. Há um alerta acionado entre os ucranianos para a possibilidade de as coisas piorarem, ainda mais no inverno sob racionamento de energia e escalada nos preços da conta de luz.

Ainda assim, o país encontra formas de caminhar. Desde 2022, há um toque de recolher imposto pelo governo que vai de meia-noite até as cinco da manhã, o que não impede a vida noturna de acontecer. Ela apenas precisou ser reajustada. Nos finais de semana, os clubes começam a funcionar às 18h e, religiosamente, encerram as atividades às 23h. As festas ficam lotadas. Mas assim que as luzes se acendem, ainda que o teor alcóolico esteja elevado, ninguém cogita fugir do toque de recolher. É hora de ir para casa e respeitar as ordens do governo.

O cenário muda quando as sirenes tocam pela cidade. Nesse caso, os ucranianos optaram por ignorá-las. Buscar um abrigo para esperar a ameaça ser neutralizada se tornou uma missão humanamente impossível de suportar; as pessoas trabalham, têm horários e responsabilidades que não se conciliam com os alertas.

A cena que mais me impressionou nestes dias por Kiev, foi ver crianças brincando com tanques russos sucateados, propositalmente expostos em praça pública. É o novo normal no país. Enquanto um pai tirava foto da filha pequena em frente a um T-72, como se aquilo fosse uma obra de arte, a sirene soou para avisar que havia um risco iminente de um míssil balístico na região. Ninguém deu ouvidos. Para aquele pai, achar o ângulo certo da filha com o tanque era um orgulho que valia o risco de ficar.

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