Após caso Daniel Alves, especialista avalia cultura do estupro no futebol: ‘Reflexo da sociedade’
Fatores histórico-sociais e falta de estrutura de denúncias são fatores que perpetuam violência de gênero no esporte, avalia advogada Gabrielle Maués.
O "caso Daniel Alves" é somente o mais recente de uma infinidade de episódios de violência sexual no esporte nos últimos anos. Por mais que clubes e demais entidades do meio do futebol tenham se engajado em campanhas de combate ao assédio, sobretudo nas praças esportivas, muitas organizações esportivas continuam sendo coniventes quando têm atletas envolvidos em casos desta natureza.
VEJA MAIS
Caso de estupro envolvendo jogador paraense João Diogo
O caso mais "próximo" do futebol paraense nos últimos anos tenha sido o do atacante João Diogo, ex-Remo. Em 2022, quando havia conquistado o acesso à Série C do Brasileiro com o Botafogo-SP, o jogador se envolveu em um caso de estupro no Rio de Janeiro. Na época do crime, o atleta prestou depoimento à polícia, mas foi liberado semanas depois, respondendo o processo em liberdade.
Os impactos que o caso pode ter causado na vítima são incontáveis e muito negativos. No entanto, para João Diogo, a denúncia de estupro parece ter alavancado a carreira do jogador. Logo em seguida, ele rescindiu o contrato com o Botafogo-PB e assinou com a Aparecidense-GO, outro time que disputa a Série C. Lá, ele tem sido um dos destaques da temporada, com quatro gols marcados em sete jogos. Não é um assunto que permeie o ambiente nem do novo nem do antigo clube.
Atacante Robinho foi preso por estupro
João Diogo não é o único a ser minimizado pela cultura do estupro existente no futebol. O atacante Robinho, condenado por crime sexual na Itália, e o goleiro Bruno, mandante do feminicídio de Eliza Samúdio, retomaram a carreira mesmo após serem considerados culpados pela Justiça.
Mas, afinal, o que faz do futebol um ambiente de perpetuação da cultura do estupro? De acordo com a presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA), Gabrielle Maués, o ambiente do futebol se torna mais hostil às mulheres devido a fatores estruturais ligados a conceitos como misoginia e patriarcalismo.
"Historicamente o futebol é um espaço muito masculino, em que vigora o reforço da ideia de virilidade, masculinidade, isto por si já se torna um ambiente que não é amistoso e acolhedor com mulheres. Soma-se a isso que o futebol é uma expressão social, então vai refletir os valores da sociedade onde está inserido, que é uma sociedade patriarcal e misógina, logo os atletas e dirigentes estão todos dentro dessa lógica, em que a cultura do estupro e a normalização da violência contra a mulher são uma realidade", explica.
Violência de gênero nos estádios
Além dos casos de violência sexual envolvendo atletas, há também os episódios de assédio contra mulheres em estádios de futebol. Segundo a advogada, o maior obstáculo para que a lei puna essa agressão é a subnotificação. Gabrielle diz que no Pará, por exemplo, não há dados oficiais sobre os casos de assédio em praças esportivas.
"Não há dados oficiais nacionais ou locais, o que existem são levantamentos pontuais de organizações. Por exemplo, no ano passado, o Mineirão fez uma pesquisa com 200 mulheres, entre as quais 97% são frequentadoras do estádio, somente 6% delas afirmaram ir aos jogos sozinhas e 55% relataram ter sofrido ou presenciado algum ato de importunação sexual nos jogos. Muitas das vítimas sequer denunciam, justamente porque a estrutura não favorece este movimento. Há desconhecimento sobre quais atos seriam crime e sobre os canais de denúncia e acolhimento", destacou.
Apesar da falta de estrutura necessária para atender todos os casos de violência sexual existentes, sobretudo no mundo no futebol, a advogada ressaltou que algumas leis já foram criadas com o objetivo de proteger as mulheres em espaços públicos. No entanto, ela diz que essas iniciativas ainda são pequenas em comparação com toda a estrutura histórico-cultural imposta contra o público feminino.
"Os maiores times do Pará já fizeram e aderiram a campanhas de combate à importunação sexual, além da Polícia Militar ter se mobilizado nesse sentido também. No ano passado, foi sancionada no estado a Lei 9.622 de 2022, que prevê campanha permanente contra a importunação sexual de mulheres nos estádios do Pará. É claro que isto tudo não impede que as mulheres sejam importunadas nos estádios. Trata-se da banalização da violência contra a mulher, da cultura do estupro. No entanto, esta movimentação sinaliza que esse tipo de conduta não pode ser tolerada", argumenta.
Mudança de panorama
Questionada sobre o que se pode fazer para que o panorama de violência de gênero no futebol seja modificado, Gabrielle disse que o caminho não será fácil. De acordo com a advogada, é necessário uma solução "multifatorial", envolvendo mudanças culturais em todos os setores da sociedade.
"Tendemos a nos apoiar nas punições, mas elas não são capazes de afastar as relações desiguais de poder entre homens e mulheres e a ideia social de superioridade masculina, que acarretam a naturalização da violência contra a mulher. É preciso, ainda, que toda a estrutura do esporte se envolva – quando uma acusação de violência contra a mulher no futebol é desprezada ou silenciada, clubes, atletas, dirigentes e a própria imprensa esportiva passam a mensagem social de tolerância com essas práticas", afirma.
O que fazer em caso de importunação sexual nos estádios?
Caso alguma mulher seja vítima de importunação sexual em estádios de futebol, a denúncia pode ser feita para a polícia presente no local. De acordo com a advogada, a depender da situação, pode haver prisão em flagrante do importunador.
"É Importante levantar testemunhas, registrar data e hora do fato, características do agressor, se possível imagens do ocorrido e todas as informações possíveis, que são provas que irão ajudar na investigação criminal e numa possível ação penal contra o importunador. É muito importante providenciar esses elementos para a apuração do caso", explica.
Caso não haja polícia no espaço, a denúncia pode ser feita a denúncia no 190 e/ou na delegacia mais próxima.
Posicionamento dos clubes
A reportagem não obteve retorno do Paysandu em relação às campanhas e protocolos para casos de importunação nos estádios. Já o Remo relembrou, por meio de nota, diversas ações realizadas para conscientizar os torcedores azulinos sobre o comportamento dentro do Baenão. Confira:
O Rei da Amazônia usa o futebol como ferramenta afim de chamar a atenção da sociedade e levantar a bandeira para pautas sociais.
Nos últimos anos, o Clube do Remo realizou diversas campanhas como forma de conscientizar a sociedade sobre a violência contra mulheres com ações no estádio e redes sociais.
Diversas ações já foram realizadas como campanhas: "Todos contra a importunação sexual nos estádios de futebol", Encontro de Mulheres Remistas, Agosto Lilás, apoio a projetos como o Arara das Manas. Todas com intuito de combater e incentivar as denúncias de agressão, que podem ser físicas, psicológicas, sexuais, morais e até patrimoniais.
No primeiro jogo do ano oficial do Leão, a diretoria do Marketing do Rei preparou uma cartilha para o torcedor e dentro as orientações estão o respeito as torcedoras no estádio. Além de um vídeo explicativo sobre a partida.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA