Viagem de trem entre Belém e Salinas levaria uma hora e meia
Pesquisador aponta benefícios da infraestrutura de transportes para o desenvolvimento do estado e do turismo
A biodiversidade da floresta amazônica, os sabores da culinária regional, a riqueza histórica e patrimonial e as diversas manifestações artísticas e culturais fazem do Pará um estado naturalmente atrativo para o segmento do turismo. O desenvolvimento do setor fez com que localidades como a vila de Alter do Chão, em Santarém, no oeste paraense, ganhassem popularidade mundo afora. No entanto, o potencial de crescimento é ainda maior e pode ser melhor aproveitado com investimentos em infraestrutura de transportes, como defende o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Roberto Pacha.
O docente tem mais de 40 anos de experiência na área de engenharia civil, com especialização em gerenciamento transporte fluvial, engenharia naval e ferrovias e atualmente leciona no curso de engenharia ferroviária e logística, criado para dar suporte a formação de recursos humanos em uma área ainda carente de investimentos em todo o país. “O turismo da Amazônia é muito atrasado justamente por causa da falta de infraestrutura de transporte”, expõe Pacha, que destaca a falta de ferrovias como um gargalo do setor.
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Apesar de países com grandes dimensões geográficas terem o transporte ferroviário como uma de suas principais alternativas de mobilidade, a realidade é diferente no Brasil, onde sempre foi dada prioridade para a abertura de estradas ou o aproveitamento dos rios navegáveis. Tal cenário foi ainda mais fomentado desde a década de 1950, com o governo Juscelino Kubitschek e os demais presidentes do regime militar, que priorizaram o uso de rodovias na estratégia política e econômica de integração.
“As poucas ferrovias que foram feitas no Brasil foram feitas para atender a interesses puramente privados para a exportação das nossas matérias-primas, por exemplo no ciclo do café e no ciclo do açúcar. Foram diversos ciclos econômicos em que donos dessas benfeitorias agrícolas importavam engenheiros e operários e construíam pequenas ferrovias como se fossem verdadeiros corpos estranhos no território brasileiro, sem nenhum interesse de integração nacional e desenvolvimento do Brasil, nem de criar uma indústria ferroviária no pais”, contextualiza Roberto Pacha.
Apesar disso, algumas experiências foram implementadas, sendo que no estado do Pará a mais representativa foi a Estrada de Ferro Belém-Bragança, construída ainda no século XIX, mas desativada em meados da década de 1960 no bojo do rodoviarismo.
Segundo o docente, se existissem ferrovias ligando Belém aos municípios mais populosos, uma viagem entre Belém e Bragança, por exemplo, duraria uma fração do que leva por meio rodoviário, cerca de 1h30, “e transportando tudo que se possa imaginar entre passageiros e cargas”, projeta o professor, considerando que com a atualização de maquinário e incorporação de outras tecnologias, a ferrovia poderia ser uma estrutura de médio porte, com velocidade de cerca de 160 km/h, mas, ainda assim, de grande importância para a economia da região.
“Ela estaria no mesmo lugar, com seu traçado mas seria uma ferrovia de maior velocidade, dando um lucro e um benefício social estupendo para a região amazônica. Talvez seria a empresa mais importante que teria no Pará porque uma ferrovia não gera lucro só para o dono dela com venda de passagem e frete de carga, ela gera centenas de empregos na indústria porque você tem que fazer trem, dormente, trilho e tudo mais. O Pará teria uma indústria que não tem hoje. Somos um estado pobre e desindustrializado”, analisa o docente.
Em um cenário em que houvesse mais projetos ferroviários, Roberto Pacha considera que seria possível, por exemplo, interligar Belém a Salinópolis em uma viagem de 1h30, levar cargas e passageiros da capital a Santarém em cerca de 10 horas, ou ainda estabelecer conexões com os diversos municípios do Arquipélago do Marajó, contornando os estreitos de Breves até Soure.
Veja quanto demoraria chegar a Mosqueiro de VLT
O professor disse que se houvesse um “bonde moderno", um VLT (veículo leve sobre trilhos) partindo da RMB até o centro da Ilha de Mosqueiro, a 60 km, o tempo médio de viagem seria de aproximadamente 35 minutos.
“Se o Pará quiser ser uma região desenvolvida no mundo daqui a 100 anos, vai ter que criar muitas ferrovias como Belém-Santarém e Belém-Manaus. Para o lazer, seria importante uma ferrovia Belém-Salinas, Belém-Mosqueiro e um metro Belém-Icoaraci, que acabaria com essa confusão de ônibus na Almirante Barroso. E dá para fazer isso com capital internacional quase que totalmente subsidiado”, diz o pesquisador, que complementa: “A engenharia ferroviária no Brasil está atrasada mais de meio século. Falta capital humano, falta capital financeira e falta gestão, isto é, políticos com gestão estratégica da região amazônica, do Pará e de Belém”, afirma.
Mesmo assim, Roberto Pacha ressalta que o fundamental é uma abordagem inter e multimodal, sem sobrepor um determinado tipo de transporte aos demais. “Não existe um transporte melhor do que o outro. O que existe é o transporte mais adequado para cada caso. Seriam complementares. Essa definição depende da morfologia, da geografia, do relevo da região amazônica e de se estudar para ver quais são as melhores alternativas”, esclarece.
Estrada de Carajás faz transporte regular de passageiros
No Pará, a Vale opera linhas ferroviárias que levam produtos, mas também passageiros. No site da empresa, a mineradora afirma que controla mais de dois mil quilômetros de vias ferroviárias no Brasil. A empresa tem duas linhas de transporte de passageiros no Brasil, na Estrada de Ferro Vitória a Minas e na Estrada de Ferro Carajás. Segundo a Vale, os trens da Estrada de Ferro Carajás (ESC) funcionam às segundas, terças, quintas, sextas, sábados e domingos, ligando São Luís, no Maranhão, a Parauapebas, no sudeste do Pará. “O primeiro trem, às segundas, quintas e sábados, sai de São Luís às 8h, chegando em Parauapebas às 23h50. Nas terças, sextas e domingos, ele sai de Parauapebas às 6h, com chegada em São Luís, às 22h. No trem, há um carro que funciona como lanchonete, outro para restaurante, carro exclusivo para cadeirantes, ar-condicionado e serviço de bordo”, explica a mineradora.
Ferrogrão: transporte de carga é mais atraente ao setor privado
Enquanto o transporte de passageiros por ferrovia necessita de um conjunto de investimentos, com forte aporte do setor público, como disse o diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, em entrevista ao Poder 360, no ano passado, o “transporte de cargas consegue sozinho ser rentável”.
Ele se referia a um dos projetos mais esperados pelo setor produtivo, o Ferrogrão, proposta de construção de ferrovia ligando os municípios de Sinop (MT) a Itaituba (PA), mas que está enfrentando entraves na Justiça, por supostamente passar por áreas de conservação.
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No site do governo federal sobre o Programa de Parcerias de Investimentos, o projeto do Ferrogrão aparece como “em andamento”, com capacidade inicial de 42 milhões de toneladas transportadas.
O projeto do Ferrogrão, segundo o portal da parceria de investimento, pretende “consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. A ferrovia conta com uma extensão de 933 km, conectando a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Estado do Pará, desembocando no Porto de Miritituba. Estão previstos, também, o ramal de Santarenzinho, entre Itaituba e Santarenzinho, no município de Rurópolis/PA, com 32 km, e o ramal de Itapacurá, com 11 km”.
A ideia do Ferrogrão também é desafogar o tráfego nas rodovias, especialmente na BR-163. “O corredor a ser consolidado pela EF-170 e a rodovia BR-163 consolidará uma nova rota para a exportação da soja e do milho no Brasil”, justifica o projeto.
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