Valor de mensalidades é inviável para 68% dos alunos que buscam ensino superior, diz pesquisa

No Pará, o reajuste médio foi de 10 a 12% em 2023. Instituições omitem informações sobre o assunto. Estudantes recorrem a bolsas e vagas no ensino público.

Enize Vidigal
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O custo das mensalidades das instituições de ensino superior está acima da capacidade de pagamento dos futuros alunos, no Brasil. É o que aponta o estudo da Quero Educação, plataforma de marketing educacional para estabelecimentos de ensino. Segundo o levantamento, os candidatos a vagas em universidades privadas buscam mensalidades de cerca de R$ 500, mas a média encontrada é de R$ 722. Com isso, 68% de quem busca formação superior não encontra opções viáveis. No Pará, o reajuste das mensalidades este ano foi de 10 a 12%, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PA).

O levantamento foi feito a partir das buscas realizadas por internautas na plataforma Quero Bolsa, uma das ramificações da Quero Educação, que oferece bolsas de estudos de até 80% de desconto em mais de 1,3 mil instituições privadas do país.

A Quero Educação informou que, no início de 2023, as maiores instituições do mercado praticavam na plataforma o preço médio de mensalidades de R$ 530, enquanto os alunos buscavam cursos no valor de R$ 526. Mas, nos meses seguintes, essa relação mudou com os estudantes passando a buscar graduações presenciais com preço médio de R$ 495, enquanto o valor médio das mensalidades ofertadas pelas instituições estava 45% acima, em R$ 722.

O estudo aponta que as instituições atendiam a 63% dos estudantes que buscavam vagas, mas, em poucos meses, esse percentual caiu para 32%. “Não houve aumento do poder de compra dos alunos, eles não podem pagar esse preço. É isso que a gente vem alertando. Está ficando muita gente de fora. E o fato é que as instituições não vão conseguir encher as suas salas”, disse o diretor da Quero Educação, Marcelo Lima, para a Agência Brasil.

Realidade dos alunos

O estudante de Psicologia de uma universidade particular de Belém, Eduardo Reis, de 24 anos, conseguiu uma bolsa integral no ProUni, programa do governo federal de concessão de bolsas de estudo integrais e parciais. “Se não foi bolsa não iria conseguir estudar”, conta ele, que enfrentou forte concorrência pela bolsa. “Só havia duas vagas de bolsa integral para o semestre. A concorrência era alta. Quando entrei, as pessoas falavam que tinham tentado, mas não tinham conseguido porque exigia nota elevada no Enem”. Eduardo recorda que chegou a querer o curso de Medicina, mas não podia pagar a mensalidade em uma universidade privada e a concorrência era grande para passar na pública.

Já a aluna do último ano do ensino médio Ana Luíza Araújo, de 17 anos, está se preparando para fazer o vestibular, mas não considera a opção de ingresso em uma instituição privada. Atualmente, ela reforça o ensino regular com aulas de cursinho à noite, pois está focada em conseguir uma vaga em uma universidade pública. “Ano passado fiz como ‘treineira’, este ano é valendo”. Ela pesquisou os preços de mensalidades e atestou: “Todos acima de R$ 500, a maioria dos cursos varia de R$ 600 a 800”. Perguntada se a família teria dificuldade de arcar com esse custo, ela respondeu: “Sim, eu diria que em geral, é sim”.

Movimento estudantil

Arthur Leite, militante da Juventude Manifesta, um coletivo de luta estudantil, avalia com preocupação o acesso ao ensino superior público no Pará, atualmente. “A gente enfrenta uma concorrência muito grande (para conseguir vaga). Com o governo Bolsonaro, houve cortes na educação superior no Pará e, a universidade está com dificuldade de ampliar o número de vagas. Isso faz com que os estudantes com condição de financeira precarizada acabem recorrendo ao ensino privado para realizar o sonho do diploma de ensino superior”.

Ele destaca que os programas federais de bolsa (ProUni) e financiamento (Fies) são importantes para os filhos dos trabalhadores cursarem o ensino superior, mas ainda há dificuldade de permanência do aluno. “Não existe uma política pensada para a permanência do estudante na universidade, como a participação em projetos que tenham retorno financeiro para custeio de alimentação, transporte e material escolar, entre outras despesas. É muito mais fácil um estudante da universidade pública conseguir bolsa do que o estudante da universidade privada. O estudante entra e não consegue permanecer, acaba tendo que arrumar um emprego, mas dificulta equilibrar o trabalho e o estudo e acaba abrindo mão de estudar”.

Arthur também destaca a precarização das universidades privadas com a Portaria 2.117/2019, que autoriza os cursos presenciais e a realizarem 40% de aulas on-line. “As universidades privadas têm o viés do lucro, de reduzir gastos, o que for melhor para a empresa, grupo educacional e dono. Não se tem no ensino privado a ideia que educação é investimento e que pode mudar a vida de uma pessoa, de uma comunidade”, conclui Arthur.

Reajuste é feito com base em planilha, diz sindicato

A assessoria jurídica do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Pará (Sinep-PA), Carimi Haber, não confirma o percentual de reajuste deste ano informado pelo Dieese-PA. “Não temos acesso a percentual médio de reajuste no Pará. É feito o reajuste com base em uma planilha de comprovação de custos”, explica.

Também não há levantamento sobre inadimplência e evasão ou abandono dos cursos, apesar da assessora confirmar que a inadimplência cresceu após a pandemia. “Já era grande antes da pandemia e, após, se potencializou numa proporção desastrosa”, disse Carimi. Ela observa que as universidades e faculdades particulares possuem atrativos, especialmente descontos, para os alunos.

O Liberal solicitou a sete universidades particulares de Belém, incluindo as maiores do ramo, informação sobre os percentuais de reajuste praticados este ano e também no acumulado dos últimos cinco anos, mas nenhuma delas respondeu.

“Por lei, as escolas, universidades e faculdades têm a liberdade de praticar os seus reajustes. Elas se apoiam em três itens: gastos com pessoal, gasto com custos operacionais e o implemento didático-pedagógico, que compõem a planilha de custos. Não existe um parâmetro”, informa o supervisor técnico do Dieese-PA, economista Everson Costa.

“Ao longo de muitos anos até 2016, o Dieese junto com o Procon, OAB, Associação de Pais e Alunos e outras entidades fazia um acordo que fixava o índice de reajuste das mensalidades das escolas, universidades e faculdades. Depois, a gente não teve mais esse tipo de acordo fechado, que servia de balizador para estabelecimentos e pais. O Pará era o único estado que tinha esse acordo”, recorda. Hoje, a retomada desse antigo acordo é dificultada pelo fato de boa parte das universidades e faculdades privadas pertencerem a grupos educacionais com atuação não apenas no Pará, mas em vários estados.

“A reclamação foi geral quando houve o último reajuste porque esse percentual é muito pesado, o salário não subiu 10 a 12%. A inadimplência é alta, as próprias escolas e faculdades dizem isso. O acordo não existe mais, a liberdade da prática do reajuste continua e os pais que têm que dar um jeito de se defender. A melhor saída é negociar, buscar descontos e pagar em dia”, recomenda Everson.

Confira preços

O Grupo Liberal pesquisou os valores de mensalidades de alguns cursos, nos sites das universidades privadas de Belém, e encontrou valores bem acima do mencionado na pesquisa da Quero Educação/ Quero Bolsa. Confira alguns valores médios encontrados:

Medicina: 9.223,09 

Direito: Varia de R$ 854,80 a 1.621,47

Enfermagem: Varia de R$ 389,00 a 1.706,93

Engenharia civil: Varia de 1.345,90 a 2.043,07

Psicologia: De R$ 976,80 a R$1.293,25

Ciência da computação (Unama): R$871,95

Fonte: sites das universidades

*Os resultados encontrados dependem da forma de acesso do aluno (paga menos quem faz vestibular ou Enem), do turno e até mesmo do endereço da unidade escolhida. Ainda, algumas instituições oferecem financiamento e até planos de pagamento alternativo que rebaixam o valor das mensalidades.

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