Produção na Margem Equatorial deve contribuir para o desenvolvimento da Amazônia, avalia pesquisador
Exploração de gás e óleo na região ainda não iniciou por falta de autorização do Ibama
Autoridades, como o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, já criticaram a morosidade na liberação de autorização para que a Margem Equatorial brasileira seja explorada, no que diz respeito à produção de óleo e gás. Em entrevista ao Grupo Liberal, o professor titular da Universidade Federal do Pará, Pedro Walfir Souza Filho, especialista em geologia e geofísica marinha, explicou o estudo liderado por ele, que mapeou os níveis de sensibilidade costeira a um possível derramamento de óleo em um trecho da Margem Equatorial, e afirma que exploração deve contribuir para o desenvolvimento de estados da Amazônia, incluindo o Pará.
Eu queria que o senhor explicasse o que é a Margem Equatorial e por que ela está sendo chamada por alguns especialistas de “novo pré-sal”.
“Margem Equatorial” é um termo cunhado pela indústria do petróleo que refere-se à região do litoral brasileiro que vai desde o Amapá, passando pelo Pará, Maranhão, Piauí, Ceará até o Rio Grande do Norte, e engloba as bacias costeiras onde encontram-se possíveis depósitos de óleo e gás relacionados à bacia da Foz do Amazonas, do Pará-Maranhão, às bacias de São Luís, de Barreirinhas, do Ceará e à bacia Potiguar. Tem sido chamada de um novo pré-sal pois estudos geofísicos mostram que existem possíveis reservas de óleo nessa região. Há uns cinco anos atrás, uma empresa francesa de óleo e gás descobriu uma reserva de mais de 11 bilhões de barris nas bacias costeiras do Suriname e da Guiana e, hoje, já exploram uma quantidade significativa de óleo. Então, existe uma estrutura geológica análoga na costa do Amapá e na costa do Pará e, provavelmente, esses depósitos e reservas de óleo e gás também encontram-se no litoral brasileiro nas bacias costeiras e oceânicas da Margem Equatorial brasileira.
Então essa exploração já é feita por outros países?
Ela já é feita na Guiana e no Suriname, contribuindo significativamente para o PIB desses países.
Eu queria também que o senhor explicasse: como foi esse estudo que o senhor liderou? Em qual região da Margem Equatorial vocês estudaram? Quem participou da pesquisa?
Esse estudo foi um projeto chamado “Piatã Mar: potenciais impactos ambientais ao derrame de óleo na Foz do Amazonas” e foi uma iniciativa da Petrobras ligada muito à responsabilidade social, após o acidente com derrame de óleo na Baía de Guanabara, no ano 2000. Não existiam cartas de sensibilidade ambiental ao óleo na Margem Equatorial brasileira, principalmente na região amazônica. Então a Petrobras fez um convênio com a Universidade Federal do Pará para desenvolver e produzir essas primeiras cartas de sensibilidade ambiental ao óleo, que é uma responsabilidade do governo brasileiro, mas, até então, como essas cartas não haviam sido produzidas, a Petrobras tomou a iniciativa de produzir isso e aí fez um convênio com a UFPA e outras instituições da Amazônia, como, por exemplo, o Museu Goeldi, a Universidade do Estado do Pará, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Amapá, a Universidade Federal do Maranhão, a Universidade Estadual do Maranhão e o Instituto Evandro Chagas pra gente produzir essas cartas de sensibilidade ao derrame de óleo.
E no que consistem essas cartas? O que tem nesse material?
Essas cartas mapeiam os ambientes costeiros — onde estão os manguezais, as praias, as dunas, as planícies de marés — que são ambientes susceptíveis às variações do nível da água. Ou seja: se ocorrer um derrame de óleo no mar, quais são as áreas que serão atingidas por esse óleo? Então, por exemplo: jamais o óleo vai chegar lá em cima, ao topo da duna, porque o óleo não vai sair voando da água para chegar ao topo da duna. Então, esse ambiente não tem sensibilidade nenhuma a um derrame de óleo. Mas, e os manguezais? Se o óleo derramar no mar, esse óleo pode chegar nos manguezais. Então, foi feito o mapeamento desses ambientes costeiros. Ao mesmo tempo, é feito um estudo sobre a biodiversidade que ocorre nesses ambientes, e também os recursos socioeconômicos existentes: quantas pessoas vivem no litoral, de que essas pessoas vivem, quais são as as infra estruturas que existem nessa região — em regiões portuárias, [se existem] rampas para subir ou descer uma embarcação, muros de arrimo... Então, foi feito todo um levantamento, um mapeamento de toda essa região, que se estendeu desde o Amapá até a Baía do Tubarão, na ilha de São Luís.
Eu entendo que, ao longo de 10 anos, muitos resultados vieram desse projeto. Quais são os principais que o senhor destacaria?
A gente conseguiu fazer um mapeamento de todo o ambiente costeiro dessa região. Fizemos um estudo da sensibilidade desses ambientes, adaptando as metodologias da agência de administração do espaço oceânico americano (NOAA), da Petrobras e do Ministério do Meio Ambiente. Nós vimos que mais de 90% dos ambientes costeiros amazônicos são constituídos por manguezais; e os manguezais são os que têm a maior sensibilidade ou derrame de óleo. A escala de sensibilidade ao derrame de óleo varia de 1 a 10: quanto mais sensível for o ambiente ao óleo, maior o valor da escala. Como o manguezal é 10, isso significa que se o óleo chegar no manguezal, é muito difícil removê-lo. Se você entrar no mangue, você vai pisar no óleo e o óleo vai afundar na lama. E esse óleo vai ficar incorporado ali por muitos e muitos milhares de anos. Por outro lado, a escala 1: se você tem um muro de arrimo, como o que a gente tem aqui [em Belém], na Estação das Docas, e o óleo bater naquele muro, ele não vai aderir. É muito fácil limpar o muro com o óleo. E os outros ambientes costeiros têm uma variação entre essa escala de 1 a 10.
Então essa escala não avalia o risco de chegar o óleo, mas sim de retirá-lo, caso chegue até lá. É isso?
Exatamente. Um dos fatores que definem essa escala é a facilidade ou a dificuldade de limpeza do óleo, e o outro está relacionado com a biodiversidade associada ao ecossistema. Então, um muro de arrimo não tem nada ali, em termos de biodiversidade. Às vezes, cracas que se instalam nas paredes dos muros. Mas, no manguezal, que tem um ecossistema extremamente rico e com uma função ecossistêmica primordial para fauna marinha, a sensibilidade é muito alta.
Quando esses resultados foram gerados? Logo depois de 2012, ou algum tempo depois?
Todos os dados pretéritos produzidos na zona costeira amazônica foram levantados entre 2002 e 2004. Foi produzido um livro sobre toda bibliografia publicada acerca da zona costeira amazônica, passando por várias áreas de conhecimento: geologia, geomorfologia, socioeconomia, doenças tropicais, fauna, flora, tudo que se sabia, até então. Posteriormente, foram produzidos os mapas de sensibilidade em três escalas: uma que a gente chama de estratégica, que é olhar toda a Foz do Amazonas com um único mapa; aí você vê Belém, Macapá, bem pequenas, para você ter uma visão geral da sensibilidade do ambiente costeiro. Tem uma segunda escala, que é chamada de operacional: onde se detalha melhor as feições costeiras; você já vai ver a Baía do Marajó numa escala razoável, vai conseguir reconhecer Colares, Belém, Icoaraci e assim sucessivamente. E tem uma outra escala, que a gente chama de tática: é aquela que a gente vai trabalhar realmente o mapa, para remediar o impacto.
E esses estudos, além do livro, foram encaminhados para algum órgão?
Esses estudos foram todos compartilhados com a Petrobras, já que foi feito um convênio diretamente entre a universidade e a Petrobras, mas também uma série de publicações científicas foram produzidas ao longo desses 10 anos, artigos em vários periódicos nacionais e internacionais que são todos de domínio público.
E na sua opinião, caso haja uma exploração da Margem Equatorial, quais são os possíveis riscos ambientais, a partir dos estudos que o senhor fez?
A gente tem plena consciência que, em termos de zona costeira, a Amazônia é aquela que apresenta a maior sensibilidade a um possível derrame de óleo. Como eu falei, dos ambientes costeiros amazônicos, mais de 90% é manguezal. É uma região considerada, pelo Ministério do Meio Ambiente, como uma região de alta vulnerabilidade ambiental. Mas eu acredito que, se a gente fizer um histórico de todos os acidentes que ocorreram na costa brasileira, com derrames de óleo, nos últimos 30 anos, desde a Baía de Guanabara, em 2000 (foi o primeiro grande acidente que aconteceu com derrame de óleo), já se vão 24 anos. Depois, em 2001, aconteceu um derrame no Rio Paraná. De lá para cá, uma série de medidas de saúde, segurança e meio ambiente foram implementadas pela indústria do óleo e a gente não teve nenhum outro grande acidente na costa brasileira. A gente vai sempre trabalhar com essa questão do risco. Se não há exploração, não tem risco. Por outro lado, a gente sabe que milhões de barris de óleo diesel e gasolina são transportados, diariamente, na Foz do Rio Amazonas. Todo o combustível que abastece as nossas cidades (Belém, Macapá, Manaus, Santarém) são transportados por navios que navegam o Rio Amazonas, por dezenas de milhares de quilômetros, e o risco existe caso um navio afunde, caso um um casco rompa. E a gente não teve, ainda bem, até hoje, nenhum grande acidente com vazamento de óleo na região Amazônica. E a exploração que a gente tá falando da Margem Equatorial Brasileira é uma que, se houver autorização do órgão ambiental para fazer os estudos de prospecção, que são os estudos para nós cubarmos quantos milhões/bilhões de barris a gente tem na Margem Equatorial, essa exploração vai começar numa região há mais de 200 km de distância do litoral, a cerca de 2.500 metros de profundidade de lâmina d'água. Então, os impactos disso na região costeira precisam ser investigados.
Fazendo as contas, já são mais de 20 anos desde que começaram seus estudos. No último dia 12 de junho, o presidente Lula afirmou que “a hora que começamos a explorar a chamada Margem Equatorial, eu acho que gente vai dar um salto de qualidade extraordinária”. Nesse mesmo dia, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, criticou a demora do Ibama em autorizar a exploração de óleo na Margem Equatorial. O senhor concorda com essas críticas? Qual é a sua opinião sobre essa demora no início da exploração de óleo na Margem Equatorial brasileira?
Primeiro, eu queria comentar a declaração do presidente Lula. Eu acho que o nosso país vive essencialmente da exploração de commodities, né? E o petróleo é uma dessas commodities, ou seja, um produto cujo valor é controlado pelo mercado internacional. O Brasil, hoje, enfrenta um desafio fiscal enorme para o fechamento das contas públicas. Há anos que elas têm fechado no vermelho, o país gasta mais do que arrecada. Eu acredito que o nosso país não tem como deixar de produzir óleo e gás na Margem Equatorial brasileira e gerar receita. A produção de óleo e gás gera muito royalty, gera impostos a níveis federais, municipais e estaduais que nenhum dos nossos estados e municípios amazônicos sabem o que é receber esses royalties, como investir esse valor. Então, quando o presidente Lula diz que nós vamos mudar de patamar, vamos avançar, eu acredito que seja nesse sentido. O que a gente precisa é que o poder público federal, estadual e municipal, desde já, abra uma discussão sobre como vai usar esses royalties, como vai usar esses impostos para o desenvolvimento local e, principalmente, associado com a geração de renda.
Tomando como exemplo alguns outros estados brasileiros, onde já há essa exploração de óleo: que tipo de benefícios poderiam vir para o Pará, caso haja exploração na Margem Equatorial? Como esses royalties podem ser aplicados?
O royalty deve ser aplicado, principalmente no que diz respeito a investimentos em infraestrutura e desenvolvimento social. Por isso que o estado precisa definir uma política de como usar isso. Então, eu acho que todo país que viva de produção e exportação de recursos naturais precisa definir uma política para quando esses recursos findarem. Um exemplo clássico que eu gosto muito de dar é o da Noruega: um país que, 50 anos atrás, investiu muito na produção de óleo, e boa parte dos royalties e dos impostos arrecadados com a venda do óleo foram investidos para o desenvolvimento de uma ciência e tecnologia de vanguarda. Hoje, os noruegueses têm uma balança comercial super bem equilibrada, um superávit enorme, investem muito em tecnologia de telecomunicação e no que diz respeito, agora, às inteligências artificiais. E todos sabem que [a Noruega] é o maior investidor do Fundo Amazônia brasileiro; e grande parte desses recursos vem das exportações de óleo e gás. Então acho que o Brasil tem bons exemplos para seguir, para promover desenvolvimento e geração de renda a partir da produção de óleo e gás na Margem Equatorial brasileira.
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