Pará tem tarifa de energia 59% mais alta que a média nacional

Consumidor paraense tem conta de luz com preços acima da inflação e com valores maiores que outros clientes da Equatorial no Brasil

O Liberal

O Pará figura como o 2º maior gerador de energia elétrica no Brasil, com capacidade de produção atual de mais de 22 MW, segundo dados do Anuário Estatístico de Energia Elétrica, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Com isso, o estado fica atrás apenas de São Paulo no ranking dos maiores produtores do insumo no país. No entanto, a posição favorável carrega consigo um grande paradoxo: o Pará é também o estado com a tarifa de energia mais cara.

De acordo com levantamento divulgado em 2021 pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o valor do MWh cobrado pela Equatorial Energia do consumidor paraense é de R$ 816. Nos demais estados onde a companhia atua os valores chegam a ser até 61% menores. No estado do Piauí, por exemplo, a tarifa final na conta de luz foi calculada em R$ 672 por MWh, no Maranhão é de R$ 646, em Alagoas de R$ 632, enquanto que no Amapá o valor praticado é de R$ 506 o MWh.

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Neste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão responsável pela regulação do setor, promoveu a redução nas tarifas de 10 distribuidoras no mês de julho. Porém, no Pará, o reajuste fixado neste mês de agosto foi para cima, na faixa de 15,12%. O impacto só não foi maior porque o Governo do Estado já havia publicado o decreto para redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 25% para 17%. Com isso, a expectativa é que os preços finais pagos pelos consumidores residenciais tenham uma redução potencial de 5,34%.

Maior tarifa média nacional

No ranking da Aneel, atualizado segundo os processos tarifários deste ano, o Pará também aparece com a maior tarifa média do país, com valor de R$ 0,879 por KWh. Já a média nacional é de R$ 0,677 por KWh, o que significa que os paraenses pagam cerca de 59% a mais que os consumidores de outras regiões.

Procurada pela reportagem do Grupo Liberal, a Aneel informou que a tarifa do estado não deve ser alterada, já que o processo tarifário deste ano foi definido e está em vigor desde o último dia 7 de agosto. “Destacamos que o ranking é atualizado regularmente após a aprovação dos processos tarifários, deste modo há diversas concessionárias no ranking que ainda não passaram por processo tarifário em 2022”, disse a agência em nota enviada à redação.

Ainda segundo a Aneel, a composição da tarifa leva em conta custos com distribuição (32,6%), tributos (28,4%), energia (24,4%), encargos setoriais (7,4%) e transmissão (7,2%). “Dentre as razões para o custo da distribuição está a baixa densidade de carga da distribuidora, de modo que são necessários muitos quilômetros de rede para atendimento de mercado disperso e com baixo consumo. Outro fator que contribui para o custo da tarifa no Pará são as perdas não técnicas (furtos, fraudes, "gatos" de energia)”, afirma o órgão.

Tratamento regional e político diferenciado

De acordo com o engenheiro elétrico Marcelo Folha, de fato, há um custo elevado considerando a distância entre as unidades consumidoras e o gerador, bem como relacionado ao transporte da energia pelas linhas de transmissão. No entanto, o especialista considera que uma das principais razões para os preços excessivos é o tratamento regional e político diferenciado.

“A Aneel tem uma conta para determinar os custos de cada KWh para cada habitante. Nas regiões com índice populacional muito grande, o rateio entre cada um é maior. No Norte, onde tem menos pessoas por Km², essa conta se torna crucial na hora de determinar os valores”, explica o engenheiro que frisa: “A Aneel é onde está a caixa preta do problema”.

Marcelo Folha aponta ainda que a falta de articulação dos parlamentares paraenses pelo interesse do estado acaba piorando a situação. “A gente não teve força política até agora para mudar isso. Se houvesse um acordo para que os deputados de outros estados votassem juntos com os nossos na pauta de nosso interesse, teríamos como reverter isso”, afirma ele que defende medidas compensatórias para que o Pará tenha uma tarifa em condições de igualdade com as de outros estados brasileiros.

Renda da população não acompanha custos com energia

Um fator complicador é a desigualdade entre a população e a concessionária de energia. Desde a privatização das Centrais Elétricas do Pará (Celpa) em 1999, o reajuste das contas é mais que o dobro da inflação acumulada no período. Informações divulgadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese/PA) mostram que a alta de preços foi de 355%, mas a alta das contas de luz foi de 839%.

O indicador é importante visto que a inflação é utilizada como base para calcular eventuais ajustes salariais. Para se ter uma noção, os reajustes praticados pela concessionária foram inclusive maiores que os do salário mínimo. Em 1999, o salário mínimo era de R$ 136 e hoje é R$ 1.212, ou seja, houve uma variação de 791% no período de 23 anos, inferior a alta de 839% das contas de luz.

Distorção em relação ao rendimento

Os dados da pesquisa sobre rendimento mensal domiciliar per capita mostram outra grande distorção. Entre 2012 e 2021, a renda média dos paraenses cresceu apenas 55%, passando de R$ 545 para R$ 847, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, a valorização da Equatorial Energia passou de 2.453%. Em 2012, quando adquiriu a Celpa pelo valor simbólico de R$ 1, a companhia registrou lucro líquido de R$ 141 milhões, enquanto que, em 2021, o balanço da empresa mostra lucro líquido de R$ 3,6 bilhões.

“O pior desta situação é que mesmo pagando caro, os serviços oferecidos pela empresa ainda são alvo de muitas reclamações por parte expressiva dos consumidores paraenses”, afirma o estudo do Dieese.

Economia e revolta com preços elevados são rotina para consumidores

As altas sucessivas nas contas de energia nos últimos 23 anos pesam sobre o bolso de muitos consumidores, que se habituam a restrições para evitar sustos no final do mês. O aposentado Edson Alves Cardoso, 82 anos, é morador do bairro do Guamá e conta que na residência as faturas variam de R$ 300 a R$ 400 por mês. Com o auxílio dos demais membros da família, os custos são divididos irmãmente, o que ajuda a equilibrar o orçamento.

image Edson Alves Cardoso defende que paraenses paguem menos, pois energia "sai daqui" (Thiago Gomes / O Liberal)

“Nós deveríamos pagar menos porque afinal de contas sai daqui”, diz Edson, lembrando que o estado possui em seu território duas das três maiores usinas hidrelétricas do país: a de Tucuruí, no rio Tocantins, e a de Belo Monte, no rio Xingu. O orgulho pela potência energética do estado, no entanto, carrega em si um tom de resignação. “A gente vai levando conforme eles vão mandando a conta e tem que pagar. Não podemos ficar sem”.

image Comerciante Regina Silva: tarifa pesa no orçamento familiar (Thiago Gomes / O Liberal)

A comerciante Regina Silva, 52 anos, que também é moradora do Guamá compartilha da mesma opinião. Ela relata que o pagamento das faturas pesa sobre a renda familiar, que é mantida com o trabalho dela e do marido. “Na minha casa antes estava vindo R$ 350, agora está vindo R$ 246. Com certeza poderia ser menor porque aqui nós temos as hidrelétricas e pagamos um custo muito alto”, reforça.

Já a costureira Neuza Melo, 69 anos, afirma que as contas elevadas já levaram ela a incorporar uma série de atitudes de economia. “Se eu estou aqui é acesa só aqui. Se eu estou pra lá, eu deixo tudo no escuro”, conta ela apontando para os cômodos onde mantém um pequeno ateliê e comércio de aviamentos e a parte residencial na casa em que habita no bairro da Terra Firme. “Não deixo nada gastando energia. Quando dorme é tudo no escuro, não tem ventilador, não tem nada ligado. É economia o dia inteiro”, diz.

image Neuza Melo: susto com a fatura (Thiago Gomes / O Liberal)

Apesar disso, Neuza ainda se assusta quando recebe uma fatura mensal de cerca de R$ 170. “Já precisei parcelar. Tem vezes que é mais tranquilo, mas tem que vezes que aperta mesmo. A gente vai levando, não tem outro jeito”, lamenta.

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