Já ouviu falar em Black Money, Pink Money e Green Money?
Setor financeiro se reinventa para alcançar novas gerações e comunidades
O setor financeiro, tradicionalmente conhecido pela burocracia e pela formalidade, sempre buscou se reinventar para alcançar as novas gerações. Atrelado a essa motivação, também está a preocupação com o consumo ideológico para garantir a manutenção das estruturas do sistema capitalista não apenas por meio do lucro, mas como um mecanismo de identificação dos indivíduos de um determinado grupo ou movimento.
Seguindo as demandas de mercado, nos anos 90 surgiu o Green Money (dinheiro verde em tradução literal), modelo de negócio criado para difundir a economia verde, introduzindo no discurso das marcas a preocupação com a natureza e apresentando soluções de consumo socialmente sustentáveis. As empresas passaram a adotar a nova moeda como forma de propagar seu lado eco-friendly a partir de iniciativas de proteção ao meio ambiente.
A prática se tornou uma tendência e abriu caminho para outros tipos de moedas com a declaração de atender as demandas de grupos sociais.
É o caso do Black Money, movimento desenvolvido para conectar pessoas negras de diferentes profissões, com o objetivo de fortalecer o empreendedorismo e a circulação de recursos financeiros entre a comunidade. A iniciativa coloca em rede não apenas produtos e serviços de pessoas negras, mas também estimula a valorização da negritude e o pertencimento social.
A ideia do grupo é levar o consumidor negro a consumir produtor e serviços do empreendedor negro e, a partir daí, aumentar a representatividade do movimento no segmento dos negócios. Hoje, negros e afrodecendentes representam 56% da população brasileira, 53% do número de empreendedores e contribuem com R$ 1,9 trilhão por ano para economia do país.
A prática da circulação de recursos entre os negros vem de muitos anos também como forma de combater a violência. “O Black Money surgiu ainda no tempo da escravidão quando mulheres negras montavam suas quitandas, vendiam aquilo que produziam e, com o dinheiro dessa venda, compravam a alforria de seus parentes. Ainda que não tivesse esse nome, o movimento é uma alternativa de combate ao racismo e a desigualdade social”, afirmou Juliana Damasceno, militante do movimento negro.
Em Belém, uma das iniciativas que busca fortalecer o afroempreendedorismo é o Festival Exú de Empreendedorismo e Cultura Afroamazônica, projeto cultural de economia solidária e criativa que busca desenvolver uma rede de micro e pequenos empreendedores negros da cidade. Durante a pandemia de Covid-19, o festival lançou a campanha “Mercado Preto é Saúde”, que consiste na venda online dos Afroboxes, kits que reúnem produtos e serviços de diversos empreendimentos da cidade e Região Metropolitana, como artigos de moda, literatura, autocuidado, artes gráficas, dentre outros.
“É muito importante difundirmos esse movimento, sobretudo aqui no Pará, onde a maioria das pessoas se declara negra. O mercado informal aqui em Belém é constituído, principalmente, por pessoas negras, isso também é Black Money. Vale lembrar que essa prática não está ligada ao acúmulo de capital, é uma visão muito mais de comunidade. Quando uma pessoa compra um produto feito por um negro, ela movimenta toda uma economia solidária”, ressaltou Damasceno.
Outra moeda criada nos últimos anos foi a Pink Money (dinheiro rosa em tradução literal), ilustração figurativa do dinheiro gasto por pessoas pertencentes a comunidade LGBTQI+ (lésbicas, gay, bissexuais, transsexuais, queer, intersexuais e outras letras pertencentes a sigla) na aquisição de produtos e serviços.
Ao redor do mundo, o consumo dos LGBTQI+ representa mais de US$ 3 trilhões e a população adulta que compõe o movimento no Brasil gera renda anual total de US$141 bilhões por ano, segundo relatório Brasil LGBT 2030 da Out Now, empresa de consultoria especializada no segmento.
Para Márcio Dias, mestre em comunicação e pesquisador da comunidade LGBTQI+, o poder de consumo da comunidade, associado a visibilidade conquistada nos últimos anos, deu origem ao Pink Money. “Hoje em dia, vemos que o consumidor é muito mais ativo e consciente. Então, a gente sai um pouco da troca monetária e passa a ser uma troca social. Nesse contexto, o termo surge para legitimar o poder de consumo do nicho LGBTQI+”, pontuou.
O Censo 2010 do IBGE mostrou que casais homoafetivos possuem duas vezes mais renda que os casais heterossexuais, além de gastarem cerca de 30% mais. Os índices relacionados ao poder de consumo da comunidade LGBTQI+ atrai cada vez mais a atenção das marcas como uma oportunidade mercadológica.
No cenário paraense, a presença da moeda ainda é tímida, mesmo que nacionalmente grandes marcas já adotem em seus discursos e produtos um posicionamento alinhado às causas e a representatividade do movimento.
“Temos essa prática muito mais sedimentada nas regiões Sul e Sudeste, aqui em Belém não temos grandes marcas e empresas que investem nesse público, temos mais no discurso em datas comemorativas. O que mais vemos na nossa região são espaços de entretenimento, bares, boates, espaços que ainda são marginalizados e tidos como guetos. É possível encontrar produtos e serviços em pequenos negócios”, afirmou o pesquisador Márcio Dias. “Percebemos ainda uma escassez muito grande para esse público, ficando muito mais no discurso. As marcas acabam esbarrando no tradicionalismo, devido ao medo de sofrerem boicotes”, apontou.
O Pink Money, assim como o Black Money, é uma tendência de mercado que precisa primeiro ser compreendida. “Primeira a marca precisa compreender quem é o público e quem é como marca. A gente vê que esse consumo é consciente e está muito mais atrelado a uma questão social, de afirmação de um grupo, do que uma troca monetária. As moedas surgem como uma forma de reivindicar os direitos e se auto afirmar”, concluiu.
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