Entenda a importância das hidrovias para o desenvolvimento da Amazônia
Investimentos no setor impactariam na geração de empregos, na capacidade produtiva e no volume de escoamento pelo Pará
O transporte hidroviário faz parte da dinâmica da vida e da economia na Amazônia. Somente nas três principais hidrovias da região – rio Madeira, rio Tapajós e rio Amazonas – são mais de 3 mil Km de vias navegáveis. mas ainda é um grande potencial pouco explorado da navegação, setor que precisa de investimentos capazes de proporcionar navegabilidade o ano inteiro e contribuir para um salto de desenvolvimento econômico e social.
De acordo com o doutor em engenharia oceânica e diretor do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Hito Braga de Moraes, atualmente as rotas mais utilizadas pelos eixos hidroviários na região são as do rio Madeira – que se estende por 359 Km, de Porto Velho (RO) até Itacoatiara (AM); do rio Tapajós – que vai do Mato Grosso até Santarém, no oeste do Pará, percorrendo 1.060 Km; e do rio Amazonas, que abrange os estados do Amapá, Amazonas e Pará em 1.646 Km de extensão navegável.
LEIA MAIS:
“Em termos de passageiros, estima-se um total de 9 milhões de pessoas transportadas anualmente na Amazônia. No transporte regional, que move a economia da Amazônia, se estimam 4 milhões de toneladas anualmente transportadas. No que diz respeito ao transporte de commodities agrícolas, o quantitativo gira em torno de 20 milhões de toneladas anuais com amplo potencial de crescimento”, afirma o pesquisador.
"Demanda pelo transporte hidroviário na região Norte vem crescendo"
Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Naval do Estado do Pará (Sinconapa), Fábio Vasconcellos, os fatores responsáveis pela representatividade do setor por essas vias foram os investimentos capazes de melhorar o aproveitamento dos recursos naturais já disponíveis. “De um lado, a demanda pelo transporte hidroviário na região Norte vem crescendo sistemática e significativamente nos últimos dez anos, principalmente após o efetivo início e posterior conclusão do asfaltamento da BR-163. Mas esse movimento foi iniciado no ano 2000, com a rota rodo-hidroviária, desde o Mato Grosso até Porto Velho, e depois via hidroviária através do rio Madeira. Posteriormente, através da BR-163 até Miritituba e depois via hidroviária até Santarém e Barcarena”, explica o empresário, que destaca a aposta que o segmento pode trazer muitos benefícios, como o aumento da industrialização e da geração de empregos na construção naval.
“A região Norte tem uma indústria naval pujante, principalmente nos estados do Pará e do Amazonas, que têm atendido satisfatoriamente o mercado de embarcações fluviais. Há também o crescimento significativo que temos experimentado nos últimos anos e se está plenamente preparado para continuar atendendo à demanda por embarcações fluviais, cujo potencial é de crescimento nos próximos anos”, afirma Vasconcellos, que comanda o estaleiro líder na fabricação de embarcações fluviais no país, localizado no distrito de Icoaraci.
Entraves atrasam desenvolvimento do setor
O transporte hidroviário é de grande importância para a economia de diferentes países por razões como a redução de custos, já que em embarcações maiores se consegue transportar mais toneladas de produtos com consumo de combustível proporcionalmente menor. Além disso, o uso das hidrovias permite a diminuição da dependência de caminhões no transporte rodoviário de longas distancias. Dessa forma, especialistas indicam que a ampliação desse modal ajuda a reduzir as emissões de gases do efeito estufa e colabora preservação da floresta nativa.
Contudo, a cadeia da infraestrutura e logística enfrenta um grande gargalo que é a falta de investimentos em projetos estratégicos para aumentar essa capacidade de escoamento. Um dos problemas enfrentados é que em diversos trechos da região, a navegação costuma ser prejudicada nos períodos de seca, que ocorrem principalmente ao longo do verão amazônico, quando diminui o nível da lâmina d’água nos rios e as embarcações de maior porte e com maior calado ficam impedidas de transitar.
Teles Pires, por exemplo, que recebe cargas de madeira, soja e outros grãos produzidos principalmente nos polos do agronegócio do Centro-Oeste, tem período de águas baixas de agosto a novembro. Além disso, segundo informações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), apenas o primeiro trecho que vai de Santarém ao porto de Miritituba, em Itaituba, é plenamente navegável. Nos outros dois trechos, a maior declividade, a presença de elementos rochosos e bancos de areia representam restrições para a navegação. Em razão disso, algumas intervenções são defendidas nessa e outras áreas.
“Acredito que investimentos em dragagens nas vias navegáveis do Rio Madeira e Rio Tapajós e construção de novos terminais portuários, seriam de fundamental importância para aumentar a potencialidade dessa modalidade de transporte. Investimentos em obras de dragagem e derrocamento no Rio Tocantins também trariam um grande reforço para impulsionar o transporte hidroviário e toda a cadeia de insumos envolvidos nesse modal de transporte, que tem no estado do Pará o epicentro da indústria naval, pronta para atender essa demanda”, analisa Hito Braga.
O docente destaca ainda a necessidade de projetos no Rio Xingu e no estuário do Rio Pará, que envolve a Baia do Marajó, onde se pretende aumentar o calado do Canal do Quiriri, que viabiliza o acesso ao porto de Vila do Conde, em Barcarena, para até 13,9 metros.
“Se faz necessário o urgente aprofundamento do Canal do Quirirí ou a construção de um porto de águas profundas para que o Pará não venha a perder seu potencial logístico estratégico pela pouca profundidade de seus portos, que limitam a entrada de grandes navios, que reduziriam nossos fretes, tornando o estado ainda mais atrativo comercialmente, viabilizando também novas cargas para nossos portos”, defende o professor, que frisa: “Caso esses projetos saiam do papel, seria possível dobrar o tempo de navegabilidade. Ao invés de ficarmos restritos nas secas, poderíamos aumentar o tempo de navegação e com isso a produtividade e a capacidade de transporte”.
Já Fábio Vasconcellos acrescenta que é preciso uma visão estratégica do setor, priorizando tanto a manutenção quanto o ampliação das hidrovias. “De um lado, há os investimentos permanentes necessários à conversão dos rios navegáveis em hidrovias. Estes investimentos são, principalmente, a dragagem permanente de trechos críticos, a sinalização hidroviária e a construção de eclusas. Todo desenvolvimento hidroviário dos países líderes neste modal hidroviário ocorreu com base nestes três pilares – dragagem, sinalização, eclusas”, comenta o empresário que complementa:
“De outro lado, alguns projetos específicos irão colaborar muito para intensificar o transporte hidroviário: a efetivação do Pedral do Lourenço, em Itupiranga e a implantação da Ferrogrão, entre o Mato Grosso e Miritituba, que aumentará significativamente o volume de soja exportada pelos portos da região Norte, principalmente do Pará, e que demandarão o aumento significativo da frota fluvial, com enormes vantagens ambientais, fundamentais para a preservação da Amazônia”, pontua.
Derrocamento do Pedral do Lourenço deve alavancar economia
Entre os projetos estratégicos para aumentar a capacidade hidroviária do Pará, o derrocada do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins, é um dos grandes anseios do setor produtivo local. O projeto prevê a dragagem e derrocamento do rio entre os municípios de Marabá e Baião, isto é, a explosão de rochas que compõem o leito do rio visando garantir a segurança das embarcações.
Com isso, seria possível ampliar a extensão navegável do rio de 240 Km para 500 Km, indo de Marabá até Barcarena. A sua execução possibilitaria ainda a maior conexão da hidrovia Araguaia-Tocantins com rodovias e ferrovias da região, criando assim um corredor multimodal para o escoamento da produção.
A iniciativa é planejada há cerca de 50 anos, mas o projeto atual passou a ser discutido pelo poder público na última década e, ainda assim, enfrenta a morosidade e as idas e vindas dos processos de licenciamento. Em outubro de 2022, a licença prévia para o derrocamento foi concedida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) ao DNIT, no entanto, o cumprimento de mais de 30 condicionantes preocupa quem acompanha a área.
“A obra do Pedral do Lourenço foi o maior engodo que o Pará foi submetido, levando nosso estado e ter lucros cessantes incalculáveis e, eu diria mais, tem prejudicado e atrasado o desenvolvimento do setor em, até agora, 13 anos, uma vez que essa é a idade do projeto inicialmente elaborado pela UFPA com licenciamento ambiental para iniciar a obra e que foi descontinuado para a obra não sair. Depois de todo esse tempo, o projeto do canal praticamente voltou aos padrões de 2009, porem agora sem licença ambiental para a realização da obra”, lamenta o professor Hito Braga.
Por sua vez, Fábio Vasconcellos classifica a obra como “imprescindível”, visto que somente com ela os recursos aplicados nas eclusas de Tucuruí poderão ser efetivamente convertidos em melhores condições de navegação. O industrial vai além e destaca que o projeto pode elevar o patamar de importância do Pará na economia regional e nacional.
“O Pará tem potencial para ser o principal entreposto graneleiro do Brasil, da mesma forma que o estado da Louisiana é para os EUA. O porto de Barcarena está para o Brasil, como o porto de Nova Orleans está para os EUA, com distancias marítimas semelhantes para o Canal do Panamá, Rotterdam e China, principais rotas e destinos dos grãos no mundo. A implantação do derrocamento e da Ferrogrão cumprirão o papel de transformar o Pará no principal centro exportador de grãos no Brasil”, enfatiza.
Para o senador Jader Barbalho (MDB), a derrocada do Pedral e o melhor aproveitamento do caminho fluvial do Araguaia-Tocantins são sonhos antigos que quando materializados ajudarão o estado a aproveitar todo seu potencial. Apesar dos entraves enfrentados, o parlamentar é otimista em relação ao avanço desse e outros projetos focados na ampliação da infraestrutura.
“Nós devemos continuar a sonhar e lutar para que o Brasil supere as suas dificuldades e aumente a sua capacidade de investimento e consiga captar investimentos externos. Nenhum estado brasileiro tem tantos projetos de geração de empregos para elevar a qualidade de vida do povo do Pará e que atenda a uma migração intensa. Vejo uma boa perspectiva de desenvolvimento, com equilíbrio ambiental, diante da preocupação mundial com a Amazônia e podemos harmonizar esses projetos estratégicos, dentro de uma economia verde”, afirma.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA