Licença para obras no Pedral do Lourenço aquece expectativas de investimentos

Setor produtivo defende caráter estratégico da navegação do rio Tocantins para a economia paraense

Elck Oliveira, Fabrício Queiroz e Tay Marquioro
fonte

A concessão do licenciamento ambiental prévio para o derrocamento do Pedral do Lourenço, no rio Tocantins, concedido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) esta semana, promete tornar o Pará o principal corredor para escoamento de grãos e da produção pecuária e mineral do pais. Essa é a expectativa representantes de diferentes setores econômicos, que avaliam que o estado pode aproveitar o seu potencial logístico para gerar mais renda e empregos para a população.

Em nota, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) informou que as próximas etapas do projeto são a elaboração do projeto executivo pela empresa contratada e a obtenção da licença de instalação junto ao Ibama, mas não indicou previsão de datas para nenhuma dessas fases.

Em nota, a empresa DTA Engenharia, vencedora da licitação para a obra, disse, por meio de seu presidente, João Acácio Gomes de Oliveira Neto, que a "obra é relevante para o Brasil pois vai gerar uma hidrovia de 500 km, ligando a região de Marabá aos portos de Vila do Conde e Belém-PA, bem como acelerar o desenvolvimento socioeconômico para as regiões, com ganhos expressivos para o agronegócio nas novas áreas de fronteiras agrícolas do país, na mineração, além da geração de novos empregos e renda".

O que prevê o projeto?

O projeto prevê a dragagem e derrocamento do rio Tocantins entre os municípios de Marabá e Baião. Seriam três trechos de obras. No primeiro deles seriam executadas obras de dragagem do rio ao longo de 52 Km entre os municípios de Marabá e Itupiranga. O segundo segmento é o derrocamento propriamente dito, isto é, a explosão das rochas que compõem o leito do rio em cerca de 35 Km da região, entre as ilhas do Bogéa e a localidade de Santa Terezinha, no Lago de Tucuruí. Por fim, as águas também seriam dragadas em um trecho de 125 Km entre os municípios de Tucuruí e Baião.

O objetivo é garantir a segurança da navegação do local até o porto de Vila do Conde, em Barcarena, bem como criar uma via de conexão com rodovias e ferrovias para criar um corredor multimodal. O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Feapa), Carlos Xavier, acredita que, com o a obra do derrocamento concluída, o Pará poderá, em breve, se tornar a maior potência econômica do País. "Hoje, nós temos o maior rebanho de bubalinos e o terceiro maior rebanho bovino, sem falar na agricultura, pois contamos com as maiores produções de cacau, de açaí e de mandioca no Brasil. Tudo isso, sem dúvida, será muito beneficiado, pois nós teremos um transporte muito melhor a um custo baixíssimo, pela hidrovia", destacou.

image Carlos Xavier, presidente da Faepa

“O Pará todo será beneficiado. No projeto Norte Competitivo nós elencamos uma série de ações infraestruturantes para o estado e o Pedral do Lourenço é uma delas. A interligação da hidrovia Araguaia-Tocantins com rodovias e ferrovias é um sonho antigo e quando o Pará alcançar isso vai ter ganhos para a condição econômica como um todo”, afirma José Maria Mendonça, vice-presidente executivo da Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA) e presidente do Conselho Temático de Infraestrutura da entidade. 

Para ele, a navegabilidade do rio Tocantins vai refletir na redução de custos, tornando a exportação mais atrativa pelas vias paraenses. “O custo da hidrovia é muito mais barato do que uma rodovia ou uma ferrovia e com essa ligação por agua da região do sudeste com porto de Vila do Conde esperamos que impulsione nossas exportações e conquista de melhores resultados na nossa balança comercial”, acrescenta Mendonça.

Setor mineral terá novas perspectivas

Já Guido Germani, presidente do Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral), ressalta que a implementação do projeto traz novas perspectivas para o setor, viabilizando, por exemplo, o fortalecimento de negócios de menor porte. “É uma obra esperada já há algum tempo pela sociedade paraense e também pelo setor mineral. Isso porque a iniciativa vai viabilizar a navegabilidade do Rio Tocantins durante os 12 meses do ano. Essa é uma oportunidade de considerar o transporte hidroviário como uma opção mais barata dentro da cadeia mineral, por exemplo, trazendo impactos positivos para as pequenas e médias minas do sul e sudeste do estado, que vão poder escoar sua produção pela hidrovia, levando essa produção mineral até o polo de Barcarena”, destaca.

Um dos segmentos impactados diretamente pelo derrocamento do Pedral do Lourenço será a indústria naval. Segundo Fábio Vasconcellos, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Naval do Estado do Pará (Sinconapa), a partir da implantação plena desse corredor, as empresas devem atrair mais investimentos e colocar em circulação 100 novas balsas e cerca de 20 empurradores em um período de 10 anos, o que demanda a geração de novas oportunidades de emprego.

image Ações previstas no projeto (Reprodução / Governo Federal)

“Perdemos muitos investimentos e empregos ao longo desses anos de espera. Na minha opinião, essas infraestruturas como o Pedral do Lourenço e a Ferrogrão são duas prioridades logísticas para o estado do Pará. Quanto mais esses projetos são ampliados, mais o Pará ganha em termos de investimentos”, frisa Vasconcellos.

A expectativa também é positiva entre lideranças políticas, como o senador Jader Barbalho (MDB), que tem acompanhado a espera pelo projeto e defende sua implantação. “Esse projeto está abrigado no Projeto Nacional de Desenvolvimento Integrado da Bacia Araguaia-Tocantins, de mais de 50 anos, financiado pelo Banco Mundial. Desde lá acompanho e participo desse processo.  Fui testemunha quando o Helder, como Ministro da Integração Nacional assinou a ordem de serviço das obras e, depois de muito tempo, recebo a notícia que o IBAMA liberou o licenciamento.  A luta vai continuar para conseguir realizar o derrocamento do Pedral do Lourenço e viabilizar a hidrovia. O Brasil precisa aproveitar as suas hidrovias e diminuir os custos dos nossos produtos”, destacou.

Anúncio é bem recebido por  empresários de Marabá

Em Marabá, sudeste do Estado, o anúncio da liberação da Licença Prévia para as obras do derrocamento foi recebido com otimismo. “Essa é a melhor notícia que poderíamos receber esse ano porque, na nossa avaliação, é a obra estruturante de maior significado para a região, não só para Marabá. Haja vista que nós vamos mudar completamente a dinâmica de escoamento de produtos no Estado”, avalia João Tatagiba, presidente da Associação Comercial e Industrial de Marabá (Acim). “Só para se ter uma ideia, todas as commodities produzidas pelo estado do Mato Grosso, tudo o que é produzido no sul e outros municípios do sudeste do Pará, seja carne, minério, tudo passa por aqui e embarca em Barcarena para exportação. A partir da viabilidade de Hidrovia Araguaia-Tocantins, o ponto de embarque desses produtos será Marabá”, afirma Tatagiba.

Com a navegabilidade do Rio Tocantins, a expectativa do dirigente é que toda a cadeia de fornecimento de produtos e serviços seja influenciada pela hidrovia e que isso contribua para dinamizar a economia da cidade. “Nós vamos ter mais demandas por combustíveis, serviços mecânicos, produtos e insumos para navegação, um sem número de investimentos que vai mexer com todo o mercado para alimentar a estrutura portuária que se estabelecerá em Marabá. Basicamente, no campo logístico, nós teremos o antes e o depois da hidrovia”, analisa o dirigente.

Apesar do olhar positivo, Tatagiba também critica o Ibama pela demora na avaliação do projeto e a consequente morosidade na emissão da licença que permite o início das obras. “Eu fico muito feliz porque esse licenciamento já estava parado há muito tempo no Ibama, cerca de três anos, um atraso absurdo e injustificável. A obra está inclusive licitada, porque a licitação foi feita junto com o pedido de licenciamento. Agora, estamos nos preparando para ir à Brasília conversar com os parlamentares paraenses para garantir os recursos necessários para iniciar as obras o quanto antes”, disse o presidente.

Cobrança por obra tem mais de quatro décadas; atual licenciamento é aguardado há quase 10 anos

O atual projeto do derrocamento do Pedral do Lourenço teve início em 2014, quando foi lançado o edital. Cinco empresas se cadastraram e apresentaram suas propostas, saindo vencedora, em 2016, a DTA Engenharia Limitada, de São Paulo. A contratação da empreiteira previa, então, a elaboração dos projetos básico e executivo, de todas as ações ambientais e a execução das obras, em um prazo total de 58 meses.

O investimento estimado pelo DNIT era da ordem de R$ 560,6 milhões e a empresa DTA Engenharia apresentou uma proposta de R$ 520,6 milhões, o que representou uma economia de R$ 40 milhões para o Governo Federal, reduzindo em 7,15% a previsão para execução da obra, por isso, sagrou-se vencedora.

O sonho de navegação pelo rio Tocantins, no entanto, é muito anterior a isso: tem mais de 40 anos. Ainda na década de 1970, quando iniciou as obras da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, já se vislumbrava a ligação do planalto central com a região amazônica por via fluvial. Porém, em 1984, quando a obra foi inaugurada faltavam dois aspectos essenciais: a construção das eclusas, que permitiriam a transposição do degrau de 71 metros entre o nível do rio e o reservatório da usina; e a desobstrução do caminho com a remoção do pedral.

Atual derrocamento do Pedral do Lourenço teve início em 2014

O atual projeto do derrocamento do Pedral do Lourenço teve início em 2014, mas o sonho da navegação pelo rio Tocantins tem mais de 40 anos. Ainda na década de 1970, quando iniciou as obras da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, já se vislumbrava a ligação do planalto central com a região amazônica por via fluvial. Porém, em 1984, quando a obra foi inaugurada faltavam dois aspectos essenciais: a construção das eclusas, que permitiriam a transposição do degrau de 71 metros entre o nível do rio e o reservatório da usina; e a desobstrução do caminho com a remoção do pedral.

Parte das obras das eclusas já foram concluídas no início da década passada, mas continua pendente o projeto de derrocagem, já que as pedras submersas impedem a navegação nos meses mais secos, geralmente de agosto a dezembro. De acordo com Flávio Acatauassu, presidente da Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Bacia Amazônica (Amport), com isso se torna inviável a navegação de embarcações de grande porte como aquelas que transportam os produtos do agronegócio e mesmo a produção mineral do estado.

“Estamos perdendo em competitividade. Não temos como aferir valores, porque existem outros modais, mas a gente sabe também que o derrocamento não vai abrir sozinho a navegação, mas com certeza é um projeto importante porque vai permitir usar a via com mais segurança principalmente na época de aguas mais baixas”, explica o executivo, que prefere manter uma postura cautelosa sobre o avanço do projeto diante das idas e vindas que já observou ao longo da história.

“Essa licença prévia é importante, mas já houve três licenças para o derrocamento do Pedral do Lourenço desde os anos 90 e a obra não saiu do papel. Um dos motivos é porque a licença prévia apenas informa que o empreendimento é viável, mas para que ele possa começar você precisa atender a mais de 30 condicionantes. Você precisa atender esses requisitos e realizar todos os estudos e, se for aprovado, o órgão ambiental autoriza a licença de instalação”, pontua Acatauassu, que frisa: “Estou otimista e quero que o projeto saia, mas só vou soltar o foguete quando tivermos essa licença de instalação”.

As condicionantes mencionadas por Flávio Acatauassu são uma série de medidas que devem ser tomadas, como a elaboração de programas de gestão de efluentes, de controle da qualidade do ar, de monitoramento da qualidade da água e dos sedimentos, bem como o monitoramento das diversas espécies da fauna e flora, como os quelônios, cetáceos, plânctons, morcegos e aves, entre outras ações. “Essas condicionantes são importantes. Esperamos que elas possam ser cumpridas e a licença concedida não seja inviabilizada pelos excessos”, afirma Fábio Vasconcellos.

Impactos socioambientais preocupam comunidades

Além dos problemas históricos de gestão e de concepção, o derrocamento do Pedral do Lourenço não avançou também por conta da resistência de populações tradicionais e comunidades já afetadas pela implantação da hidrelétrica de Tucuruí, que se dizem indignadas com o processo de licenciamento.

“Queremos ser ouvidos e que o DNIT leve em conta o que temos a dizer. Como farão para medir os impactos dessa obra nas nossas vidas se não nos consultarem adequadamente? Todos sabem os prejuízos que ficam depois que se instala um grande projeto. Já existem estudos que comprovam que boa parte das pessoas impactadas por esses projetos nunca mais recupera sua vida. E nós já passamos por isso com a barragem de Tucuruí. Não queremos cometer os erros do passado”, diz Ronaldo Macena, presidente da Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiry (ACREVITA), que congrega as famílias tem a pesca do tipo caceia como uma de suas principais atividades.

“Serão 100 m de largura de derrocagem e 80 m de largura na dragagem exatamente no local em que pescamos nessa modalidade. E esse espaço do rio será todo demarcado por boias para que passe os comboios e barcaças. Como nós vamos pescar de caceia com o rio todo demarcado por boias? O impacto será grande em nossa produção de peixes. Enquanto o DNIT, IBAMA e a DTA Engenharia não consultarem as nossas comunidades através das nossas associações, não iremos aceitar que realize a instalação da hidrovia”, garante Ronaldo, que defende a realização de consulta prévia com todas as populações envolvidas.

De acordo com o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) seriam cerca de 30 mil famílias afetadas na região. “Há uma resistência grande na região. A gente tem recebido ligações das pessoas questionando que medidas vão ser tomadas. Esse é um tipo de projeto que já nos atinge antes mesmo de começar. É um projeto de uma incoerência muito grande até porque existem alternativas a serem feitas com custo social e ambiental menor que podem suprir essa necessidade de escoamento da região”, diz Iury Paulino, da coordenação nacional do MAB, que teme que até mesmo as condicionantes não sejam capazes de evitar a ocorrência de novos impactos na vida das pessoas.

“A gente não sabe a efetividade delas (condicionantes). Um exemplo é Belo Monte em que boa parte delas não foi executada. Em Tucuruí, temos moradores que até hoje ainda lutam para ter direito à indenização, fora os prejuízos para a pesca. O passivo de Tucuruí ainda não foi resolvido, pra isso precisa ter um estudo de impactos cumulativos porque esse projeto é cheio de fragilidades”, critica.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Economia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM ECONOMIA

MAIS LIDAS EM ECONOMIA